domingo, 27 de maio de 2012

Gaza-2012 e o futuro da Resistência Palestina

Khaled Meshaal

Eleições no Hamás reforçam liderança de Meshaal

17-23/5/2012, Saleh Al-Naami, Al-Ahram Weekly, n. 1.098, Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Ao longo de um mês, realizaram-se recentemente eleições internas no Hamás, para eleger o alto comando político e do Conselho Geral (Shura) do Partido, que reúne representantes do Hamás da Cisjordânia, da Faixa de Gaza, da Diáspora e das prisões. O Hamás elegeu também representantes para os vários Conselhos da Shura e vários comandos regionais. A questão mais candente na véspera das eleições era de que modo os resultados afetariam as decisões políticas e estratégicas do Partido para a próxima fase da luta, sobretudo no campo da resistência contra a ocupação, a reconciliação nacional e outras questões chaves. Discutia-se também se Khaled Meshaal continuaria na liderança do Partido. O resultado das eleições mostrou que a posição de Meshaal é hoje mais amplamente majoritária do que supunham alguns.

Fontes com as quais Al-Ahram Weekly teve acesso afirmam que o resultado mais significativo das eleições foi o fortalecimento da posição de Meshaal, que foi reeleito e conseguiu eleger apoiadores para várias das principais posições do comando central e de braços regionais da organização, dentre as quais as importantes posições de comando do Hamás na Faixa de Gaza.

Mahmoud al-Zahhar
É resultado muito significativo, porque vários líderes em Gaza, ao longo do ano passado, criticaram a liderança de Meshaal, especialmente Mahmoud Al-Zahhar, que jamais aceitou os mais recentes movimentos políticos de Meshaal – que aceitou o princípio da “resistência pacífica” e firmou o acordo de unidade nacional com Mahmoud Abbas, ainda presidente da Autoridade Palestina. Embora o primeiro-ministro de Gaza, Ismail Haniyeh, tenha sido eleito para a presidência do partido em Gaza, o resultado geral das eleições favoreceu mais os seguidores de Meshaal.

As Brigadas Ezzeddin Al-Qassam, braço militar do Hamás e tradicionais apoiadoras de Meshall, ganharam maior quantidade de postos políticos nas recentes eleições. Ahmed Al-Jaafari e Marwan Eissa, dois dos principais comandantes das Brigadas na Faixa de Gaza, foram eleitos; além de Rawhi Mushtaha e Yehia Al-Senwar, libertados na mais recente troca de prisioneiros entre Israel e Gaza. Ambos são mais ligados às Brigadas e braço armado do Hamás, que aos grupos considerados mais “políticos” do Partido.

O novo Conselho Geral Shura do Hamás na Faixa de Gaza inclui grande número de ex-prisioneiros recém-saídos das prisões israelenses, ligados aos grupos armados do Hamás, e que tiveram participação decisiva na negociação para a troca de prisioneiros. A presença deles, agora, no comando político do partido, também acrescenta legitimidade à posição de Meshall.

Ismail Haniyeh
A posição de Meshall saiu reforçada, também, pela evidência de que, agora, Meshall conta, no comando político do Hamás em Gaza, com líderes populares como Al-Senwar e Mushtaha, que têm laços históricos profundos com os movimentos de base do Hamás na região. Depois das eleições gerais do último mês, o Hamás é o partido mais firmemente instalado no comando político e na Shura e é um campo político coeso.

Embora Haniyeh e Al-Zahhar tenham manifestado divergências em relação às políticas de “coexistência” de Meshaal, os dois também têm disputas diretas entre eles, o que significa que a oposição pública a Meshaal diminuirá. Embora não haja informações sobre as condições nas quais se realizaram as eleições internas do Hamás na Cisjordânia, dadas as condições de forte segurança sob as quais o Hamás opera ali (vários dos líderes e membros do Hamás são ativamente caçados pelos serviços secretos israelenses), parece certo que, também na Cisjordânia, a posição de Meshall saiu fortalecida das eleições. Todos os principais nomes do Hamás na Cisjordânia apoiaram Meshaal, quando anunciou que assinara a Declaração de Doha – de Unidade Nacional – com Abbas, apesar de o acordo ter sido fortemente criticado por líderes do Hamás na Faixa de Gaza. De fato, a influência da Cisjordânia nos corpos políticos e armados do Hamas é praticamente equivalente à influência de Gaza nos mesmos corpos. Não parece haver dúvidas de que os representantes de Gaza nos conselhos da Shura apoiarão Meshaal.

Apesar de nossas fontes avaliarem que não há candidato em condições de competir contra ele pelo comando político do Hamás, ninguém duvida de que as recentes eleições internas garantirão apoio mais firme a Meshall como cabeça política do partido.

Observadores também concordam com que os sucessos de Meshaal indicam que conseguirá fazer valer suas políticas e posições dentro do grupo, sem enfrentar grande oposição interna – também em duas questões chaves.

