terça-feira, 30 de novembro de 2010

Fala sério: todo aquele espetáculo de guerra foi só para hastear a bandeira no topo do Alemão?

Foi competente a operação que não prendeu quase ninguém e não achou o paiol do tráfico?
Por Pedro Porfírio

“A ocupação do Alemão foi preocupadamente tranquila”
Delegado Marcus Vinicius Braga, do Comando da Operação.

De malas prontas para um trabalho fora do Brasil, não teria tempo para voltar ao assunto dessa “Batalha do Rio”, com semelhanças da “Batalha de Itararé”, se não fosse pelo oba-oba orquestrado, disseminado para fazer crer que vivemos um domingo histórico, tão marcante que o prefeito Eduardo Paes, figura absolutamente omissa nesses dias tensos, anunciou um decreto de “refundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro no último dia 28 de novembro”.

Um amigo me disse ao telefone: “... hoje me sinto mais brasileiro”. Um leitor me escreveu, perguntando: “... depois da ação - perfeita - da polícia, o que mais você vai falar?”. A grande mídia não perdeu a oportunidade de fazer sua própria festa, mostrando os seus heróis, que estiveram no “teatro de guerra” com treinamento prestado por empresa internacional de segurança e sob a proteção da coalizão formada entre tropas do Estado e das Forças Armadas, muitos destes com experiência no combate aos bandidos do Haiti.

Ao que me perguntou, repliquei com a pergunta que faço a todos: e aquele monte de bandidos - 700, estimavam - o que foi feito deles? Todo aquele aparato foi para entrar no Morro do Alemão e hastear as bandeiras do Brasil e do Estado do Rio, ou para pegar os malfeitores que tanto medo disseminaram com suas ações incendiárias insólitas e desafiadoras, além dos males maiores que vêm causando à segurança dos cidadãos?

Libertaram o "Alemão"? Não diga...
Libertaram o Morro do Alemão? Não diga. Eu não sabia que aquele complexo, onde o governo está gastando mais de R$ 500 milhões só para implantar um teleférico que ninguém de lá pediu estava sob governo do "poder paralelo". E nas várias vezes que o presidente Lula e o governador Cabral estiveram lá para inaugurar algumas obras, como isso aconteceu? Tiveram de pedir autorização ao tráfico?

Então quer dizer que estavam gastando nossa grana na área por ser “libertada”? Como, aliás, estão gastando na Rocinha, Manguinhos e outras ainda não tomadas pelas forças policiais.

Menos. Menos, rapaziada. Vamos devagar com o andor que o santo é de barro.

Secretário Municipal de Desenvolvimento Social por duas vezes, conheço o Complexo do Alemão muito bem. Como conheço, aliás, por dever de ofício, quase todos os antigos “parques proletários”, denominação oficial dada às favelas antes de 1964.

Vou falar mais dessas áreas a seguir, ou em outra oportunidade, mas antes, com meu “feeling” de meio século de jornalismo, posso dizer que nessa história toda tem truta. E truta das grandes.

E se tiver havido um acordo?
Tenho minhas razões para acreditar que o passeio dominical das forças de segurança aconteceu como resultado de uma certa negociação. Isso mesmo. Não posso afirmar categoricamente, é claro, porque não tenho provas. Porque tudo deve ter acontecido no sapatinho, com a devida discrição que o caso impunha.

Essa idéia me ocorreu logo ao meio dia de sábado, quando José Junior, coordenador do grupo Afro Reggae subiu ao morro, pela Estrada do Itararé, juntamente com outros quatro parceiros, em missão estimulada pelo governo do Estado. 

Àquela altura, na hora do almoço, o comandante geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, em tom marcial, já havia formalizado seu ultimato, retransmitido ao vivo e a cores para todo o mundo, determinando que todos os traficantes descessem em fila indiana, com as mãos na cabeça, porque o morro seria invadido a qualquer momento. Do contrário, não teria como garantir a integridade de ninguém. Nem dos bandidos, nem dos moradores. 

Nesse emocionado comunicado, o coronel lembrou que contava com apoio das forças de terra, ar e mar (quer dizer, com os fuzileiros e seus tanques de guerra capazes de transpor qualquer obstáculo).

Não precisa ser especialista em segurança ou coisa que o valha para saber que só havia uma condição para a polícia entrar na área “dominada” com possibilidade de fazer prisões: até às sete da noite daquele sábado claro, quando as atenções do Brasil estavam concentradas no aparato montado, que postava tropas e tanques por todos os acessos do Complexo, nos bairros de Olaria, Ramos, Bonsucesso, Inhaúma e Penha.

