terça-feira, 15 de novembro de 2011

Egito: a campanha eleitoral (2/2)


10/11/2011, Nate Wright, Middle East Research and Information Project, MERIP
Leia a 1ª.  Parte do artigo em: Egito: a campanha eleitoral (1/2)

O colapso das alianças

Tudo veio abaixo nas primeiras semanas de outubro. O Partido Al-Wafd anunciou que estava deixando a Aliança Democrática, mas logo depois se desmentiu. Na sede do partido, numa velha mansão no bairro luxuoso, mas que já conheceu melhores dias, de Duqqi, no Cairo, uma reunião entre membros da aliança, organizada para exibir uma frente de partidos unidos, descambou para a pancadaria. Os jornalistas foram expulsos da sala. Nos dias seguintes, ficou claro que o Partido Al-Wafd concorreria em estrada própria às eleições parlamentares. Foi a primeira fenda que se abriu na paisagem eleitoral que, em seguida, seria reduzida a cacos.

No complicado processo eleitoral criado pelas regras do Exército egípcio, os eleitores escolherão entre várias listas de candidatos a dois terços dos assentos parlamentares correspondentes a cada distrito. Depois, escolherão numa longa lista de candidatos que competem, como candidatos independentes, aos assentos parlamentares restantes. Esse sistema implica que partidos que se unam em coalizões eleitorais são forçados a estabelecer uma única lista eleitoral para cada distrito eleitoral. Se a lista receber número suficiente de votos para dois candidatos naquele distrito, os dois primeiros nomes da lista recebem um assento cada um, no Parlamento. Quando os grupos afinal entenderam que os blocos teriam de negociar para definir quais os primeiros nomes a aparecer em primeiro lugar em cada distrito, as alianças eleitorais desmoronaram. O Partido Liberdade e Justiça foi acusado de monopolizar as listas com seus próprios candidatos, rompendo compromisso antes assumido de que os irmãos da Fraternidade Muçulmana só concorreriam a 30% dos lugares no Parlamento. Al-Baltagi disse que os nomes apresentados por outros partidos não faziam qualquer diferença. “Não foram aceitos porque não cumpriram as exigências mínimas”, disse ele. Gamila Isma’il, destacada ativista, abandonou a aliança, ao descobrir que apareceria em terceiro lugar na lista de seu distrito eleitoral.

O Bloco Egípcio, que reunira sob suas asas vários partidos jovens, liberais, de esquerda e marxistas, também teve problemas. Quando os líderes partidários reuniram-se, dez dias antes de esgotar-se o prazo para registro de candidaturas, o Partido Egípcios Livres apresentou candidatos do ex NDP. Outros partidos protestaram, mas os Egípcios Livres defenderam suas escolher, sob o argumento de que aqueles candidatos eram nomes respeitados e populares em suas áreas. Não havia muitos nomes de ex-membros do NDP na lista, mas Marwa Farouq, membro da secretaria-geral da Aliança Popular Socialista Egípcia, formada de jovens que deixaram o Partido Tagammu’, disse que se tratava de uma questão de princípios. “Dissemos a eles ‘Vocês estão apostando em carta perdida, porque ex-membro do NDP, ao chegar ao Parlamento, só pensará em seus próprios interesses” – contou ela. “‘Ele não acredita no partido.’” Vários partidos deixaram o Bloco Egípcio, e criaram o grupo A Revolução Continua, reunião de vários partidos jovens e ativistas independentes, inclusive os que foram expulsos da Fraternidade Muçulmana, que focaram as atenções em aliviar a mão de ferro dos militares sobre o país.

Os Egípcios Livres não são o único partido mediante o qual ex-membros do regime de Mubarak, estimados por alguns em mais de 3 milhões, tentam infiltrar-se de volta na vida política do país. Membros do Partido Al-Wafd na Península do Sinai separaram-se publicamente do partido quando encontraram remanescentes do antigo regime incluídos na lista de candidatos do Partido Al-Wafd em suas respectivas áreas. O Partido da Social-Democracia Egípcia permitiu que ex-membros do NDP se unissem aos social-democratas, com a aprovação de líderes partidários locais. 

