segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

EUA e Irã avançam (devagar) rumo a conversações


19/2/2012, *M K Bhadrakumar, Asia Times Online
"US, Iran inching toward talks"
Traduzido pelo pessoal da Vila Vud

Estão quase decididas as preliminares para o desfecho da situação iraniana. O indício mais seguro disso é que a campanha de propaganda que Israel tentou iniciar essa semana – de que agentes de Teerã estariam distribuindo bombas em Nova Delhi, Tbilisi e Bangkok – não recebeu nenhum apoio importante nas capitais ocidentais. Dito em poucas palavras, o ocidente dá sinais claros de impaciência. Já passou o tempo de encenações teatrais.

Há várias indicações de que a situação encaminha-se na direção de um plano consistente. Uma das séries de eventos que sugerem essa via foi a resposta, redigida por Saeed Jalili, principal negociador iraniano, à carta de Catherine Ashton, chefe da política externa da União Europeia. Simultaneamente, Teerã anunciou que desenvolveu uma nova geração de centrífugas, que agora passaram de 6.000 para 9.000 rotações, e que abasteceu seu reator de pesquisa com os primeiros bastões de combustível nuclear produzidos no Irã.

Apesar de o anúncio das recentes "conquistas" de Teerã poder parecer movimento beligerante, Washington logo decidiu que o anúncio foi dirigido ao público interno no Irã. O conteúdo da carta de Jalili e, mais importante, as respostas inicias, de otimismo cauteloso, que a carta gerou imediatamente nas capitais ocidentais, sugerem que há no ar sinais positivos.

A reação em Washington é o sinal mais importante. Para um funcionário da Casa Branca [citado pela agência Reuters], "A carta de Jalili poderá levar a novas negociações diplomáticas, se [os iranianos] estiverem falando sério. Já deixamos claro que o diálogo deve centrar-se especificamente sobre o programa nuclear". [1]

Aparentemente, a carta de Jalili fala de "novas iniciativas" dos iranianos; e sugere que o Irã está aberto para discutir a questão nuclear. Sugere que "Uma atitude construtiva e positiva em relação às novas iniciativas da República do Irã nessa rodada de conversações abriria uma perspectiva positiva para nossas negociações". [2]


E Jalili concluiu: "Assim sendo (...) proponho retomar nossas conversações para encaminhar passos fundamentais para cooperação sustentável, tão logo seja possível, em local e data mutuamente convenientes a serem acertados." Significativamente, nem Ashton nem Jalili fazem referência a pré-condições para as conversações. Evidentemente, Bruxelas já está consultando Washington sobre local e data para reiniciar conversações entre os "Irã-6" e o Irã, depois de interrupção de três anos. O grupo "Irã-6" – também chamado "P5+1" – inclui os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, França, China, Rússia e Grã-Bretanha) + Alemanha.

Outra série de sinais positivos é a retórica comedida, dos dois lados. A contribuição mais significativa para uma suavização das tensões veio de alguns dos funcionários de mais alto escalão da inteligência dos EUA, durante audiência na Comissão das Forças Armadas do Senado, na 5ª-feira, apenas um dia depois de recebida a carta de Jalili. É também interessante que a própria audiência estivesse acontecendo imediatamente depois de 32 senadores terem encaminhado proposta de "descartar a estratégia de contenção contra um Irã armado com armas nucleares". [3]

James Clapper, diretor da Inteligência Nacional dos EUA, avalia que, até agora, Teerã ainda não decidiu construir arma nuclear, embora os iranianos já acumulem algumas das competências necessárias. E disse que duvida que o Irã decida dar realmente esse passo:

Os EUA acreditamos que a decisão só será tomada pelo Supremo Líder [aiatolá Ali Khamenei] e que sua decisão será baseada numa análise de custos-benefícios. Não acho que ele deseje uma arma nuclear a qualquer preço, e daí o valor das sanções. Os iranianos mantém-se em posição para tomar essa decisão, mas há coisas que eles ainda não fizeram e não fizeram, de fato, já há algum tempo.

