quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Espertos e otários no mundo da ciência


Publicado em 09/02/2011 por Urariano Mota

A repercussão do artigo anterior foi tão surpreendente, que não posso me furtar, essa palavra própria, a mais um caso. Dentre os comentários recebidos, destaco dois:

Um, de Luciana Witovisk:

“O que mais me perturba é a aprovação de alunos que deveriam ser reprovados, apenas para que o programa de Pós-graduação não caia no conceito CAPES, e a conduta amoral que, infelizmente, alguns pesquisadores “ilibados” apresentam no “latifúndio de sua sala”. As universidades (passei por três publicas e vi isso nas 3!) se transformaram em cenário para crimes como plágio, roubo e venda de relatórios, monografias, etc, assédio moral, assédio sexual, e não só por parte de pesquisadores homens. E quem fala é coagido, vira sim o delinquente...”

Outro, de Nathália de Tarso:

“Só não vou dizer que a história foi comigo porque sou historiadora e não bióloga, mas é tin-tin por tin-tin o que já vivi participando de bancas por aí afora. E também sou chamada de preciosista, imagine!”

Por isso, passo à palavra ao cientista K pela última vez, porque imensa vai a sua angústia e desespero, porque poderia receber uma punição pelo espanto que não perdeu ante a indecência:

Um colega foi para Portugal fazer um pós-doutorado. Quando voltou, me perguntou por um trabalho que iria ser publicado com o nome de um orientando, com o meu nome, orientador, e no dele, pois ele ... Olha, vamos falar sério: a gente não pode ter excesso de escrúpulos. Entenda. O rolo compressor, a onda, o oceano, a atmosfera biológica, social, o diabo, é de tal forma que ninguém escapa ileso, entende? Em pequenas coisas concedemos. Ou caso contrário, cairemos no pecado do suicídio.

Entende? Concedemos um milésimo, um milionésimo, ou seremos obrigados a mendigar auxílio a quem já deu o traseiro, alma e complementos. Pois bem. O colega havia tomado por empréstimo... assim, a fundo perdido, vale dizer, sem reposição, uns três mil reais, que ele havia tirado de um outro projeto que tinha dinheiro em excesso. É assim: tira-se do que tem muito para o que tem nada. Até aí, creia, nada de mais. Eu me comprometi que o trabalho seria publicado em nome dos três: em nome do orientando, do meu (orientador) e no do colega doutor. Ele me disse que tinha pressa na publicação, pois, aqui repito as suas palavras: 

‘Vai ocorrer um congresso de Bioquímica em Lisboa, e eu quero voltar a Portugal nessa ocasião. Quem vai apresentar o trabalho sou eu, pois eu consigo o dinheiro das despesas para essa viagem com facilidade’. Bom. Então eu avisei a ele que, diante dessa responsabilidade na Europa, eu já havia enviado o trabalho para uma revista especializada em bioquímica. O resultado é que um dos revisores tinha notado que as análises químicas não eram confiáveis.

Pra quê eu disse isso? O doutor colega então me respondeu que “esses caras (os revisores) são cheios de frescura. Eles é que têm muita inveja de quem publica trabalhos de qualidade” (como o dele – melhor dizendo, como o “nosso”)... Então eu lhe respondi que esse não era o caso, pois a argumentação do revisor estava correta e que deveríamos mesmo refazer as análises químicas antes, para só depois tentar publicar o trabalho na revista ou nos anais de um congresso, como o que estava previsto para Lisboa.

Ele me disse então: “Envia logo para o Congresso de Portugal do jeito que está, pois não temos tempo para agendar os laboratórios da USP antes do Congresso em Portugal”. Eu respondi “Não”, porque as advertências do revisor estavam corretas, e mesmo que os revisores do Congresso de Lisboa não notassem os erros de análise química, eu estaria sendo desonesto, pois eu já havia sido informado sobre esses erros. Resposta do meu nobre colega:

“Você está agindo como um otário, como um idiota. Agindo assim, você nunca mais nunca mais receberá qualquer dinheiro para futuras pesquisas...

Outras coisas ainda mais sensatas ele me disse. Mas chega. Eu já fui insensato além da conta em lhe contar. Chega. Isso pode acabar com uma carreira. A minha”.

Assim falou o mestre K. Se bem entendi, ignorante que sou do mundo das academias e dos congressos de ciência biológica, posso concluir que a tradicional divisão do mundo aqui fora, de todos os dias, também invadiu o austero e rigoroso mundo da ciência. No mundo acadêmico, científico, também os homens podem se dividir em espertos e otários. É claro que o progresso da humanidade depende dos otários. Mas a boa vida pertence aos vivos e espertos. Escrever sobre isso é a única vingança dos idiotas.  

Enviado por Direto da Redação

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