domingo, 3 de junho de 2012

Alexis Tsipras: “Os povos estão em guerra contra o capitalismo”


19/5/2012, Helena Smith - The Guardian, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Helena Smith é correspondente do The Guardian na Turquia, Grécia e Chipre

Alexis Tsipras em seu escritório no edifício do Parlamento grego nesta sexta-feira

O destino da Grécia e da Eurozona pode estar agora nas mãos de um jovem de 37 anos de idade e de seu partido Syriza

“A Grécia está sendo usada como cobaia, para um experimento do capitalismo”.

“Não acredito em heróis ou salvadores da pátria”, diz Alexis Tsipras, “mas acredito na luta por direitos. Ninguém tem o direito de reduzir gente honrada a esse estado de miséria e indignidade”.

O homem que tem nas mãos o destino do euro – o líder do partido grego que quer rasgar o acordo de “resgate” do país, de €130 bilhões – diz que a Grécia é hoje a linha de frente de uma guerra que se espalha por toda a Europa.

Longo bombardeio pelas armas de um “choque neoliberal” – aumentos draconianos nos impostos e impiedosos cortes de gastos públicos – provocou imenso dano colateral. “Nunca estivemos em pior posição”, diz ele, mangas arregaçadas, olhos postos num ponto médio entre a sala e o horizonte, por trás da mesa que divide no seu pequeno gabinete no Parlamento. “Depois de dois anos e meio de catástrofe, os gregos estamos de joelhos. O estado social está em colapso; um, de cada dois jovens está desempregado há emigração em massa; o clima psicológico é de pessimismo, depressão, suicídio em massa.”

Mas, apesar de exausto e em frangalhos, o país que está em pior situação na escalada da dívida, na Europa, e à beira da falência, também amadureceu e endureceu. E cada vez mais caminha na direção de Tsipras, para liderá-lo em sua luta.

“Só se perde luta que não se combate”, diz o jovem político, que, quase da noite para o dia, viu seu partido da Coalizão da Esquerda Radical, Syriza, saltar da posição de representante de menos de 5% dos gregos, para mais de 25% dos votos nas urnas.

“Você pergunta se tenho medo... Teria medo, isso sim, se continuássemos naquele caminho, que leva diretamente ao inferno social. Se se luta, sempre há chances de vencer. Estamos lutando para vencer”.

Antes de os gregos terem ido às urnas, dia 6/5, nem Tsipras nem seu partido eram nomes dos quais se ouvia falar muito. Havia quem os visse como uma espécie de caricatura: um ex-estudante comunista de rabo-de-cavalo, liderando um bando de esfarrapados ex-trotskyistas, maoístas, socialistas-caviar e verdes. Os assessores de Tsipras rapidamente admitem que seja vistos por muitos ainda como “militantes” e, sobretudo, da causa da antiglobalização.

Mas, hoje, os jornalistas do Guardian foram o terceiro item na agenda de Tsipras, que nos recebeu em seu gabinete no segundo piso do prédio do Parlamento. Antes de receber o Guardian, Tsipras já recebeu o embaixador da Alemanha na Grécia e o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz. Com os gregos preparando-se para voltar às urnas dia 17/6, e candidato que lidera as principais pesquisas de intenção de voto no país – depois que sua Coalizão Syriza chegou em segundo lugar nas eleições desse mês, em que nenhum dos vitoriosos alcançou maioria que lhe permitisse compor um governo – Tsipras é o homem que todos querem ver e ouvir.

“Não me pareceu tão perigoso, pessoalmente, como quando fala pela televisão, mas tem posições arriscadas”, diz Schulz, saindo da audiência com Tsipras.

“A [próxima] votação na Grécia decidirá não só o que acontece aqui, mas o que acontecerá internacionalmente”, acrescenta o alemão, antes de dizer o que realmente quer dizer: “Se o Memorando [o acordo de empréstimo da União Europeia e do FMI, para ‘'resgate'’ do país] é posto em dúvida, os pagamentos [empréstimos] para a Grécia também são postos em dúvida”.

Tsipras, que completará 38 anos em julho, insiste em deixar claro que a guerra não é pessoal. O inimigo não é Berlin, até agora o principal provedor dos fundos para o monumental “resgate” que deve manter à tona a economia grega, afundada em dívidas. “Não se trata de confronto entre nações ou povos”, diz ele. “De um lado, estão os trabalhadores e grandes maiorias da população; de outro lado, estão os capitalistas globais, banqueiros globais, financistas que lucram nas bolsas de valores, os grandes fundos. Os povos estão em guerra contra o capitalismo... e, como em todas as guerras, o que acontece na linha de frente define a batalha. O que acontecer aqui será decisivo para a guerra em outros pontos”.

A Grécia, diz Tsipras, tornou-se “caso exemplar” para o resto da Europa, porque foi o primeiro país a cair, vítima das políticas neoliberais violentas de “crescimento a qualquer custo”, implantadas em nome de superar a crise.

“A Grécia foi escolhida como cobaia de um experimento: a aplicação de políticas neoliberais de choque. O povo grego entrou aí como porcos-da-Índia”.

