terça-feira, 12 de julho de 2011

Pepe Escobar: Paquistão-EUA: Quem piscará primeiro?

13/7/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


“EUA suspendem ajuda ao Paquistão (excerto)
“A secretária de estado Hillary Clinton subiu o tom da decisão de Washington de suspender a assistência militar (800 milhões de dólares) ao Paquistão – reação dos EUA à nenhuma importância que o Paquistão deu à decisão norte-americana. É jogo de queda de braço. O Paquistão não pode voltar atrás nas decisões de ordenar a retirada dos soldados norte-americanos; de pôr fim às operações clandestinas das equipes norte-americanas de segurança no país; e de condicionar toda cooperação futura a novo quadro de relações. Até aqui, as tentativas dos americanos de desestabilizar o Paquistão só conseguiram que o Paquistão endurecesse cada vez mais. Quem piscará primeiro? Minha opinião é que os EUA têm de piscar logo. E piscarão.”
(12/7/2011, MK Bhadrakumar, em: US climbs down on aid to Pakistan)

Antes do final de 2011, o Paquistão iniciará a construção de seu trecho do óleo-gasoduto IP (Irã-Paquistão) – segundo Asim Hussain, ministro paquistanês para o Petróleo e Recursos Naturais. Os 1.092 quilômetros do óleo-gasoduto do lado iraniano já estão prontos.

O óleo-gasoduto Irã-Paquistão (IP), também chamado “óleo-gasoduto da paz”, nasceu como IPI (Irã-Paquistão-Índia). Mas, por mais que careça de gás para expandir sua economia, submetida a pressões imensas pelo governo George W Bush – e depois, pelo governo Barack Obama – a Índia ainda não se decidiu a participar do projeto, nem depois de ter havido um acordo quase miraculoso para a construção, em 2008.

Em 2014, mais de 740 milhões de pés cúbicos de gás/ano começarão a fluir para o Paquistão, extraídos do gigantesco campo iraniano de Pars Sul, Golfo Persa. É desenvolvimento importantíssimo nas “guerras” do Oleodutostão na Eurásia. 

O óleo-gasoduto Irã-Paquistão (IP) é uma das principais intersecções da grande Grade Asiática de Segurança Energética [ing. Asian Energy Security Grid] – para a progressiva integração de energia da Ásia (Sudoeste, Sul, Central e Oriental) que é palavra-de-ordem para euroasiáticos tão diversos quanto Irã, China e os “- stões” da Ásia Central.

O Paquistão é consumidor desesperadamente carente da energia dessa Grade. Passar a ser país pelo qual a energia transita é a chance da vida, para o Paquistão, que pode converter-se, de estado quase-falido, em “corredor de energia” rumo à Ásia e, por que não, também rumo aos mercados globais.

E, dado que oleodutos e gasodutos funcionam como cordões umbilicais, o xis da questão é que o óleo-gasoduto IP, talvez IPI no futuro, fará mais que qualquer modalidade de “ajuda” (ou ostensiva intromissão) dos EUA, para estabilizar a metade paquistanesa do teatro Af-Pak de operações de Obama. E talvez seja também alívio para a obsessão contra a Índia.

Outro “eixo do mal”? 

Esse desenvolvimento no Óleo-gasodutostão ajuda a entender por que a Casa Branca, domingo passado, anunciou o adiamento da ajuda militar de 800 milhões de dólares a Islamabad; é mais de um terço de tudo que o Paquistão recebe anualmente dos EUA.

A indústria “midiática” de detonação do Paquistão em Washington talvez tente implantar a ideia de que seria “castigo” ao Paquistão, na saga infindável de Osama bin Laden ter permanecido escondido tão próximo de Rawalpindi / Islamabad. Mas a medida parece, mais, gesto de desespero – além de que não contribuir para convencer o exército paquistanês a acompanhar sem criticar a agenda de Washington.

Na 2ª-feira, o Departamento de Estado repetiu que Washington espera que Islamabad faça mais em matéria de contraterrorismo e contraguerrilha – se não, não receberá a “ajuda”. E houve mais um show do duplifalar diplomático de sempre, sobre “relacionamento construtivo, colaborativo e benéfico para ambos”. Mas nada disso consegue ocultar a desconfiança crescente dos dois lados. Em nota, os militares paquistaneses disseram que não haviam sido avisados da “suspensão”.

Nada menos que $300 milhões, dos 800 milhões bloqueados, são destinados aos “instrutores norte-americanos” – quer dizer, é dinheiro a ser pago à brigada de contraguerrilha do Pentágono. Além disso, Islamabad já solicitara a Washington que não voltasse a mandar os tais “instrutores” para o Paquistão; os métodos ensinados por eles são inúteis na luta contra o Talibã Paquistanês e os Jihadis ligados à al-Qaeda que têm bases nas áreas tribais. E afinal, em matéria de método para matar em território paquistanês, os EUA preferem, mesmo, os aviões-robôs-drones.