Primeiro, a reconciliação nacional (reconciliação com a Autoridade Palestina, PA). Meshaal, como os demais líderes do Hamás na região e na diáspora, conhecem bem as violentas pressões a que Abbas está submetido, sobretudo por Israel, EUA e alguns países árabes; essas pressões praticamente paralisam Abbas e impedem que tome qualquer medida consistente para por fim à luta interna na região ocupada. Ao mesmo tempo, Meshaal entende que os interesses do Hamás serão mais bem atendidos se o Partido cerrar fileiras, porque as disputas internas drenam recursos políticos, financeiros e de segurança.

Diferente do que pensam os líderes do Hamás em Gaza, Meshaal considera que o preço a pagar para que o Hamás continue a lutar pela hegemonia política em Gaza é alto demais – porque o confronto armado contra o Fatah de Abbas arranha o prestígio internacional do partido e suas chances de buscar a solidariedade e a colaboração internacionais. Ao mesmo tempo, o confronto armado entre Hamás e Fatah dá ampla margem de manobra aos israelenses para que continuem a atacar o grupo e seus militantes armados na Faixa de Gaza.

Embora a Primavera Árabe tenha muito claramente alterado o modo como alguns estados árabes relacionam-se com o Hamás, a maioria desses estados e governos ainda se recusa a negociar com o grupo ou com seu governo (eleito) em Gaza. Além do mais, Meshaal está muito gravemente preocupado com o alto custo financeiro de manter um governo em Gaza (Haniyeh é o primeiro-ministro).

Todo o aparelho internacional do Hamás tem de trabalhar quase ininterruptamente exclusivamente para levantar fundos para manter o governo do Hamás em Gaza - serviços e funcionários – tarefa que se torna cada dia mais difícil, sobretudo depois que o Irã suspendeu a ajuda que dava, depois que o Hamás recusou-se a apoiar o ataque militar do regime sírio contra a oposição interna. Meshaal sempre foi responsável pelo trabalho de levantar fundos para manter o grupo e sabe bem o quanto custa manter no poder o governo do Hamás em Gaza.

Meshaal terá de mostrar agora máxima flexibilidade em todas as questões relacionadas à reconciliação nacional (por mais que saiba que, hoje, essa reconciliação seja praticamente impossível). Meshaal quer provar aos estados árabes, sobretudo àqueles nos quais a Primavera Árabe foi bem sucedida, que o Hamás é partido capaz de ser politicamente flexível, sem comprometer seus princípios, em nome de superar divisões internas. Com isso, espera passar a contar com aqueles estados, para que pressionem Abbas a aceitar as propostas do Hamás.

Simultaneamente, Meshaal espera que, com os novos estados árabes mais abertos a compreender as posições do Hamás, poderá apressar o reconhecimento oficial do partido, e expandir suas relações políticas, de modo a integrar o Hamás na ainda nebulosa, mas já nova ordem política árabe, que se vai configurando, com os primeiros passos dos novos governos surgidos da Primavera Árabe. Esse desenvolvimento reduzirá a capacidade de Israel para encurralar os palestinos e atacá-los.

Em segundo lugar, desde o início Meshaal foi um dos comandantes do Hamás que sempre se opôs a que o partido participasse de eleições e constituísse governo em Gaza – porque, como sempre disse, seria muito difícil para o partido combinar governo e resistência. Meshaal entende que ainda é cedo para que o Hamás assuma responsabilidades de governo; e entende que a situação fica ainda mais difícil, se o Hamás monopolizar o poder (o que acontece hoje, em Gaza).

Segundo fontes ouvidas por Al-Ahram Weekly, Meshaal diz, em conversas privadas, que, com o Hamás no poder em Gaza, Israel ganha uma lista imensa de alvos a atacar quando bem entenda. Acredita também que a Guerra de Gaza, em 2008, é prova disso, uma vez que qualquer instituição ligada direta ou indiretamente ao governo de Gaza tornou-se, naqueles dias, alvo “legítimo” a ser atacado por Israel.

Fato é que Meshaal e muitos outros líderes do Hamás começam a sentir os efeitos negativos de o partido estar no poder, também nas relações com outros grupos palestinos, entre os quais, a Jihad Islâmica.

Grupos da resistência palestina têm acusado o Hamás de ter abandonado a resistência em nome de permanecer no poder, sobretudo depois que se tornou evidente que o Hamás não responde imediatamente a ataques israelenses contra líderes e símbolos de outros grupos palestinos (o que se viu em confrontos recentes), por temer a retaliação dos israelenses contra instituições do governo em Gaza. Meshaal entende que é indispensável chegar a uma fórmula pela qual o Hamás possa deixar de ser governo em Gaza, sem ter de abrir mão dos recursos militares.

Os líderes do Hamás que discordam dessa análise, especialmente Al-Zahhar e, em menor escala, também Haniyeh, tornaram-se minoria no comando político do partido. Assim, Meshaal ganha agora uma oportunidade para convencer outros líderes do partido sobre a necessidade de achar alguma brecha pela qual escapar da dualidade entre governar e resistir, com o mínimo possível de danos. O resultado das eleições recentes dentro do Hamás, deram-lhe poder e legitimidade para empreender esse trabalho político – embora Meshall saiba que o sucesso depende da posição que os demais envolvidos adotem, especialmente a Autoridade Palestina e estados árabes que têm grande influência nas questões palestinas, como o Egito.

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