O coronel mordeu a língua e ficou no blefe. Ou, então, fez a sua parte no acordo possível, que estou apenas especulando, com base no método da “sintomatologia da informação”.

Como na fuga filmada ao vivo 
Ao cair da tarde, a situação ficou mamão com açúcar para todos os bandidos. Assim como mais de 300 que estavam na Vila Cruzeiro tomaram um caminho pouco conhecido em direção ao Alemão, percorrendo a pé mais de 10 quilômetros com direito à filmagem do seu passo-a-passo, sem interceptação policial, o grosso da "tropa inimiga" ficou à vontade para planejar sua evacuação, evitando o confronto para o qual nunca esteve preparada.

Bandido não está aí para conflitos cinematográficos. Não tem compromisso com nada, a não ser com sua vida perigosa, que é de pouca duração, mas permite alguns momentos com o rei na barriga.

Mais uma farsa do que uma caça 
Mas as autoridades, que conviveram com esses bandidos por todo esse tempo, garantindo, inclusive, por “consenso” a realização das obras financiadas pelo PAC, estavam mais para uma farsa do que para a “caçada implacável” prometida pelas vozes flamejantes em busca dos seus minutos de celebridade.

Não foi difícil para aquele quase milhar de foras da lei dar o fora em busca de outros refúgios ou até mesmo homiziar-se em alguns lugares dentro do próprio complexo. A intenção da coalizão repressiva não era também a do confronto, da captura. Isso já tinha ficado claro e evidente na fuga da Vila Cruzeiro, transmitida ao mundo pelo helicóptero da Globo, que mostrou a marcha de centenas de marginais sem um policial em seu encalço, sem ninguém para proceder a interceptação, em plena luz do dia, no acesso ao Alemão, provavelmente pela estrada da pedreira, que fica na Penha.

Com a entrada “triunfal” na manhã de domingo, sem uma baixa a lamentar, sem achar o paiol dos 3 mil fuzis calculados pelos "especialistas", sem prender quase ninguém, embora exibindo grande quantidade de maconha deixada pelos traficantes, as forças militares e policiais precisavam de um "marketing" de vitória histórica, algo que levasse o prefeito ao extremo de proclamar a refundação da cidade.

E junto com todo o espetáculo consagrador, as informações de que os procurados estavam recorrendo a redes de esgoto para escapulirem. 

Para variar, tomando dinheiro do trabalhador
Isso tudo encheu os olhos de uma população atordoado, amedrontada, que agora começa a ficar sabendo de certas peripécias: graças a um fotógrafo do CORREIO BRAZILIENSE, a própria Rede Globo   revelou uma faceta desses heróis: alguns policiais invadiram a casa de um trabalhador e levaram R$ 31.000,00 que ele havia recebido numa rescisão de contrato de trabalho, como provou com farta documentação.

Abrindo caminho para a volta da milícia
Finalmente, vale falar aqui de duas coisas: da possibilidade da polícia estar abrindo caminho para uma “milícia”, que não seria estranha na área. Até 1988, pelo menos na área da Nova Brasília, que dá acesso à Avenida Itaoca, havia uma espécie de “mineira”, em choque com os bandidos da Grota. Depois da morte de um sargento conhecido como “Diabo Louro”, era comandada pelo “Tião Bundinha”, que foi assassinado pelo Betinho, seu lugar-tenente, morto depois, sob suspeita de fazer jogo duplo, quando o "Orlando Jogador" resolveu tomar todo o Complexo. Nessa época também, mataram o sargento Pereira, que controlava o tráfico e a mineira na Fazendinha, tendo sido nomeado administrador regional do Complexo no primeiro governo Cesar Maia. 

Suplente de vereador pelo PSDB, embora com pouco mais de 4 mil votos, deu o maior trabalho à Câmara Municipal, porque não apareceu para assumir, quando Roberto Dinamite foi eleito deputado estadual. Seu corpo foi cremado no “microonda”, o mesmo que um dia vitimou o jornalista Tim Lopes.

A outra coisa é a quantidade de cartazes de políticos ainda na comunidade. Ao contrário de outras favelas, desde a época do Pereira, ninguém subia o morro sem negociar uma grana com os seus “donos”. Será que vão investigar ligações de políticos com os “donos do morro” agora “libertado”?

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