sexta-feira, 8 de abril de 2011

Por que não deixam a OTAN bombardear sossegada?!

Pepe Escobar
9/4/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu


Se o ex-supremo do Pentágono Donald (“não sabidos sabidos”[1] Rumsfeld ainda está no ramo, deve andar furioso por não haver alvos bombardeáveis na Líbia – como tampouco havia no Afeganistão em 2001. Em matéria de pântano nos quais os EUA metem-se, a Líbia é pântano maior que o Vietnã, o Iraque e o Afeganistão somados. Mas há alguns “alvos” possíveis em umas poucas cidades ao longo da costa mediterrênea. 

A chuva de Tomahawks que Barack Obama fez chover sobre as forças de Muammar Gaddafi (e uns poucos prédios) já passou. Agora, o negócio foi entregue à OTAN, que deve impor lá a tal “ação militar cinética” (na novilíngua da Casa Branca), para assim fazer acontecer a tal “mudança de regime”. Com precisão à Tag Heuer, o desastre já tem hora marcada. A OTAN adoraria bombardear tudo que aparecesse, ao estilo “choque & pavor” – mas não pode. As forças de Gaddafi são invisíveis até nas telas de computador. 

Ninguém permanece no poder por 40 anos em país em desenvolvimento, sem aprender um ou dos truques militares de muito ilustres antecessores como Mao Tse Tung, chinês, ou Ho Chi Minh, vietnamita, para não falar do que sempre se aprende até de bandidos como Saddam Hussein no Iraque. Aprendida a lição que se aprende quando se deixam os próprios tanques no deserto, parados como pato, para serem bombardeados pela “coalizão de vontades” (uns poucos membros da OTAN, mais o Qatar), Gaddafi agora faz guerra leve, no melhor estilo guerrilheiro, contra os “rebeldes”. 

A resposta da OTAN tem sido mais previsível que as falas nas reuniões plurilíngues que acontecem em Bruxelas: acusações de que Gaddafi estaria usando escudos humanos e teria “dispersado” os próprios tanques em Misrata, pelas ruas e praças, dentro do perímetro urbano. Tradução: os Tornado/Rafale da OTAN são inúteis; só servem para bombardear colunas de tanque que desfilem ao sol do deserto, lustrosos, brilhando, resplandecentes como em dia de desfile-de-sete-de-setembro. 

Se a OTAN está furiosa, aquela malta de esfarrapados conhecida como “os rebeldes” está ainda muito mais furiosa – acusando a OTAN de não conseguir bombardear nem as cidades, nem os tanques, nem coisa alguma. O que prova que os próprios “rebeldes” – que já praticamente suplicaram que o ocidente assuma o trabalho sujo – tampouco dão alguma importância aos “danos colaterais”, mesmo que o dano colateral seja eles mesmos. Uma coisa é certa: se a OTAN fizer o que os “rebeldes” querem que ela faça, os danos colaterais serão horrendos. E a opinião pública europeia arrancará da tomada o fio que mantém em movimento essa tal de ação para mudar regime.

O circo só faz evidenciar uma vez mais que essa guerra nem guerra é: é só farsa. Franceses e britânicos já se autoconvenceram das próprias mentiras e repetem que o governo de Gaddafi agoniza. Também acreditaram nos próprios boatos segundo os quais esse saco de gatos de desertores do regime de Gaddafi, exilados de várias origens, jihadistas associados à al-Qaeda, empresários oportunistas e jovens sinceramente revolucionários teriam construído entre eles alguma coerência política e militar e – a piada máxima – seriam realmente representativos de toda a Líbia. 

Há algumas semanas, a Religare Capital Markets, em Londres, estimou em 75% a probabilidade de impasse total na Líbia [“guerra empatada”], com o preço do barril de petróleo Brent crude chegando a US$130). Até parece que o neolibertador de árabes Nicolas Sarkozy e consorte, o primeiro-ministro britânico David Cameron, não leem jornais. 

E a única ideia que ocorreu ao grupo não-OTANcêntrico – que veteranos das tropas de forças especiais britânicas treinariam os “rebeldes” e fariam deles máquina de combate ágil, pequena, competente, como se isso pudesse ser feito em dias ou semanas – foi proposta como “condição” para o cessar-fogo. 

A guerra que, de fato, ninguém quer, exceto Sarko e Cameron, está nas telas como refilmagem ridícula de filme dos Três Patetas (aceitam-se indicações para o papel de terceiro pateta). Dá nisso, meter-se em guerra civil africana, quando até os “mocinhos” são mais imundos que as águas do Golfo do México. O condomínio governo Obama/Pentágono já tirou de campo seu equipamento novinho em folha, modelos recém-lançados no mercado. O nome do jogo agora é “estratégias & ilusões da rápida retirada” [orig. mission creep. Sobre a expressão, ver ]. 

Na Sérvia, pelo menos, a OTAN sabia o que estava fazendo. Apoiou um “exército de libertação” (UCK) infestado de assassinos e traficantes, bombardeou empresas estatais (nenhuma empresa privada), usou bombas de fragmentação e de urânio baixo-enriquecido, de modo que, em seguida, as corporações multinacionais puderam assumir os negócios. E o Pentágono logo instalou enorme base militar no local (Camp Bondsteel) para policiar seu protetorado. 

A Resolução n. 1973 da ONU não permite que a OTAN faça tudo isso. Os membros ocidentais dessa “coalizão de vontades”, sobretudo franceses e ingleses, para não falar do Pentágono, rezam para que, no final do túnel, brote petróleo da terra aos borbotões e surja logo, por ali, a primeira base estratégica de AFRICON/OTAN no norte da África. Mas... quem garante? 

A única e última esperança de sanidade nessa loucura é a Turquia. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan propôs versão turca de um mapa do caminho para a paz na Líbia – criando corredores para chegada de ajuda humanitária e passos que levem em direção à democracia. A Turquia está em negociações com os dois lados e – pelo menos abertamente – não fala de “mudança de regime”. O mapa do caminho será discutido por alguns europeus, os EUA, alguns estados clientes do Oriente Médio e alguns poucos corpos internacionais, na próxima 4ª.feira no Qatar – reunião que, como já previmos, tem tudo a ver com orientar uma “transição” na Líbia. 

Esperemos. No pé em que estão as coisas, qualquer mapa do caminho terá de comaçar por conseguir arrancar de lá a OTAN das bombas.

Nota de tradução
[1] Orig. “knows unknows”. É expressão que o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld usou, dia 12/2/2002: “Há sabidos sabidos, coisas que sabemos que sabemos. Também há sabidos não sabidos, coisas das quais sabemos que há detalhes que não sabemos. Mas também há não sabidos não sabidos: as coisas que não sabemos que não sabemos”. Na ocasião, falava sobre a absoluta falta de provas de que houvesse qualquer arma de destruição em massa no Iraque.

Um comentário:

  1. Para o filme dos Tres Patetas, sugiro como o terceiro pateta ao Sr. Berlusconi.

    ResponderExcluir

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.