sexta-feira, 8 de abril de 2011

O odor doce-podre da contrarrevolução

Pepe Escobar

8/4/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 

O secretário de Defesa dos EUA Robert Gates está em Riad, para falar com o rei saudita Abdullah. A Associated Press disse à imprensa mundial que, em Riad, discutirão o “levante árabe”. E todos os demais clichês: “reforma política”, “produção de petróleo”, “ameaça iraniana”. Mas quando o Pentágono reúne-se com a Casa de Saud nas atuais circunstâncias, o assunto é um só e sempre: “como adoramos esse cheiro adocicado de contrarrevolução, ao amanhecer...”. 

Sim, é cheiro muito melhor que cheiro de napalm. E cheira à vitória. A contrarrevolução EUA-sauditas está vencendo a grande revolta árabe de 2011. A Casa de Saud queria que Hosni Mubarak continuasse agarrado ao poder no Egito – Washington, aliás, também; por isso disse, no começo, que o regime era “estável”, antes de apostar em Omar “Sheikh al-Tortura” Suleiman para conduzir uma “transição ordeira”, até que, quando o colapso já era inevitável, reuniu-se, relutante, à multidão da praça Tahrir.

Para impedir que Washington sequer tente embarcar outra vez do lado certo da história, a Casa de Saud já tinha planos prontos para esmagar os protestos pacíficos no Bahrain, invadindo nação vizinha pela ponte King Fahd Causeway (impressionante, a ponte)

Mais imagens em: King Fahd Causeway 
A invasão só foi possível porque já estava armada a negociata crucial com Washington: nos conseguimos para os EUA o voto da Liga Árabe a favor de uma zona aérea de exclusão na Líbia; vocês deixam o Bahrain por nossa conta (Ver “Líbia: exposta afinal a negociata EUA-sauditas”, 2/4/2011. 

Enquanto Gates e Abdullah discutem minúcias intrincadas da ação do “braço dos EUA” [orig. “US outreach”] (afagar alguns ditadores, liberados para assassinar à vontade) versus  “alteração de regime” (jogar outros ditadores aos cães), o quadro geral mostra que Washington/Casa de Saud estão no comando em todos os fronts, lado errado da história e tudo. 

Agora, quem dita o rumo da “transição” na Líbia são (sutilmente) a Casa de Saud e o Qatar. Essa aliança Qatar-Sauditas é cópia perfeita da aliança Israel-Sauditas. A Casa de Saud também está comandando a transição no Iêmen – agora que o governo de Barack Obama resolveu jogar o presidente Ali Abdullah Saleh aos cães (por ter sido incompetente e não ter matado número suficiente de imenitas e não ter conseguido esmagar aquela revolução pacífica). Saleh já não vale um réis de mel coado como “o nosso slafrário” na guerra dos EUA contra a Al-Qaeda na Península Arábica, AQPA [ing. Al-Qaeda in the Arabic Peninsula (AQAP), quando até a oposição no Iêmen – que não confia nos sauditas – está sendo cooptada pelo corrupto general Ali Mohsen amigo da Al-Qaeda. A CIA, festivamente, recebe apostas para o páreo do qual sairá o sucessor de Saleh. 

Qatar, hoje mais linha-dura que a OTAN, está sendo devidamente recompensada. Um diplomata do Qatar substituirá o oportunista Amr Moussa no cargo de secretário-geral da Liga Árabe (Moussa quer ser promovido a próximo presidente do Egito). E depois? Secretário-geral da OTAN também nativo do Qatar? Ora... Eles tem dinheiro suficiente pra comprar a Copa do Mundo de 2022! 

Gates e Abdullah podem também trocar ideias sobre o espetacular sucesso do AFRICOM do Pentágono, que só começou a agir no final de 2008, mas já protagoniza a sua primeira grande guerra africana. Quem se incomoda por o presidente atual do AFRICOM, general Carter Ham, ter agora de explicar essa guerra às legiões de países-membros da União Africana que jamais quiseram ter o AFRICOM em seus respectivos territórios? Até Gates teve de admitir que a guerra contra a Líbia não era exatamente prioridade estratégica dos EUA. 