Parece claro que Clapper deixa transparecer que Washington constata e valoriza a moderação que Teerã tem manifestado, por não ter, até agora, desenvolvido o programa de construção de armas atômicas. Noutro depoimento, o diretor da Agência de Inteligência da Defesa dos EUA, tenente-general Ronald Burgess, acrescentou que "o Irã tem hoje a capacidade técnica, científica e industrial para eventualmente produzir bombas atômicas" e, apesar da pressão internacional contra o Irã, mediante as sanções, "avaliamos que Teerã não dá sinais de desejar abandonar o seu atual programa nuclear".

Se se aproximam esses dois depoimentos, vê-se que o governo Obama está sinalizando claramente que é mais que hora de reiniciar conversações com Teerã. Ambos, Clapper e Burgess, avaliaram como reduzido o risco de uma eventual ameaça iraniana contra a segurança dos EUA ou o Estreito de Ormuz.

Aspecto fascinante dessas audiências foi também que os dois representantes do governo dos EUA virtualmente admitiram que, em termos gerais, Teerã tem sido mais reativa que provocativa ou beligerante e que não está trabalhando para aumentar as tensões. Burgess chegou a dizer que se deve esperar que o Irã reaja, se for atacado; mas que, hoje, os EUA avaliam que o Irã não iniciará, por iniciativa sua, qualquer conflito militar.

Clapper avançou ainda um passo adiante: associou diretamente qualquer mudança no programa nuclear pacífico de Teerã a uma eventualidade, no caso de que "o regime iraniano sinta-se ameaçado em termos da própria estabilidade ". Clapper também concordou com o secretário da Defesa, Leon Panetta, que, em qualquer caso, produzir uma bomba "exigiria dos iranianos ainda um ano de trabalho, e provavelmente mais um ou dois anos, até instalá-la num veículo de transporte e disparo de qualquer tipo".

Clapper acrescentou que "[produzir uma bomba] é tecnicamente viável, mas não é praticamente viável. Há muitas combinações e permutas que afetariam o processo e o tempo exigido, no caso de os iranianos decidirem afinal construir uma bomba nuclear".

Em resumo, Clapper jogou água fria no cenário que Israel tenta criar, de "apocalypse now". (Também repetiu que Israel não tem planos para atacar o Irã).

No geral, esses depoimentos devem ser tomados como ampla garantia, encaminhada na direção de Teerã, de que, afinal, ainda há muita gente em Washington que não enlouqueceu completamente ao longo desses meses de propaganda e guerra de sombras que tentaram dar proporções apocalípticas ao impasse EUA-Irã.

E há ainda uma terceira série de eventos: Teerã também está recorrendo à sua dose de diplomacia pública para divulgar o interesse que tem em engajar construtivamente os EUA. Dentre os movimentos mais importantes nessa direção, publicaram-se três artigos, assinados por Seyed Hossein Mousavian [4], que até há seis anos era membro importante da equipe de negociadores iranianos para a questão nuclear (e que foi embaixador do Irã na Alemanha durante sete anos).

O mais importante foi publicado na influente Foreign Affairs [5]. Mousavian analisou o impasse entre EUA e Irã sobre a questão nuclear ao longo dos últimos oito anos, como uma crônica de tempo perdido, oportunidades desperdiçadas, malentendidos e má informação sobre os dois lados, que levaram a erros de cálculo que de modo algum contribuíram para qualquer avanço e só fizeram aprofundar cada vez mais o impasse.

Não vacila ao atribuir a culpa a vários sucessivos governos norte-americanos, que jamais se deram o trabalho de explorar as muitas e repetidas aberturas que o Irã ofereceu para a normalização das relações.

Repete, como refrão, que a questão nuclear jamais deveria ter sido definida como "questão única" que pudesse ser discutida à parte, num conjunto cerrado de questões mais amplas, incluídas todas no relacionamento confrontacional que os dois países mantêm desde a revolução iraniana de 1979.

Em suas palavras, "Não haverá solução para a disputa nuclear enquanto os representantes dos governos, em Teerã e Washington, continuarem a basear o relacionamento entre eles em hostilidade sempre crescente, ameaças e desconfianças e, sobretudo, enquanto o único objetivo dos EUA for a mudança de regime em Teerã". [6] (Por uma interessante coincidência, Panetta e Clapper usaram praticamente as mesmas palavras, essa semana).