“Não havia vida política no Egito. Por isso, quem quisesse participar tinha de alistar-se no NDP” – disse Basim Kamil, candidato do partido. “Não se pode dizer que 3 milhões de egípcios são bandidos”. Foi questão muito discutida no Egito, quando das tentativas para aprovar lei que baniria todos os membros do antigo regime da vida política nacional, até que a lei foi rejeitada[1]. O sistema de apadrinhamento do sistema do NDP incluiu membros conhecidos de grandes famílias, sobretudo no Alto Egito, e muitos partidos, desesperadamente necessitados de melhorar o próprio perfil eleitoral fora do Cairo, parecem estar recheando suas listas eleitorais com qualquer nome que apareça. “Todos esses partidos estão à caça de candidatos” – disse Magid Sorour, cuja organização, One World Foundation, monitora o processo das eleições. “Descobrimos que muitos candidatos de vários partidos da oposição são ex-membros do NDP”.

O futuro parlamento egípcio mostrará, provavelmente, alguns rostos bem conhecidos. Membros do NDP estão emergindo em vários novos partidos, inclusive no Partido da Unidade, fundado pelo ex secretário-geral do NDP, Husam Badrawi, que diz que lançará 100 candidatos. Mais de 6.000 pessoas registraram-se para concorrer a 1/3 dos assentos no Parlamento reservados aos candidatos independentes. Relatos sugerem que muitos deles vêm do partido governante no governo de Mubarak. Se se saírem bem nas urnas, um contingente de ex-membros do NDP acrescentará mais uma camada de incerteza a um parlamento fraco, já fracionado em muitos pequenos partidos. O partido governante sob Mubarak jamais mostrou qualquer consistência ideológica e o que pensem os seus membros continua a ser perfeito mistério. Pode acontecer de assumirem firme posição a favor de reformas, como tentativa de satisfazer os novos eleitores. Mas também há quem tema que ex-membros do NDP, habituados a um sistema de apadrinhamento e favor, simplesmente ponham seus votos em leilão, para servir a quem pague mais. Atores ativos por trás do palco poderão então exercer influência completamente alheia ao projeto dos eleitores, o que desestabilizará ainda mais qualquer consenso sobre questões cruciais das reformas. A questão mais importante que o país enfrentará será o papel a ser especificado na nova constituição para os sempre poderosos generais egípcios.

Os generais no poder 

O Egito sempre foi governado por oficial militar desde que os Oficiais Livres tomaram o poder em 1952. Ao ritmo em que diminuía a capacidade de combate do exército egípcio, a instituição assumiu vasto portfólio de interesses econômicos, produzindo de tudo, de macarrão a hotéis de luxo. O exército foi parte integral do regime de Mubarak, mas os egípcios tendem a separar o exército, da brutal força policial e do partido governante corrupto. Quando soldados em veículos blindados entraram nas ruas, dia 28 de janeiro, depois de batalha sangrenta entre manifestantes e a polícia, foram saudados como heróis. Não atiraram contra os manifestantes e, nos dias mais negros de caos e violência no Cairo, agiram como pequenos oásis de estabilidade. (...)[2]

O controle do país passou para um Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF), grupo de altos generais que buscaram alavancar a própria popularidade, para proteger a própria autonomia em qualquer futuro governo. Alguns deles definiram a revolução egípcia como golpe de estado, movimento esperto, para que os militares pudessem usar os protestos revolucionários como cobertura para o expurgo dos principais apoiadores de Mubarak, muitos dos quais viveram em confronto permanente com os líderes militares e, na prática, governavam o país como bem entendiam. Mas tudo leva a crer que, quando os militares posicionaram-se contra Mubarak, ele mesmo ex-piloto da Força Aérea egípcia, pensavam só em obter prerrogativas paroquiais: preservar a própria infraestrutura econômica, assegurar a continuidade do apoio financeiro que recebem dos EUA e manter o controle da política exterior do país.