Reunião do gabinete da Casa de Saud, segundo o jornal saudita Arab News, “manifestou agrado” por declaração na qual a patética dinastia al-Khalifa do Bahrain agradecia aos sauditas por terem invadido seu país. “A paz e a estabilidade” voltaram ao Bahrain, “resultado da sabedoria de seus líderes no trato das questões nacionais”. Em seguida, todos se puseram a gritar que a culpa seria do Irã. 

É hora de ser inclusivo 

Os al-Khalifas no Bahrain estão conseguindo derrubar o próprio povo. Se pelo menos pudessem lançar 70% da população nas profundas do Golfo Persa, reinariam em paz. Fecharam o único jornal de oposição que havia no país, al-Wasat, e logo depois o reabiram, com novo editor, pró-Khalifa. 

Ativistas de direitos humanos, jornalistas e blogueiros sumiram – ou foram sumidos. Empresários e altos executivos de empresa estão sendo ameaçados por não demitir empregados que façam greves. Virtualmente ninguém mais tuíta ou facebukeia. Famílias xiitas que vivem em bairros mistos abandonam as próprias casas, porque são ameaçadas cada vez que são obrigadas a parar nos pontos de bloqueio e controle. Pelo telefone, as pessoas falam-se por códigos. No que diga respeito ao governo Obama, o Bahrain não existe. 

A decadência do Bahrain, que volta ao século 7º, é lucro para Dubai. Esse ano, Dubai crescerá 4% – beneficiado pelo “tumulto” no mundo árabe. A população dos Emirados Árabes Unidos chegará a 8,26 milhões: não param de chegar trabalhadores estrangeiros, muitos vindo do Bahrain. 

Qatar e Emirados Árabes Unidos são parte da pequena, nada representativa “coalizão de vontades” que armou a tal “zona aérea de exclusão” da OTAN na Líbia. Agora, os britânicos “exigem” que esses dois estados, exemplos de democracia para o mundo, treinem a malta “rebelde” no leste da Líbia, até que consigam anexar e não ser expulsos em seguida de cima de alguns palmos de areia do deserto, antes que se negocie qualquer tipo de cessar-fogo. 

Tradução: bom negócio para as empresas britânicas “de segurança privada”, que se escreve com eme, de “mercenários”, algumas das quais têm experiência na prestação de serviços de “forças especiais”. Os salários serão pagos pelo Qatar, Emirados Árabes Unidos e Jordânia, e o território será infestado por esses “agentes de segurança” sob o comando do Rei Playstation. Prova-se assim mais uma vez que só se joga um jogo na Região, primeiro e único, jamais autorizado pela Resolução n. 1973 do CSONU: “mudança de regime”. 

Ninguém pode prever que ramificações terá o grande levante árabe de 2011 em termos de produção de petróleo, fluxo de migrantes, relacionamento com Israel, fortalecimento da Turquia como modelo político e o futuro da griffe-franquia al-Qaeda. 

No pé em que estão as coisas, a política de segurança nacional de Washington continua a ter cara e clima de sonho orientalista movido a ópio: só se pode lidar com “árabes” se houver, como intermediário, um ditador-tirano local subornável. Rápido, rápido, tragam mais daquele ópio, do bom: os EUA não vivem sem ele! 

Mas, afinal, por que não invadem e anexam logo aquela meia-Líbia inteira? Os EUA fariam bom uso de um 51º estado rico em petróleo. E o pacote de estímulos, então? Os cidadãos apreciariam muito recolher impostos diretos, diretamente do petróleo da Líbia. Basta de intermediários. Quantos, no mundo árabe, não prefeririam obedecer ordens diretas de Obama, em vez de obedecer a esses ridículos, patéticos Abdullahs e al-Khalifas? 

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