sábado, 19 de março de 2011

A contrarrevolução está vencendo no mundo árabe

Pepe Escobar

18/3/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


A contrarrevolução em marcha no mundo árabe, em todas as televisões, chega até vocês sob o alto patrocínio da Casa de Saud – com serviços técnicos do Pentágono. O Golfo virou pasto de mais uma guerra preventiva. Depois da euforia inicial com a grande revolta árabe de 2011, a mensagem dos reinos e xeicados do Golfo, para Washington, foi absolutamente clara – e efetiva: se nós “cairmos”, a estratégia de vocês acabou-se, estará em cacos. Mais uma vez, a “estabilidade” atropelou a democracia. 

Não surpreende que seja a Arábia Saudita – lar dos wahabistas mais pios, da al-Qaeda mais fanática, dos hipócritas príncipes sauditas nas mesas de jogo, bebendo e gozando a vida em Londres e na Riviera francesa – a encarregada de assassinar mais uma onda de desejo popular por democracia e dignidade humana. 

Novidade associada é a invasão do Bahrain. Para a Casa de Saud, o movimento pró-democracia no Bahrain é ameaça existencial, mais grave que a possibilidade (inventada) de que Saddam Hussein invadisse o reino, nos anos 1990s. 

A mídia saudita pode detonar quanto queira o líbio Muammar Gaddafi e sua estratégia letal contra os próprios líbios. Mas Líbia e Arábia Saudita são iguais. Gaddafi inaugurou o manual da contrarrevolução árabe: bombardeie os manifestantes até calá-los. Essa estratégia vitoriosa é idêntica à do governo do Bahrain, com ajuda crucialmente importante dos sauditas. 

O Golfo mergulha em mais uma guerra preventiva 

No que tenha a ver com o nexo inextrincável que liga sauditas e Washington, a democracia até seria aceitável para a Tunísia, o Egito e a Líbia. Mas seria péssima para a Arábia Saudita, o Bahrain e outras ditaduras-parceiras no Golfo. A secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton teve encontro privado em Paris com enviado especial do Conselho do Governo de Transição na Líbia Mahmoud Jabril. Discutiram “como ampliar o nível do alcance dos EUA”. Isso, depois de o governo Barack Obama ter cunhado a neologia “alteração de regime” para sua nova estratégia para o Oriente Médio. 

Esse “ampliar o alcance” significa conversas com “rebeldes” pró-democracia. E “alteração de regime” significa apoiar ataques brutais contra manifestantes pró-democracia. A prova de que essa agora é a política oficial é que Jeffrey Feltman, secretário-assistente de Estado para assuntos do Oriente Próximo, está na embaixada dos EUA em Manama desde segunda-feira – de onde assistiu, ao vivo, a invasão saudita e o subsequente ataque violentíssimo contra os manifestantes da rotatória da Pérola/”Lulu” (50 tanques, veículos blindados, vários helicópteros). É a quarta vez que Feltman visita o Bahrain em um mês. 

A previsível contrarrevolução orquestrada pelos sauditas converteu as demandas por justiça, dignidade e igualdade, em algo que já é, hoje, a mais nova e mais mortal modalidade de guerra sectária entre xiitas e sunitas, a tal ponto que os regimes sunitas ameaçados poderão outra vez invocar o espectro de uma avançada xiita. 

De Muqtada al-Sadr no Iraque, ao secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, no Líbano, para não falar do governo do Irã, todos esses foram obrigados a defender xiitas civis desarmados, assassinados, atacados, feridos. Mas todos sabem que essa não é disputa entre xiitas e sunitas. Dois dos lados, há cidadãos muçulmanos que anseiam por justiça, igualdade e dignidade. 

A Casa de Saud e a dinastia al-Khalifa acabam de fabricar uma guerra, a partir dos protestos pacíficos no Bahrain. O líder xiita do bloco de oposição al-Wefaq, Abdel Jalil Khalil, já identificou “uma guerra de aniquilação. É coisa que não acontece nem nas guerras tradicionais e não é aceitável. (...) Vi, com meus próprios olhos, que atiravam com munição viva contra cidadãos desarmados. Aconteceu à minha frente.” 