No poder, o Conselho Superior das Forças Armadas tratou de impor leis de emergência para fazer prisões em massa – mais de 12 mil, desde fevereiro – e incitar a hostilidade popular contra dissidentes que criticassem suas decisões. Dia 23 de julho, um membro do Conselho Superior das Forças Armadas acusou pela televisão o Movimento 6 de Abril, cujos protestos ininterruptos haviam-se tornado espinho na pele do Conselho, de tentar instigar a população contra o exército. Declaração distribuída depois pelo Conselho, acusava o Movimento 6 de Abril de servir a “agendas estrangeiras”. 

A batalha entre os generais e os ativistas que continuavam a insistir em transição rápida para governo civil, dividiu o país. Muitos começaram a sentir que os protestos estavam causando dificuldades para a vida de muitos, por causas insignificantes. Os que eram alvos dos ataques dos militares interpretaram a relutância de algumas forças políticas, que demoravam a se manifestar, como prova de que já teriam firmado um pacto com os militares, para promover a contrarrevolução. A disputa, daí em diante, deteriorou cada vez mais depressa. Os manifestantes, na maioria liberais e seculares, foram apresentados como hostis à democracia, porque levavam suas reivindicações para a rua. E os islamistas foram apresentados como hostis à democracia porque não o faziam.

Nos últimos dias de junho, em cerimônia que homenagearia a memória das vítimas dos protestos revolucionários de fevereiro, realizada no Balloon Theater, no bairro de Agouza, no Cairo, eclodiu um confronto entre as forças de segurança e familiares dos mortos, presentes à cerimônia. A batalha rapidamente espalhou-se, chegou à Praça Tahrir e, pela manhã, havia pelo menos 1.140 feridos. Em seguida, dia 8 de julho, milhares de pessoas acorreram ao que seriam os maiores protestos acontecidos na Praça Tahrir desde a deposição de Mubarak. Políticos e ativistas puseram de lado as disputas sobre a futura constituição do país e, pela primeira vez, egípcios de todo o espectro político manifestaram claro desagrado sobre questões que, todas elas, estavam sob o comando do Conselho Superior das Forças Armadas: a libertação de policiais acusados de assassinar manifestantes; a lentidão da reformas nas leis de segurança; o julgamento cada vez mais frequente de ativistas presos nas manifestações de rua, por tribunais militares; e a violência crescente nos confrontos entre manifestantes e a polícia antitumultos. Familiares dos mortos durante a revolução e um pequeno contingente de ativistas iniciaram um sit-in na praça, que provocou engarrafamento monstro e praticamente paralisou o Cairo.

Os generais responderam com várias concessões. Em uma semana, o ministro do Interior Mansour Al-’Isawi assinou a demissão de mais de 600 policiais, acusados de abusos durante os protestos. O ex-ministro do Interior do governo Mubarak, Habib Al-’Adli, foi condenado por desvio de fundos públicos – tentativa de conter a crescente irritação popular contra a lentidão dos processos criminais contra membros do antigo regime. O ministro das Finanças assinou aumento de mais de 50% no salário dos funcionários públicos. Duas semanas depois, ante relatos de que os militares estavam impedindo qualquer mudança no gabinete do primeiro-ministro Isam Sharaf, foram nomeados novos ministros.

