terça-feira, 10 de maio de 2011

No Bahrain, a monarquia quer derrubar o povo

Pepe Escobar

10/5/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

O dia 14/3/2011 passará à história como o dia infame em que a Casa de Saud iniciou – com total apoio dos EUA – a mais viciosa contrarrevolução para esmagar o capítulo do Golfo da grande revolta árabe de 2011 (ver “Líbia: exposta afinal a negociata EUA-sauditas”, 1/4/2011) 

Naquele dia, tropas sauditas – com uns poucos simbólicos soldados dos Emirados Árabes Unidos (EAU) – invadiram o Bahrain, teoricamente a pedido da dinastia sunita reinante al-Khalifa, para “ajudar” a esmagar os protestos pró-democracia que se espalhavam pelo país. 

Protestos no Bahrain
O que se diz em Riad é que o rei saudita Abdullah não está mandando na (imunda) Casa de Saud. Que a coisa, agora, é operação conduzida essencialmente pelo príncipe Nayef. Esse sinistro Nayef, 77 anos, é meio irmão de Abdullah e é o segundo vice-primeiro-ministro da Arábia Saudita – além de ter sido ministro do Interior por nada menos que 36 anos. O primeiro vice-primeiro-ministro – e herdeiro indicado do trono – é o príncipe coroado Sultan, já octogenário, que foi ministro da Defesa por 48 anos. 

Se Sultan morresse e fosse imediatamente seguido por Abdullah – possibilidade bem real –, Nayef, o inquisidor-em-chefe, com currículo impressionante de quantidade de dissidentes que prendeu e deixou apodrecer nas prisões, de censura à imprensa, de tratar direitos das mulheres e da minoria xiita como se não existissem, subiria ao trono da Arábia Saudita. Isso, para que vejam que a contrarrevolução comandada pela Casa de Saud ainda nem começou. 

Quebre o crânio. Ninguém está olhando 

Enquanto isso, no Bahrain, a agência estatal de notícias BNA anunciou que “O estado de segurança nacional foi levantado em todo o reino do Bahrain a partir de 1/6/2011”. É decreto assinado pelo rei Hamad al-Khalifa o qual, como se vê, e mesmo que ele não reconheça, é admirador do conhecido autor inglês George Orwell, dado que chama “estado de emergência” de “estado de segurança nacional”. 

“Segurança nacional”, nesse caso, inclui o estado reduzir a escombros – com plena colaboração dos sauditas – mais de 20 mesquitas xiitas; demolir casas; demolir a rotatória da Pérola, símbolo dos protestos de massa; e espancar e enjaular centenas de manifestantes. O melhor amigo de Nayef  da Casa de Saud em Manama deve ser o primeiro-ministro do Bahrain, Sheikh Khalifa ibn Salman al-Khalifa, 75 anos, que desempenha suas funções amigáveis por nada menos que 40 anos – recorde mundial. 

Na prática, o que está acontecendo no Bahrain é uma monarquia lutando para ver-se livre do seu povo. A tática saiu diretamente do livros dos castigos – o mesmo que os EUA aplicaram em Fallujah em 2004, e os israelenses aplicam em Gaza nas últimas décadas. A oposição aos al-Khalifas é maioria absoluta da população do Bahrain e não é formada só de xiitas, como o governo insiste em repetir e repetir e repetir. 

Nada menos que 24 médicos e 23 enfermeiras bahrainis serão julgados em processo militar – acusados de conspirar para derrubar o regime pela força, porque deram atendimento médico e primeiros socorros a manifestantes violentamente espancados pela polícia e pelo exército. Segundo os Médicos pelos Direitos Humanos, esses médicos e enfermeiras estão presos e são considerados subversivos exclusivamente porque eles têm provas de que policiais e soldados atacaram bestialmente os manifestantes. 