Na última parte de seu argumento, em conclusão, Mousavian sugeriu o que, para ele, devem ser "as linhas de fundo" de futuras negociações: "Para o Irã, a linha de fundo de futuras negociações é preservar a capacidade para produzir energia civil confiável, como o Irã tem pleno direito de produzir, nos termos do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Para os EUA e a Europa, a linha de fundo das negociações é garantir que jamais haverá Irã armado com bombas nucleares ou com repentina capacidade, não esperada, para que se arme nuclearmente".

Como se poderão harmonizar as expectativas dos dois lados. O que Mousavian sugere é o seguinte:

Especificamente, o ocidente deve: reconhecer o direito legítimo do Irã de produzir tecnologia nuclear, inclusive o enriquecimento de urânio; remover as sanções; e normalizar os registros nucleares do Irã no Conselho de Segurança da ONU e na Agência Internacional de Energia Nuclear. Para satisfazer as condições do grupo P5+1, o Irã deve aceitar o nível máximo de transparência, implementando o Código 3.1 do Acordo Subsidiário da AIEA e o Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação, que admite monitoramento e inspeções intrusivas em instalações nucleares.

Para eliminar as preocupações ocidentais, sobre a possibilidade de se construírem armas nucleares que utilizem urânio baixo-enriquecido, algum acordo deve impor o limite de 5% ao enriquecimento de urânio no Irã (...). Outro acordo deve também limitar a quantidade de hexafluoreto de urânio baixo-enriquecido armazenado no Irã; limitar os locais de enriquecimento, durante um período de construção de confiança; estabelecer um consórcio internacional sobre enriquecimento no Irã; e o Irã se comprometerá a não reprocessar o urânio baixo-enriquecido durante o período de construção de confiança. [7]

A "sugestão Mousavian" é, em certo sentido, modelada a partir do plano "passo-a-passo" dos russos, que também inclui total supervisão pela AIEA; implementação do Protocolo Adicional e Acordo Subsidiário entre a AIEA e o Irã; limitar a um os locais de enriquecimento; e suspensão temporária do enriquecimento.

Moscou propôs que, em troca, o Irã deve esperar que o grupo "Irã-6" remova as sanções e normalize os registros nucleares do Irã na AIEA e no Conselho de Segurança da ONU.

É difícil determinar em que medida as opiniões de Mousavian refletem o pensamento de dentro do regime iraniano, e, de fato, Mousavian está bem consciente de que "o clima político doméstico nos dois países" interpôs-se, no passado, no caminho que poderia ter levado a negociações proveitosas entre Washington e Teerã.

Mas o mais surpreendente é que os depoimentos de Clapper e Burgess, na Comissão do Senado, estão em perfeita harmonia com o que Mousavian sugeriu como caminho a seguir.
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Notas dos tradutores 
[2] 16/2/2012, Arab News, "Iran offering 'new iniciatives' to resume talks with powers"
[3] A proposta, encaminhada por senadores dos dois partidos, mas apresentada pelo Republicano Joseph Lieberman, é proposta para uma "Orientação para o Senado".
[4] Os três artigos citados são: 30/8/2011, Hossein Mousavian, The Atlanticist (revista da OTAN), "Rules for Successful Engagement with Iran",
; 9/2/2012, Hossein Mousavian, Foreign Affairs, "How to engage Iran", em  e 16/2/2012, Hossein Mousavian, Bloomberg Views, "How the U.S.-Iran Standoff Looks From Iran".
[5] 9/2/2012, Hossein Mousavian, Foreign Affairs, "How to engage Iran".
[6] e [7] 16/2/2012, Hossein Mousavian, Bloomberg Views, "How the U.S.-Iran Standoff Looks From Iran".



*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais
 The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.



 

Um comentário:

  1. Aqui no sertão de Guimarães Rosa, de Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, entre tantos, a gente chama isso de JAGUNÇO. Os EUA oferecem "segurança" (lógico, cobram pelo "serviço") ao modo pistoleiro, cangaceiro, miliciano... ah, é, o "carioca" sabe muito bem o que são e, como agem os milicianos...

    Os ianques são sinônimo de Antônio "das Mortes".

    Se Entrega Corisco!

    http://www.youtube.com/watch?v=rHm0Az4PbAg

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