Observadores próximos não demoraram a ver que as concessões não eram exatamente o que pareciam ser. Membros chaves do antigo gabinete, como os ministros do Interior e da Justiça sobreviveram à “reforma” e permaneceram em seus cargos. A lei de emergência, fonte de legitimidade para as táticas violentas dos militares, foi mantida inalterada. Só 37 dos policiais demitidos eram de fato acusados de atirar contra manifestantes. Magda Butrus, pesquisadora do Instituto Egyptian Initiative for Personal Rights, listou cerca de 200 policiais militares ativos contra os manifestantes. “O ministro está vendendo as demissões como grande mudança no ministério do Interior, mas aquelas dispensas foram pura rotina e acontecem anualmente” – disse ela, pouco depois do anúncio oficial. “Alguns oficiais pedem aposentadoria, outros são promovidos e alguns são apenas transferidos de posto.” 

Ao mesmo tempo, o Conselho Superior das Forças Armadas prosseguia na campanha para denegrir a imagem dos manifestantes. Em fala transmitida por televisão dia 12 de julho, o porta-voz do Conselho, general Muhsin Al-Fangari, conclamou os egípcios a resistir contra “tentativas de impedir a restauração da normalidade no país”, referência mal ocultada aos manifestantes que fecharam a praça Tahrir. A fala enfureceu os ativistas. O Twitter encheu-se de críticas ao tom hostil da fala do porta-voz do Conselho. Mas a mensagem do Conselho Superior das Forças Armadas encontrou eco entre muitos egípcios. A manifestação que bloqueava a Praça Tahrir já durara três semanas. Os números caíam, e os manifestantes afastavam-se das questões consensuais para todos. Fecharam, por alguns dias, o acesso a um importante prédio da administração pública, próximo da Praça Tahrir, o que impediu que centenas de egípcios pudessem renovar as licenças para dirigir. Moradores da região davam sinais de cansaço com a persistente interrupção da rotina da vida.

Dia 1º de agosto, primeiro dia do Ramadã, centenas de militares e policiais surgiram sobre a Praça Tahrir vindos de todos os lados. Os manifestantes, que se protegiam sob as tendas improvisadas, no opressivo calor da tarde, fugiram. Vários foram espancados, feridos e presos. As tendas foram destruídas. Jornalistas foram presos e aconselhados a nada filmar. A mídia internacional protestou, mas os donos de lojas na região aplaudiram as forças de segurança, depois de semanas de poucos negócios. A polícia ocupou a praça e o trânsito foi liberado. Os protestos de indignação duraram pouco e, embora aquela não viesse a ser a última manifestação de massa na Praça Tahrir, o ímpeto dos ativistas foi contido.

O Conselho Superior das Forças Armadas prosseguiu, sempre entre provocar e conciliar. Prendiam manifestantes por comentários contra os militares; em seguida, se as críticas aumentavam de tom, os manifestantes eram libertados. Prometeram cancelar as leis de emergência e suspender os julgamentos em tribunais militares, mas jamais cumpriram qualquer dessas promessas.

Outro ponto de virada ocorreu dia 9/10: quando os canais de televisão mostraram imagens de soldados em veículos blindados atacando manifestantes coptas à frente do prédio da televisão estatal, o povo ficou chocado. Os militares perderam imediatamente o brilho e qualquer tipo de apoio com que ainda pudessem contar entre a minoria copta, ainda mais quando os militares tentaram responsabilizar os coptas pelos ataques. A imprensa oficial noticiou que os manifestantes teriam atirado contra soldados egípcios, e que teriam matado dois soldados. O Comando Superior das Forças Armadas declarou que os cadáveres teriam sido sepultados em local secreto e não divulgou os nomes dos soldados mortos.

Tudo acontecia como se os militares estivessem outra vez usando os velhos truques do regime de Mubarak, criando crises para fugir das críticas que recebiam e culpando as minorias pelos problemas. Falaram também de “mãos estrangeiras”. Quando o clamor popular tornou-se forte demais para ser contido com artimanhas, os militares fizeram algumas concessões, todas elas, de fato, impostas sem qualquer discussão pública. O exército recusou-se a ceder o controle sobre o ritmo da transição e sobre os termos dos acordos firmados com as forças políticas. Quando o chefe do Conselho Superior das Forças Armadas, marechal de campo Muhammad Husayn Tantawi, apareceu numa manifestação de rua no Cairo, em trajes civis, dia 26/9, muitos temeram que estivesse começando a preparar terreno para lançar-se candidato à presidência. Logo surgiram cartazes no Cairo e em Alexandria, de propaganda de Tantawi. O Conselho Superior das Forças Armadas negou qualquer envolvimento na “campanha”.