A muralha de desconfiança parece já atingir proporções de Himalaya / Karakoram / Pamir. Washington só sabe avaliar o Paquistão em termos de contraterrorismo na “guerra ao terror”. Desde que o governo Obama criou o compacto Af-Pak, é evidente que a principal guerra de Washington está sendo guerreada no Paquistão, não no Afeganistão, onde vivem apenas um punhado de Jihadis da al-Qaeda.

Todos os “alvos de alto valor” dentre os cabeças da al-Qaeda vivem em áreas tribais no Paquistão – e (estranha semelhança com os norte-americanos) são, praticamente todos, instrutores militares. Quanto ao Afeganistão trata-se, sobretudo de guerra neocolonial da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contra um movimento de “libertação nacional” de uma maioria pashtun – nos termos em que o líder Talibã Mulá Omar definiu-a.

Saleem Shahzad – editor de Asia Times Online no Paquistão, assassinado em maio passado – escreveu em seu livro recém-publicado Inside al-Qaeda and the Taliban (resenha na próxima semana) que o passe de mestre da al-Qaeda nos últimos anos foi o grupo ter-se realocado nas áreas tribais, ter fortalecido os Talibãs paquistaneses (Tehrik-e-Taliban Pakistan) e, em resumo, ter coordenado massiva guerra de guerrilha pashtun contra o exército do Paquistão e os norte-americanos – como tática diversionista. A agenda da Al-Qaeda – exportar sua ideologia de califato para outras partes da Ásia do Sul e Central – nada tem a ver com os Talibã afegãos comandados por Mulá Omar (que luta para voltar ao poder no Afeganistão).

Por seu lado, Washington deseja um Afeganistão “estável” governado por fantoche conveniente à moda de Hamid Karzai – para que os EUA alcancem afinal o seu Santo Graal (desde meados dos anos 1990s): a construção do óleo-gasoduto rival do IP, o óleo-gasoduto TAPI (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia)... que não percorre território iraniano “do mal”.

No que diga respeito ao Paquistão, Washington só quer que o Paquistão esmague a guerrilha pashtun que opera em seu território: ou o Paquistão obedece, ou as suas área tribais continuarão sob fogo dos aviões-robôs-drones até o Juízo Final – literalmente, sem nenhuma atenção a fronteiras, territórios ou soberania.

Não surpreende que a muralha da desconfiança só faça aumentar, porque a agenda de Islamabad não prevê qualquer mudança de prioridades. A política paquistanesa para o Afeganistão define o Afeganistão como estado vassalo – com exército fraquíssimo (que os EUA chamam de Força Nacional Afegã) e, sobretudo, sempre instável, incapaz, portanto, de enfrentar o maior de todos os problemas: os pashtuns no Pashtunistão.

Para Islamabad, o nacionalismo pashtun é ameaça existencial. O exército paquistanês até pode combater as guerrilhas pashtuns do Tehrik-e-Taliban, mas terá de agir com extremo cuidado. Pode acontecer de os pashtuns dos dois lados da fronteira unirem-se em massa e decidirem desestabilizar, de verdade, o governo de Islamabad.

Por outro lado, o que Islamabad deseja para o Afeganistão é que os Talibã voltem ao poder – como nos bons velhos tempos de 1996-2001. É exatamente o contrário do que Washington deseja: ocupação de longo prazo (melhor se a OTAN ocupar), de modo que a “aliança” lá esteja para proteger o óleo-gasoduto TAPI (se chegar a ser construído). 

Acima de tudo, nos termos da “Doutrina do Espectro de Dominação Total” [ing. full-spectrum dominance doctrine] do Pentágono, é absolutamente impensável para Washington “perder” o Afeganistão e a rede chave de bases militares próximas, ao mesmo tempo, da China e da Rússia.

O que agora se vê é uma complexa guerra de posicionamento. A política paquistanesa para o Afeganistão – que implica conter também a influência da Índia no Afeganistão – não mudará. Os Talibã Afegãos continuarão a ser encorajados pelos EUA como potenciais aliados de longo prazo – em nome da inalterável doutrina da “profundidade estratégica”; e a Índia continuará a ser vista como principal prioridade estratégica.

O óleo-gasoduto Irã-Paquistão fortalecerá ainda mais Islamabad – com o Paquistão convertido, afinal, em corredor de trânsito para o gás iraniano, podendo usar o gás também para suas necessidades. Se a Índia não quiser integrar-se e desistir do IPI, a China está na fila, pronta para entrar no mesmo negócio – e construir uma extensão a partir do IP, paralela à estrada Karakoram, rumo a Xinjiang.

De um modo ou de outro, o Paquistão vence – sobretudo com os crescentes investimentos chineses. Ou, mesmo, com “ajuda” militar chinesa. Eis porque o “castigo” que Hillary ameaça aplicar, suspendendo a “ajuda” militar norte-americana, dificilmente provocará graves preocupações em Islamabad.

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