quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Obama e a nova ameaça militar na Indonésia

Vários documentos secretos do Kopassus mostram o nível de repressão política violenta exercida por este comando especial das forças armadas, agora, pela primeira vez em mais de uma década, com o apoio dos EUA.

opiniao | 25 Novembro, 2010 - 12:22 | Por Amy Goodman
Vários documentos secretos do Kopassus mostram o nível de repressão política violenta exercida por este comando especial das forças armadas, agora, pela primeira vez em mais de uma década, com o apoio dos EUA.

Quando um vulcão mata civis na Indonésia, é notícia. Mas quando o governo é quem realiza a matança, lamentavelmente não gera muito destaque, especialmente se um presidente norte-americano apoia a matança tacitamente, como acaba de fazer Barack Obama com a sua visita à Indonésia.

Enquanto as pessoas que vivem ao redor do Monte Merapi tratam de sair dentre as cinzas depois de uma série de erupções que deixaram um saldo de mais de 150 mortos, uma nuvem mais negra espreita a Indonésia em forma de apoio renovado dos Estados Unidos ao tristemente célebre Kopassus, o comando de forças especiais do país. Ao mesmo tempo em que Obama aterrava em Jacarta nesta semana, o jornalista Allan Nairn publicou vários documentos secretos do Kopassus, que mostram o nível de repressão política violenta exercida por este comando especial das forças armadas, agora, pela primeira vez em mais de uma década, com o apoio dos Estados Unidos.

Em Março deste ano, Nairn revelou detalhes de um programa de assassinatos do Kopassus na província Indonésia de Aceh. Estes novos documentos do Kopassus revelados na semana (de 8/11/2010) aportam muitos detalhes a respeito da província de Papua Ocidental. Como escreveu Nairn no artigo que acompanha os documentos, Papua Ocidental é “onde dezenas de milhares de civis foram assassinados e onde o Kopassus está mais activo... Quando os Estados Unidos retomou a ajuda ao Kopassus em Julho deste ano alegou como fundamento a luta contra o terrorismo, mas os documentos demonstram que o Kopassus de facto persegue sistematicamente aos civis”. Segundo figura nos documentos do comando de forças especiais indonésias, os civis “são bem mais perigosos que qualquer oposição armada”.

Num destes documentos se faz menção a 15 líderes da sociedade civil papua, todos eles “civis, começando pelo principal referente do Sínodo Baptista de Papua. Entre os outros há ministros evangelistas, activistas, líderes tradicionais, legisladores, estudantes e intelectuais, bem como também figuras das elites locais e o presidente da organização de Jovens Muçulmanos de Papua”.

O Presidente Obama viveu na Indonésia desde os 6 aos 10 anos, depois de que sua mãe se casou com um cidadão indonésio. Obama disse em Jacarta nesta semana: “Obviamente fala-se muito a respeito do facto de que este momento marca o meu regresso a onde vivi quando menino. ...Mas hoje, como presidente, estou aqui para me centrar não só no passado, senão no futuro, na ampla associação integral que estamos a construir entre Estados Unidos e Indonésia”.

Parte dessa relação implica o renovado apoio ao Kopassus, que tinha sido reiteradamente negado desde que as forças armadas indonésias destruíram por completo o território de Timor Oriental em 1999, então ocupado pela Indonésia, deixando um saldo de mais de 1.400 timorenses mortos.

Uma série de vídeos filmados com telefones celulares saiu a público em Papua. As gravações mostram cenas de tortura efectuadas pelo que parecem ser membros das forças armadas. Num vídeo publicado há pouco mais de três semanas, nota-se que os soldados queimam os genitais de um homem através de uma vara quente, lhe cobrem a cabeça com um saco plástico para sufocá-lo e o ameaçam com um fuzil. Outro vídeo mostra um homem papua a morrer lentamente de uma ferida de bala enquanto o soldado que o filma com o seu telefone celular se debocha dele, chamando-o “selvagem”.

Falei com Suciwati Munir, a viúva do conhecido activista de direitos humanos indonésio Munir Said Thalid, na reunião dos vencedores do Prémio Nobel Alternativo em Bona, Alemanha. O seu esposo, um firme crítico das forças armadas indonésias, recebeu o prémio pouco antes da sua morte. Em 2004, enquanto viajava à Holanda em função de uma bolsa para estudar Direito, a bordo de um voo da Garuda, a empresa aérea de aviação civil indonésia, passaram-no para os assentos da primeira classe. Ali, serviram-lhe chá envenenado com arsénico, vindo a morrer antes de o avião aterrar. Suciwati tem uma mensagem para Obama:

“Se Obama tem um compromisso com os direitos humanos no mundo, em particular na Indonésia, tem que prestar atenção à situação de direitos humanos na Indonésia. E o primeiro que deveria pedir ao Presidente Susilo Bambang Yudhoyono é que resolva o caso de Munir”. Perguntei-lhe se queria reunir com o Presidente Obama quando viesse a Indonésia. Respondeu: “Talvez sim, ou talvez não. Poder ser que sim, porque quero recordar a situação de direitos humanos na Indonésia. Pode ser que não, porque com a decisão equivocada que tomou tem perpetuado a impunidade na Indonésia”.

Trata-se da terceira tentativa do Presidente Obama de visitar a Indonésia. A primeira não se concretizou porque teve que ficar nos Estados Unidos para impulsionar a reforma do sistema de saúde. A sua segunda tentativa de visita foi cancelada no meio do desastre do derramamento de petróleo vinda da plataforma da British Petroleum (BP). Desta vez chegou, apesar de que a erupção do Monte Merapi o forçou a ir embora algumas horas antes.

De Jacarta, o jornalista Allan Nairn reflectiu:

“É bom poder regressar ao lugar onde alguém se criou, mas não deveria levar armas de presente. Não deveria levar treino para as pessoas que estão a torturar os seus antigos vizinhos. Obama disse em sua conferência de imprensa que quer aproximar-se do mundo muçulmano. Disse que houve mal entendidos e desconfiança. Bom, uma forma de começar a aproximação com os muçulmanos, e também aos cristãos, os indianos e os budistas na Indonésia, seria cortar todo o apoio dos Estados Unidos ao exército indonésio que tem matado centenas de milhares de civis indonésios e civis do território anteriormente ocupado de Timor Oriental; e uma forma de se aproximar ao resto do mundo muçulmano é parar de atacar o Afeganistão e o Iraque, deter os ataques no Paquistão, Iémen, Quénia, e em todas as partes. Esse seria o começo de uma verdadeira aproximação: pôr fim aos actos criminosos”.

Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

Texto traduzido da versão em castelhano e revisto do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise.

Sobre o autor
Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.

Extraído do Esquerda.net


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