quarta-feira, 6 de abril de 2011

Islamistas preparam-se para novo papel

Syed Saleem Shahzad

7/4/2011, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online
Islamists prepare for new role
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Ver também: 
9/12/2010, Syed Saleem Shahzad
11/3/2011, Pepe Escobar

LONDRES. A grande revolta árabe de 2011 mudou a dinâmica do Oriente Médio, sobretudo no pensamento dos grupos islâmicos antiocidente que operam no Oriente Médio e Norte da África e que hoje encontram espaço para aliar-se com as forças democrática em territórios comuns. 

A magnitude da mudança é tal que já gerou debate feroz entre políticos ocidentais em torno de uma questão chave: quais as chances de haver paz, se se admitir que grupos islâmicos passem a atuar no processo político hegemônico? E, além disso: de que modo essas alterações afetarão a al-Qaeda? 

“Al-Qaeda é considerada organização que se põe contra todas as nações do mundo” – disse ao jornal Asia Times Online um agente britânico de contraterrorismo, que pediu para não ser identificado, ao ser perguntado sobre a possibilidade de agências ocidentais de inteligência estarem abrindo canais de comunicação com a al-Qaeda, exatamente como já fizeram com os Talibãs.

“Apesar disso, constatamos que vários estados árabes não só já estavam em comunicação com a al-Qaeda, como constatamos também que várias vezes conseguiram construir acordos bem sucedidos, que se mantiveram por vários anos. Isso mostra que a al-Qaeda não é opaca e inabordável e que é capaz de grandes mudanças no campo político” – disse aquele agente.

As principais novidades no Egito no campo dos movimentos islamistas depois da derrubada do governo do presidente Hosni Mubarak forçaram as capitais ocidentais a revisar o que, de modo geral, era pensamento de todas elas, sobre a al-Qaeda. 

O Egito é berço natal dos neoislamistas, das sociedades da Fraternidade Muçulmana e de vários grupos de militantes da luta armada que gravitaram rumo ao Afeganistão, onde formaram um “campo egípcio” que se tornou o eixo gerador da al-Qaeda (ver “O trabalho não terminado da Al-Qaeda”, 1/2/2011, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online, em português). 

Resultado e consequência da revolta no Egito, grande número de neoislamistas foram libertados das prisões egípcias. Entre esses, por exemplo, Abboud al-Zumar, fundador do grupo Jamaatul Jihad responsável pelo assassinato do presidente Anwar Sadat em 1981 e liderado, naqueles anos 80s, pelo ideólogo da al-Qaeda, o egípcio Dr. Ayman al-Zawahiri. 

Nem todos, contudo estão convencidos de que os islamistas chegarão necessariamente à vitória. Abboud al-Zumar, ex-coronel e agente da inteligência militar passou 30 anos preso e, para ele, a democracia impedirá até que os islamistas voltem a pegar em armas contra o Estado. 

“Converso praticamente dia sim, dia não, com Zumar” – disse Yassar al-Sirri ao Asia Times Online. Sirri é dissidente egípcio, que vive em Londres, onde dirige o Centro Islâmico de Observação [orig. Islamic Observation Center]. 

“Zumar votou no referendo recente que houve no Egito [sobre reforma da Constituição], o que mostra que confia na democracia. Eu e outros amigos sugerimos que ele se candidate às eleições presidenciais [em setembro próximo]. Zumar aceite a sugestão, ou não, seja ou não candidato, ele participará do processo eleitoral apoiando algum candidato”, disse Sirri. Em 1994, Sirri foi condenado à morte, em julgamento ao qual não compareceu, acusado de envolvimento num atentado fracassado, que tentou assassinar o ex-primeiro-ministro egípcio Atef Sedki, e no qual foi morta uma menina. 

Sirri nega a acusação. Também foi acusado pelos jornais britânicos, de envolvimento no atentado, dia 9/9/2001, no qual foi morto Ahmad Shah Massoud, líder da Aliança do Norte afegã, por atiradores da al-Qaeda. Sirri é procurado por autoridades dos EUA e do Egito. Foi preso pelo governo britânico para ser entregue aos EUA, mas um juiz britânico ordenou que fosse libertado. 

Hoje, restam pouquíssimos militantes nas prisões egípcias, entre os quais Rafah Taha do Front Internacional Islâmico [ing.International Islamic Front]. 

“No momento, espera-se que todos os islamistas que ainda estão presos – independente do grupo a que pertençam ou tenham pertencido, como Showki al-Islambouli [acusado de envolvimento em atentado para matar Mubarak e que se acredita que, hoje, esteja entre Paquistão, Afeganistão e Irã] – sejam absolvidos das falsas acusações de que foram vítimas, em função das quais foram julgados e condenados sem provas” – disse Sirri. 

“Todos os principais grupos islamistas estão em contato hoje, construindo estratégia conjunta. O resultado será muito positivo: todos os islamistas deporão armas e continuarão a luta dentro dos processos democráticos nacionais”. Sirri acrescenta que as lutas iniciais dos movimentos islamistas foram pacíficas, em movimentos desarmados. Mas em seguida, o confronto com as ditaduras do Oriente Médio, sobretudo no Egito, fechou todas as vias pelas quais poderiam continuar a operar por meios parlamentares e políticos, o que os obrigou à luta armada. 

“Todas as organizações islâmicas, inclusive as que se alinhavam com a al-Qaeda, voltaram-se contra os governos ocidentais porque esses governos apoiavam, protegiam e mantinham as ditaduras em países muçulmanos e, inclusive, ditaduras muçulmanas”, – disse Sirri, que já entrou em contato com a Embaixada do Egito em Londres, pedindo que lhe seja concedido passaporte para voltar ao Egito. 

“Não escreverei carta de desculpas nem pedirei anistia, porque todas as acusações contra mim são falsas. Simplesmente voltarei ao Egito e passarei a participar da vida política do país” – disse Sirri. 

Sirri intercedeu na tentativa de salvar a vida de Kenneth Bigley, cidadão britânico sequestrado por um grupo extremista comandado pelo jordaniano Abu Musab al-Zarqawi em 2004 no Iraque. A pedido de Sirri, Bigley foi poupado durante várias semanas, destino diferente dos dois americanos sequestrados com Bigley. Mas quando os EUA iniciaram uma caçada a Zarqawi, ele assassinou Bigley antes de desaparecer. 

Sirri acredita que, se as atuais tendências se mantiverem, se os militantes forem tratados como seres humanos, até Zawahiri poderá voltar ao Egito para participar do processo político. 

Sirri disse que “atualmente, todos os grupos islamistas estão em processo de consultas internas e entre eles, e já há consenso em torno de alguns objetivos gerais: é preciso criar condições de bem-estar para as populações e é preciso organizar dawa [atividades missionárias] e a luta política pacífica”. 

Há alguns tempo, os ideólogos da al-Qaeda lançaram uma publicação com 20 diretivas para a Jihad, na qual enfatizam a importância de a al-Qaeda reorientar-se para participar na luta política em vários países, que busque reconectar-se com outros grupos políticos islamistas e com intelectuais e pensadores muçulmanos. 

Nas capitais ocidentais, a questão de conversar com a al-Qaeda ainda tem sido apresentada como inadmissível. Mas, pela primeira vez se ouve falar dela como possibilidade. A derrubada da ditadura de Mubarak foi agente catalisador nessa importante mudança.

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