A atitude dos próprios generais, o autoritarismo nas decisões e o modo como abordaram o período de transição, acabou por fazer com que até seus aliados políticos se voltassem contra eles. Em outubro, o segundo homem na hierarquia da Fraternidade Muçulmana, Khayrat Al-Shatir, disse à rede Al-Jazeera que convocaria o povo de volta às ruas, se os militares não deixassem o poder no prazo definido. “O povo não suportará mais tirania” – disse ele. Palavras muito fortes, da FM a qual, apenas três meses antes, declarara confiar nos militares. Em julho, Al-Baltagi dissera que “Na nossa opinião, o exército crê na revolução”.

A divisão surgiu quando os militares prometeram apresentar documento sobre os princípios constitucionais, antes das eleições parlamentares. Os liberais desejavam receber garantias de que uma nova constituição preservaria a liberdade de expressão e de religião. Os islamistas também pressionaram para que esse documento aparecesse, na expectativa de usar sua forte presença parlamentar para influir na redação de uma constituição, que deverá especificar a relação entre o Islã e o Estado. Quando, dia 1º de novembro, o vice-primeiro-ministro Ali Al-Salmi apresentou o tal documento aos partidos políticos, a Fraternidade Muçulmana e os líderes salafistas recusaram-se a participar do encontro. Outros, entre os quais Ahmad Shukri, líder do partido Al-Adl e Hafiz Abu Sa’da, ativista de direitos humanos, retiraram-se do encontro. 

Pelo documento apresentado, o orçamento militar ficava fora da alçada de fiscalização pelo Parlamento; e os militares ganhavam novo papel: passavam a poder nomear a comissão que redigiria o primeiro esboço da Constituição e uma nova comissão constitucional, no caso de a primeira comissão nomeada não apresentar projeto de constituição no prazo de seis meses. Foi como uma declaração de independência dos militares. “Esse documento torna o Parlamento perfeitamente inútil” – disse Abu Sa’da, ao jornal independente Al Masry Al Youm. Mohamed ElBaradei, prêmio Nobel e ex-funcionário da OTAN, candidato potencial à presidência do Egito, postou a seguinte mensagem pelo Twitter: “As forças armadas não são nação acima da nação.” 

Às urnas

Dia 28/11/2011, os egípcios irão às urnas, num extraordinário ato de fé. Padeceram durante nove meses, conjecturando sobre detalhes de um futuro democrático que, afinal, pode ainda não estar à vista e talvez nunca chegue. O Partido Al-’Adl, ainda que seus candidatos obtenham sucesso estrondoso, será, no máximo, poder minoritário num Parlamento fragmentado que ainda terá de superar suas diferenças, se quiser confrontar os militares e mandá-los andar no rumo da caserna. O novo parlamento eleito terá de convencer o povo de que o Parlamento é mais capaz de governar que os militares – e governar um país no qual a força policial está em colapso, a economia estagnou, e aumentam as demandas de uma população habituada a subsídios, único mecanismo que, fosse como fosse, impedia que os mais pobres morressem de fome. Se o novo parlamento não conseguir essa proeza, os militares se transformarão, de guardiães temporários do Egito, em poder competente para vetar quaisquer decisões dos corpos políticos.

