segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Carta de um amigo, importante intelectual , professor e jornalista


Comentário da redecastorphoto:
É claro que você tem razão em muitos pontos. Mas o que adianta lamentar? O importante é tentar, pelo menos tentar, desfazer conhecido descalabro e ajudar a corrigir as mazelas tão bem descritas abaixo...
Note que sem muito esforço, mas com criatividade e alguma paciência, este factótum (vesti a carapuça) conseguiu injetar algum conhecimento na sua lamentosa e pouco esperançosa missiva...
O caminho é esse; acrescentar algo ao que você recebe e passar adiante.
Chama-se agregar e transmitir conhecimento...

Caro Factótum

Você deve ter notado que eu ando muito lobatiano ultimamente. É o seguinte: se existem explicações a serem buscadas, as respostas estão no passado.

Belle de Jour  era casada com um jovem médico rico e bonito, mas todas as tarde ia se prostituir num bordel de Paris. O que ela buscava era excitação e não dinheiro, coisa que tinha de sobra. Como se explica uma coisa dessas? Pois é, por mais difícil que possa ser a explicação ela, certamente, está no passado. Belle de Jour é ficção, mas não está longe de histórias reais que conhecemos.

Tudo tem uma explicação, mas nem tudo carece dela. Eu gosto de espaguete ao alho e óleo, mas não vou gastar um centavo do meu dinheirinho com psicólogos para saber as razões desse gostar. Todo mundo está o tempo todo gostando ou desejando alguma coisa. Só que alguns desses desejos são problemáticos, colocam o indivíduo em conflito com ele mesmo ou com o grupo social em que vive. Nesses casos a explicação é necessária, pois conflitos consomem, internamente, energias que deixam de ser usadas na luta contra o mundo hostil.

A menos que o problema seja sublimado, como ocorreu com o Tchaikovsky, que conseguiu transformar a sua dor em pura beleza, como se pode confirmar ouvindo a “Patética, um verdadeiro “Réquiem . Mas ainda assim a carga de sofrimento foi tão grande que “o mais italiano dos compositores russos” acabou se matando. Mas ele não morreu do cólera, perguntará você? É verdade, mas nada me tira da cabeça que beber água não tratada numa Moscou onde grassava o cólera, a despeito das recomendações em contrário, não foi uma espécie de suicídio?

Monteiro Lobato
Então, como o passado é importante, eu me valho do Monteiro Lobato  para entender as nossas atuais mazelas, pois ele nos mostra um passado onde muitas explicações podem ser encontradas. 

Lobato foi promotor em Areias, mas virou fazendeiro em virtude de uma herança. E através dele eu pude confirmar que o homem que passa a vida na cidade grande não tem a menor ideia do que seja a vida nos rincões brasileiros.

Referindo-se à literatura de Bernardo Guimarães  diz que “lê-lo é ir para o mato, para a roça – mas uma roça adjetivada por menina do Sion - onde os prados são amenos, os vergéis floridos, os rios caudalosos, as matas viridentes, os píncaros altíssimos, os sabiás sonorosos, as rolinhas meigas”.

Bernardo Guimarães
“Bernardo descreve a natureza como um cego que ouvisse contar e reproduzisse as paisagens com os qualificativos surrados do mau contador. Não existe nele o vínculo enérgico da impressão pessoal”.

Desse modo “Bernardo falsifica o nosso mato. Onde toda gente vê carrapatos, pernilongos, espinhos, Bernardo aponta doçuras, insetos maviosos, flores olentes. Bernardo mente.”

Em “Cidades Mortas”, lançado em 1919, através de um os seus personagens, Lobato traça o diagnóstico: “... o mal da nossa raça: preguiça de pensar. E restringindo o asserto à classe agrícola:

- Se o governo arrancasse um cento dos fazendeiros dos mais ilustres e os trancasse nesta sala, com cem machados naquele canto e uma floresta virgem ali adiante; e se naquele quarto pusesse uma mesa com papel, pena e tinta, e lhes dissesse: “Ou vocês pensam meia hora naquele papel ou botam abaixo aquela mata”, daí a cinco minutos cento e um machados pipocavam nas perobas!...”

Lendo essas coisas que Lobato escreveu há quase cem anos eu fico pensando no que progredimos de lá para cá e concluo que, em alguns casos, regredimos. Tanto então quanto agora continuamos um país de não-leitores.

Jeca Tatu trabalhando...
O Jeca Tatu continua existindo, só que agora alienado pela televisão, com o filho viciado em joguinhos de computador que joga em “lan-houses” que proliferam mais do que bibliotecas, estas até inexistentes em muitos lugares dos rincões brasileiros. Antes se tinha a botica “onde há uma sessão permanente de mexerico, e o mexerico é a ambrosia dos lugares pobres”. Mas era um mexerico local, hoje o mexerico é nacional e até internacional, pois nos ocupamos com o sujeito que lá no outro lado do mundo ateou fogo às vestes ou com a amante do Príncipe Charles, do outro lado do Atlântico.

Naturalmente que hoje não se faz mais mexerico. Fazem fofoca. Mas que, não importa o nome que se lhe dê, continua sendo a ocupação principal dos medíocres.

Lobato defendeu o uso das riquezas do subsolo em benefício do povo. Na sua época livro era coisa rara entre nós e hoje continua sendo coisa cara mas pelo menos temos bibliotecas públicas que no seu tempo não existiam. Só que essas bibliotecas estão entregues ás moscas. Ou seja, o nosso grau de estupidez deve ter aumentado.

Lobato defendeu a cultura, pois sem ela não se conquista nem se preserva a riqueza. Mas foi uma Vox clamantis in deserto, pois hoje o que mais nos falta é cultura. Lobato falou na importância da ciência, que é coisa que pouco se vê nas escolas de hoje. 

Lobato era um inconformado com as desigualdades brasileiras. Para ele São Paulo era uma locomotiva puxando dezenove vagões. Disse que sem São Paulo o resto do Brasil “era menos do que um sangrado Paraguai”.

Jeca Tatu estudando...
De lá para cá muita coisa mudou. Algumas para melhor, outras para pior. Mas ainda hoje há quem considere partes do Brasil um “peso morto” e até defenda ideias separatistas, como as havia na época o Lobato.

Pois é, meu caro Factotum, a mim faltam o engenho e a arte para ser um cronista do meu tempo como Lobato o foi do seu. De qualquer forma sê-lo-ei à minha moda, mal e porcamente, porque os “jeca-tatus” continuam existindo e precisam ser retratados.

Um comentário:

  1. E o pior, meu caro: há muito Jeca Tatu com diploma de "Dotô" que raramente lê um livro, quando muito apostilas para fazer as provas.

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