Nunca é demais repetir que o movimento de jovens no Bahrain – na vanguarda dos protestos – é composto de estudantes, profissionais liberais e massas de desempregados. Os jovens bahrainis – seguindo o exemplo dos egípcios – declaram “Kefaya!” [“Basta!”], mais uma vez. 

A história vai pegar vocês

A julgar pelo modo como está cobrindo o Bahrain – especialmente se compara à cobertura que deu à Líbia –, a al-Jazeera, lamentavelmente, está alinhada, agora, à contrarrevolução árabe. Quer dizer: o Qatar também é cúmplice. A al-Jazeera insiste que o que está acontecendo no Bahrain seria apenas uma “confrontação”. E jamais falou das tropas sauditas invasoras: são forças do “Escudo da Península”, slogan estridentemente construído pelo Pentágono, na linha da “Operação Liberdade Duradoura” [ing. Operation Enduring Freedom]. 

O Sheikh Hamad bin Jassim bin Jabr Al-Thani, premiê do Qatar, não excluiu a intervenção de “pacificadores” qataris. Nabil al-Hamr, alto conselheiro do rei Hamad al-Khalifa do Qatar, falou à rede de TV al-Arabiyyah – voz e boca da Casa de Saud –, para agradecer ao Qatar e aos membros do Conselho de Cooperação do Golfo [ing. Gulf Cooperation Council (GCC)] pelo apoio militar e “outros tipos” de apoio, na repressão do povo do Bahrain. 

Como recompensa extra, a Arábia Saudita permitirá que o Qatar indique Abdul Rahman al-Atiyyah – secretário-geral do GCC, em final de mandato –, para o cargo de próximo secretário-geral da Liga Árabe. A mesma Liga Árabe que votou a favor de uma zona aérea de exclusão [orig. a no-fly zone] sobre a Líbia, mas mantém-se muda quanto à repressão no Bahrain e à repressão preventiva na Arábia Saudita. 

Os cidadãos do Bahrain, agora, só tem um ditador a derrubar, mas todo um exército estrangeiro a expulsar. O sultão Qabus no Omã, pelo menos, teve a decência de falar aos manifestantes locais e de conceder poderes legislativos. Os al-Khalifas do Bahrain – sobretudo os linha-duras liderados pelo sinistro primeiro-ministro Sheikh Khalifa bin Salman al-Khalifa, tio do rei, no poder há nada menos que 39 anos – só ofereceu balas de grosso calibre. A verdadeira imagem pública dos al-Khalifas, agora, é seus policiais assassinos de manifestantes desarmados, como se vê aqui. 

Toda a campanha de demonização comandada por al-Khalifa tem base sectária. Na TV do Bahrain – voz e boca de al-Khalifa – os manifestantes são apresentados como selvagens, gângsteres e terroristas. E o governo – como Hosni Mubarak fez no Egito – soltou seus cães, em massa.

É verdade. Residentes paquistaneses foram atacados com espadas e barras de ferro, em circunstâncias ainda nebulosas. Centenas de sunitas paquistaneses foram recrutados pela polícia antitumultos do Bahrain (receberam rapidamente documentos de cidadania e o direito a benefícios de assistência social). Importante, nesse caso, que as vítimas identificaram os agressores como assemelhados aos gângsteres baltajiyya que invadiram a Universidade do Bahrain no início dessa semana. 

No Bahrain só dois grupos podem portar armas: as forças de segurança, onde há centenas de estrangeiros, muitos deles mercenários, e membros de famílias tribais aliadas dos sunitas al-Khalifas reinantes. 

A guerra preventiva no Bahrein é a batalha que a Casa de Saud, o emir do Qatar, o sultão de Omã e os ricos Emirados temem ter de combater em casa. Já provaram que estão do lado errado da história. Os ataques selvagens e indiscriminados – abençoados pela política de “alteração de regime” de Washington – pode funcionar, por hora. Mais cedo ou mais tarde o aspirador de pó da história os aspirará para sempre, para o fundo do saco e do esquecimento. 

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