“Se o experimento puder continuar, será considerado bem-sucedido; e políticas semelhantes serão aplicadas em outros países. Por isso é tão importante dar por encerrado, aqui, o experimento. Não será vitória da Grécia. Será vitória de todos os povos da Europa”.

Sob as condições do atual plano de “resgate”, que submeteu a Grécia a violentíssima “austeridade” – o poder de compra médio na Grécia já caiu cerca de 35% – e o sistema financeiro internacional, e sobretudo os bancos, são os únicos vencedores, diz Tsipras. “Quem está sobrevivendo?” pergunta ele. “Não são os gregos. Os empréstimos vão diretamente para pagar juros e para pagar bancos”.

Outro ponto que Tsipras quer deixar claro é que não está contra o euro nem contra a união monetária. Para ele, o medo de que a Grécia deixaria a Eurozona está sendo disseminado para aterrorizar as pessoas e manter o status quo. Por causa dos boatos, o país assistiu a saques de “mais de €75 bilhões”, euros sacados dos bancos gregos desde o início da crise em Atenas, em dezembro de 2009.

Na próxima semana, Tsipras estará reunido com representantes do governo alemão em Berlim. Diz que “Angela Merkel deve saber que tem hoje imensa responsabilidade histórica”.

“Não nos opomos à Europa unificada ou à união monetária”, ele insiste. “Não queremos chantagear ninguém. Queremos persuadir nossos parceiros europeus de que o modo como escolheram fazer da Grécia um “caso exemplar” para o resto da Europa e nos desafiar, nessa disputa de vida ou morte, é atitude contraproducente. Os empréstimos que estão propondo à Grécia, ou são negócios acertados entre banqueiros, à custa da sobrevivência dos gregos, ou é jogar dinheiro num poço sem fundo”.

Nos últimos dois anos, Atenas recebeu dois grandes empréstimos da União Europeia e do FMI: €110 bilhões em maio de 2010 e, em março de 2012, mais €130 bilhões, mas os duros programas de ajuste fiscal exigidos como contrapartida, evidentemente não estão funcionando, diz Tsipras.

Se não se cuida agora de reenergizar a mais moribunda das várias economias europeias moribundas, com um empurrão no desenvolvimento, “em seis meses estaremos obrigados a discutir um terceiro pacote de empréstimos e, logo depois, um quarto pacote”, ele prevê.

“Os contribuintes europeus devem saber que, se dão dinheiro à Grécia, deveria haver algum resultado. O dinheiro deveria ser encaminhado sob a forma de investimentos, em projetos, para que se pudesse realmente cogitar de superar as dificuldades e a Grécia pudesse enfrentar, de fato, a questão da dívida. Com a fórmula que está sendo aplicada, e o dinheiro dos novos empréstimos consumido integralmente para pagar dívidas antigas aos mesmos banqueiros, não há meios pelos quais a Grécia possa sair da situação em que está”.

Tudo isso soa em tom notavelmente mais moderado que a retórica furibunda à qual Tsipras estava associado, antes de seu partido emergir como força com possibilidade de chegar à maioria, num Parlamento sitiado.  

A primeira medida da Coalizão Syriza no poder será anular o controverso “memorando de entendimento” que a Grécia assinou com os credores, no qual se detalham as onerosas condições sob as quais o país recebe parcelas semestrais de injeções de dinheiro.

O memorando, diz Tsipras, foi assinado sem consulta aos eleitores gregos. E agora, depois das eleições de 6/5, quando mais de 70% dos eleitores deixaram claro que se opõem àquelas políticas e votaram em partidos “anti-resgate”, é evidente que o memorando já perdeu qualquer legitimidade que tivesse.

É jogo de apostas altíssimas, mas, ele argumenta, a Europa é quem menos tem chances de vencer, porque, diz Tsipras, nos termos da lei europeia, a Grécia não pode ser ‘expulsa’ do bloco de 17 países da União Europeia.

“Os europeus têm de entender que não temos nenhuma intenção de adotar qualquer espécie de movimento unilateral. Só agiremos se formos obrigados a agir, se, antes, eles optarem por algum movimento unilateral”, diz ele. “Se o dinheiro não vier, a Grécia não terá como pagar os credores. Nada disso é muito difícil de entender”.

E se a Grécia parar de pagar os credores, o problema, então sim, sim, mudará de direção. A posição da Grécia é muito mais forte do que tantos supõem.

“Keynes já explicou isso, há muitos anos. Nem sempre o devedor está em posição mais fraca que o credor. A posição do credor também pode ser extremamente difícil. Se você deve £5.000 ao banco, o problema é seu. Mas se você deve £500.000, o problema é do banco. O problema hoje não é da Grécia: é problema de Merkel. É problema europeu. É problema global”.

Bem apessoado, cabelos e olhos castanhos, e competente com as palavras, seja na oratória candente seja na oratória moderada, Tsipras parece mais uma “celebridade” (que é como parte da população grega o vê) do que um salvador, que é como o veem muitos outros gregos.

Seus assessores acrescentam que um de seus heróis é o presidente Hugo Chávez da Venezuela, que faz aniversário também dia 28/7. E que Tsipras não acredita em rótulos político-partidários, “nesses tempos de crise”. Mas Tsipras, embora pareça estar-se preparando para governar e tenha moderado o tom dos discursos, diz que “a luta continua”. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.