sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Egito-Irã: eixo ou barganha?


31/8/2012, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Dentre as velhas platitudes de sempre nesses eventos, um “ponto de ação” a destacar na 16ª Conferência do Movimento dos Não Alinhados [Nota A] em Teerã, que termina hoje no final do dia, é a iniciativa sobre a Síria. Ainda não se conhecem os detalhes, mas o conteúdo pouco importa, porque, venha o que vier, será furiosamente contestado e talvez dê em nada. Só as grandes potências moem o que queiram ver moído, e na própria mó.

Mas aqui o que interessa é a forma. O ministro de Relações Exteriores do Irã Ali Akbar Salehi apresentou [1] a entusiasmante ideia [NotaB] de constituir-se um grupo dentro do Movimento dos Não Alinhados para buscar um acordo que ponha fim à crise na Síria. O grupo reúne os países que ocuparam a presidência do Movimento dos Não Alinhados, passado, presente e futuro – Egito, Irã e Venezuela – mais o Líbano e o Iraque.

Muito evidentemente, aí está um desses raros momentos em que se pode ver, ainda em formação, um novo “centro de gravidade” na geopolítica da região do Oriente Médio. É formação intrigante, porque o presidente Mohamed Mursi do Egito falou abertamente de “mudança de regime” na Síria [2], quando se sabe que Irã e Venezuela não aceitam irrestritamente sequer o conceito. Mas, ao que parece, os três partilham, como ponto comum, que a ideia de que a ‘transição’ que venha a acontecer tem de ser processo no qual só os sírios atuem, sem qualquer intervenção externa.

É a diplomacia iraniana exibindo seus melhores talentos, mostrando alta mestria na arte do possível. O que interessa infinitamente mais que todo o resto, do ponto de vista do Irã, é que Teerã e Cairo partilham afinal a mesma plataforma regional sobre a Síria. Os dois países são membros da Organização de Cooperação Islâmica; e o Egito é também membro da Liga Árabe.

O “consenso regional” é que tudo que EUA e Arábia Saudita tanto trabalharam para construir (ou inventar) acaba de ser pulverizado. [Nota C]

A debâcle da Turquia na questão síria[3] está-se convertendo em questão grave. A “entrada” do Egito força a Arábia Saudita a mudar de rota. A imprensa iraniana deixou bem claro que está previsto algum tipo de reaproximação entre Teerã e Riad.  [4] A restauração de laços diplomáticos entre Egito e Síria também obriga a Turquia a refazer os seus cálculos estratégicos.

Não é questão de somenos para Teerã que Mursi tenha declarado o Irã “parceiro estratégico” do Egito. [5] Até a rádio Voz da América admitia, em comentário, que o simbolismo da visita de Mursi ao Irã “preocupou países que tentam isolar o Irã, principalmente os EUA, país há longos anos aliado do Egito”. [Nota D]. O melhor que a Voz da América conseguiu produzir, em matéria de comentário [e prêmio de consolação], foi que a visita de Mursi não significa que o Egito “aprova irrestritamente o Irã”; e que “a aproximação aparente pode não passar de moeda de barganha” nas negociações do Egito com os EUA.



Notas de rodapé comentadas (em vermelho) pelos tradutores

[Nota A ] A Folha de S.Paulo/UOL, traduzindo matéria do New York Times, não escreve “Não Alinhados” nem no nome oficial do Movimento (!?); escreve “movimento dos ditos não alinhados” – o que deve ser recorde mundial de pior jornalismo jamais visto/lido/ouvido & requentado do NYT. Comprova-se em matéria datada de 27/8/2012, em Presidente do Egito planeja iniciativa de paz na Síria.

[1] 30/8/2012, ITAR-TASS News Agency, em: Iran announces NAM’s group on Syrian settlement – Ali Akbar Salehi

[Nota BNenhum jornal, jornalista ou “especialista” ouvido pelos veículos de jornal, rádio ou televisão do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) do dito “jornalismo” de massa, no Brasil, viu qualquer coisa de entusiasmante, intrigante, instigante, importante, nem, sequer, digna de notação jornalística nos eventos aqui comentados.
Além da FSP (que nem escreve O NOME do Movimento dos Não Alinhados, tal o ódio perverso que os jornalistas-empregados da FSP e a própria empresa nutrem por quem não se alinhe [risos, risos], a revista Época/Globo, por exemplo, só comenta, de todos esses eventos, que o presidente Mursi “exigiu mudança de regime na Síria”. E, mesmo para essa minguadíssima, ridícula “notícia”, a revista Época/Globo repete matéria da rede Al-Jazeera, porta-voz conhecida do... Emir do Qatar! Seria cômico, não fosse o jornalismo brasileiro o mais mequetrefe DO MUNDO. Comprova-se em:Presidente do Egito critica regime sírio e oferece apoio aos rebeldes (por exemplo).
E “O Estado de S.Paulo”, cujo pensamento udenista-golpista é ainda chamado de “pensamento conservador” por alguns últimos jabores & koras dramers babões, só noticiou que “Morsi chama o regime de Assad de opressor”. Nada de intrigante ou jornalisticamente relevante ou jornalisticamente bem noticiado: apenas a reiteração, a repetição fascistizante, de mais no mesmo jornalismo-zero e eterno golpismo. É o que se comprova em:Morsi chama regime de Assad de ‘opressor’ e sírios deixam cúpula”.


[2] 30/8/2012, Hurriyet Daily News em: Egypt’s Morsi harsh on Syria at Tehran summit

[Nota C] Essa, afinal, é a grande, enorme, importantíssima notícia, que nenhum “jornal”, “jornalista” ou “especialista” dentre as figurinhas sempre repetidas em tooooooooooooodos os jornais e televisões da imprensa-empresa no Brasil ofereceu à opinião pública. N-e-n-h-u-m.

[3] 31/8/2012, Hurriyet Daily News  em: Turkey’s Syrian debacle



[Nota D] Vejam bem: “até a rádio Voz da América” já admitiu. O problema do Brasil-2012 é que NENHUM jornal, jornalista ou especialista dos que se repetem infinitamente nas páginas dos jornais e nas telas de televisão dos veículos do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) no Brasil-2012, reconheceu coisa alguma que se pareça a essa conclusão. CRÓZES! É im-pre-ssi-o-nan-te! O Grupo GAFE é mais pró-Wall Street que a rádio Voz da América! (risos, risos, risos muitos) [PANO RÁPIDO]

MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.