O repentino colapso das alianças eleitorais significa que o Partido Al-Adl está hoje menos vulnerável a ser afogado por coalizões políticas amplas e estáveis. Têm melhores chances de conquistar maior número de assentos no Parlamento, que qualquer outro dos partidos jovens, mas não se iludem. “O que é bom para nós pode não bastar para outros” – disse Sulayman. – “Um bom número de assentos basta apenas para nos dar uma voz.” Mas sua plataforma tecnocrática anti-ideológica permanece sem ter sido testada, e a visão do partido, de um parlamento de traça as linhas da política nacional e fiscaliza o poder executivo pode não ser entendida por muitos egípcios. 

No café Nasif, em Darb al-Ahmar, um morador do bairro queria um representante local forte, que arrancasse favores do governo central para o próprio bairro. Outro morador disse que os representantes dos partidos não se deveriam ocupar com detalhes do governo. “O Parlamento tem de escrever uma nova Constituição”, disse lá. “Esse é o trabalho do Parlamento.” 

O maior desafio que o Partido Al-Adl enfrentará será abrir espaço para si mesmo, na cabeça do eleitor. Sem visão clara do que os egípcios desejam, todos os partidos gravitaram rumo ao centro. Até o Partido Egípcios Livres, de empresários e a favor dos negócios, já começa a tirar do bolso credenciais de defensores da justiça social: falam de “uma economia de livre mercado”, que seja “responsável por todas as classes sociais”. Quando se despem de suas cores políticas, todos os partidos mostram a mesma cara, e é difícil saber que promessas são reais e que promessas serão esquecidas para sempre imediatamente depois das eleições. A determinação do Partido Al-Adl, que não quer misturar-se nas escaramuças entre os liberais e os islamistas tem mantido o Partido fora da cobertura frenética da mídia, mediante a qual a maioria dos partidos vai conseguindo estabelecer diferentes identidades. 

Semanas antes das eleições, os egípcios ainda não sabem o quê é o Partido Al-Adl e o que representa, problema também enfrentado por muitos dos partidos jovens, que não falam a língua nem usam as expressões do discurso político egípcio tradicional. “[Os partidos dos jovens] estão em situação ainda mais precária que outros, porque não manifestam nenhuma das ideias já profundamente enraizadas na sociedade” – disse Walid Kazziha, professor de Ciência Política na Universidade Americana no Cairo. “Mesmo assim, só eles manifestam uma tendência muito geral na sociedade egípcia, que é democrática, progressista e contrária a qualquer tipo de autoritarismo.” 

Se e quando as novas gerações de egípcios, hoje, tomarem assento no Parlamento, afinal estarão ante o problema central de sua revolução: as multidões nas praças públicas de todo o Egito levaram a nação a um momento de crise radical, mas, depois, confiaram nos generais para despachar Mubarak. O exército egípcio tomará o rumo da caserna? “Se, dia 25 de janeiro, alguém tivesse pensado sobre o que provavelmente aconteceria, a revolução não teria acontecido” – disse Saqr. Naquele 25 de janeiro, ele chegou de Dubai, exclusivamente para participar da manifestação. Foi, do aeroporto, diretamente para a Praça Tahrir. “Nunca considero a chance de uma coisa dar certo”. 



Notas dos tradutores

[1] Hoje, 15/11/2011, essa lei foi aprovada. Ver “Membros do partido de Mubarak, já legalmente extinto, podem concorrer às eleições de novembro”.
[2]  Aqui, o texto original diz: “Uma semana depois da queda de Mubarak, os egípcios viram o exército líbio reduzir o próprio povo a pó, como que para lembrar o quanto os militares podem ser violentos contra o próprio povo.” Essa frase é absoluta imbecilidade. Foi deliberadamente omitida da tradução desse artigo, pelos tradutores, para que as boas informações que o artigo contém não tivessem de ser descartadas, por causa de uma intrusão de opinião pirada, de um repórter útil, como relator de fatos, mas perfeitamente inútil como analista. O povo líbio foi trucidado por aviões da OTAN-EUA, não pelo exército líbio, como todo o planeta sabe perfeitamente.

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