O estrondoso silêncio da mídia-empresa ocidental só faz mostrar a extensão da cumplicidade que liga Washington/capitais europeias ao serviço sujo da Casa de Saud/al-Khalifa. Imaginem se o governo sírio estivesse fazendo o que fazem a Casa de Saud e al-Khalifa! Já teria aparecido uma autorização da ONU, liberando “a mudança de regime” no Bahrain, mas rápida que um cafezinho Nespresso. 

A ONG Human Rights Watch (HRW) teve pelo menos a decência de emitir relatório. O diretor encarregado do Oriente Médio Joe Stork, muito excessivamente diplomático, só fez repetir o óbvio: “o objetivo desse ataque repressivo de força total parece ser intimidar todos, até o completo silêncio”. 

Tragam o gás lacrimogêneo 

No domingo, 1º de maio, dia em que Osama bin Laden estava nas manchetes, Ebrahim Ali Matar – um dos 18 membros do Partido al-Wefaq que renunciou ao Parlamento, em sinal de protesto – foi sequestrado por homens mascarados, depois de atraído para uma emboscada; mais tarde, um porta-voz do governo disse que “foi chamado para investigação”. O mesmo aconteceu, no mesmo dia, a outro ex-deputado do mesmo partido, Jawad Fairuz, cuja casa foi cercada por 30 homens mascarados e invadida. 

21 outros membros da oposição também estão presos à disposição de “tribunais especiais” (promotores militares, na acusação; e um juiz militar e dois civis no corpo de sentença), entre os quais o dissidente xiita Hassan Mushaimaa, líder do grupo Haq de oposição, que conclamou o povo a derrubar a monarquia; e Ebrahim Shareef, o líder sunita do grupo secular Waad que fazia campanha por uma monarquia constitucional no Bahrain. 

A acusação: “tentativa de derrubar o governo pela força e ligação com organização terrorista que trabalha para país estrangeiro” – quer dizer, o Irã. Muitos outros estão sendo julgados in absentia. Ativistas de direitos humanos têm repetido que há alta probabilidade de todos os acusados serem condenados à morte. 

Depois, há o novo esporte da Casa de Saud/al-Khalifa, de “detonar a mesquita”. Pelo menos 27 mesquitas e inúmeros, muitos, prédios religiosos foram destruídos – inclusive a antiga mesquita Amir Mohammed Braighi, de 400 anos. O ministro da Justiça e Questões Islâmicas Sheikh Khalid bin Ali bin Abdulla al-Khalifa declarou que “Não são mesquitas. São prédios ilegais”. 

E a cereja do bolo do governo al-Khalifa, depois de ter virtualmente destruído todo o sistema de assistência à saúde (organizado e operado essencialmente por xiitas): demitiu mais de mil funcionários públicos xiitas e cancelou suas aposentadorias e pensões; meteu na cadeia legiões de estudantes e professores que participaram dos protestos de rua; espancou e prendeu jornalistas; e fechou o único jornal de oposição ainda sobrevivente. 

Como parte da negociata entre EUA e sauditas, o Bahrain – e por extensão a Casa de Saud – pode fazer o que bem entenda, como bem entenda e só ouvirá elogios: tudo para agradecer aos al-Khalifas, por manterem hospedada a 5ª Frota da Marinha dos EUA. Nenhuma sanção da ONU, nem um tapinha na mão; nada de zona aérea ou de zona terrestre de exclusão aprovada por resolução da ONU; nem pensar em armar “rebeldes”; nada de bombardeio pela OTAN; nada de ardente desejo de mudar regimes, como na Líbia; nada de diplomacia de Tomahawks. E nada, é claro, de “assassinatos seletivos”. 

Pelo menos por enquanto, os consideráveis investimentos de EUA e Grã-Bretanha no Bahrain estão “protegidos”. Do ponto de vista dos mercadores britânicos da morte, que fornecem granadas de mão, cargas de demolição, bombas de fumaça e cassetetes elétricos para a máquina de repressão de al-Khalifa, os negócios só podem prosperar.

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