quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Pepe Escobar: “Realpolitik” e “linha-limite” [red line] de Obama na Síria


23/8/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Pepe Escobar
Aí estão, de volta, as Armas de Destruição em Massa (ADMs). Como se voltassem também os dias de glória de Dábliu Bush. Não, não. Ninguém encontrou à venda em eBay as inexistentes ADMs de Saddam. Trata-se agora das existentes, de Bashar al-Assad. E não são ADMs usadas como pretexto para invadir e ocupar, mas ADMs usadas como pretexto para todos os tipos de eufemismo que o governo Obama inventará para definir “atividade militar cinética”. 

A coisa levanta muitas desconfianças, sobretudo se se considera que Damasco já anda dizendo e repetindo que jamais usará armas químicas contra os “rebeldes”.

Barack Obama
E vem o presidente Obama dos EUA: “Uma linha-limite [red line] para nós será se começarmos a ver sinais de movimentação ou de utilização de armas químicas”. [1]

Significa que uns poucos contêineres de gás mostarda deslocados de um depósito para outro já constituirão casus belli. Mas... perceberam? Obama disse que essa seria “uma” linha-limite – o que é o mesmo que dizer que há outras (clandestinas, não ditas).

Obama também chamou atenção para “medos” em Washington de que as ADMs sírias “caiam em mãos de gente errada”. Considerando que a Agência Central de Inteligência (CIA) participa do negócio – ao lado de Arábia Saudita e Qatar, fiéis escudeiros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) – de fornecer armas para a miríade de gangues que constituem o Exército “Não Exatamente” Sírio Livre (ESL), e que inclui centenas de jihadis salafistas, é como se Obama dissesse, com todas as letras, que as gangues são a “gente errada”. De onde se conclui que o regime de Assad é a “gente certa”.

Terá sido mensagem codificada que Obama enviou à Turquia – como se dissesse: se você invadir o noroeste da Síria, já praticamente convertido em zona curda autônoma, terá de invadir sozinho, quer dizer, sem a ajuda da OTAN e sem o Pentágono? Terá sido mensagem para a “gente errada”, também conhecida como “os rebeldes”, de que, exceto pela ajudinha de alguns rapazes e moças vagamente efetivos e clandestinos da CIA, vocês estão por conta e risco de vocês mesmos?

Essas duas possibilidades aparecem discutidas na página internet Moon of Alabama. [2]

Mas também é possível que o governo Obama tenha afinal percebido que uma Síria pós-Assad governada pela Fraternidade Muçulmana (FM) Síria – que é infinitamente mais sectária e linha-dura que a correspondente Fraternidade egípcia – não é aposta exatamente muito lúcida.

Mohammed Mursi
A Casa Branca e o Departamento de Estado estão lívidos de medo (a) do que possa advir da varrida que o presidente Mohammed Mursi do Egito deu na liderança do Conselho Supremo das Forças Armadas e (b) das próximas visitas diplomáticas de Mursi a – deus nos livre! – Pequim e, depois, a Teerã, para participar da reunião de cúpula do Movimento dos Não Alinhados. Se a Fraternidade Muçulmana já conseguiu fazer tudo isso, imaginem o que pode fazer na Síria, a qual, para começo de conversa, não está na esfera de influência de Washington.

Assim sendo... melhor deixar que a coisa toda se afunde numa libanização – ou somalização – cenário que desmobiliza o exército sírio e enfraquece o governo central em Damasco, apagando assim a “ameaça síria”, para o caso de o duo pirado de inventadores de guerra Bibi-Barak em Israel insistir em atacar o Irã?

Tome a democracia e recheie com explosivos

Hillary Clinton
Vejamos como está a situação. As Três (des)Graças da Guerra – Hillary Clinton, Susan Rice e Samantha Power – e a doutrina delas da “Responsabilidade de Proteger” [“responsibility to protect”, R2P), aplicada “com pleno sucesso” na Líbia, já fracassou miseravelmente na Síria.

Não haverá “zona aérea de exclusão” – cuja implantação é declaração de guerra. Nada de bombardeio “humanitário”, já bloqueado no Conselho de Segurança da ONU por Rússia e China, nada menos de três vezes.

Além do mais, já se sabe que a histeria da “guerra dos mundos”, já velha de mais de dez anos, nunca passou de boataria intergaláctica: a CIA, associada à Casa de Saud e ao Qatar está apenas, mais uma vez, aliada a jihadistas salafistas da variedade al-Qaeda, fazendo guerra contra a Síria, que é república árabe secular.

A questão crucial sobre a Síria é como Rússia e China interpretam a linha-vermelha-limite de Obama.

Eis a resposta dos russos. A linha-vermelha-limite dos russos é que os EUA têm de respeitar “as normas da lei internacional”; nada de “democratizar à bomba”; e só o Conselho de Segurança da ONU tem competência para autorizar ataque na Síria. Repetindo: pela terceira vez, só até aqui, Rússia e China disseram não à guerra de Obama. [3]

Sergei Lavrov
Eis a resposta dos chineses. Nada de vias diplomáticas, como preferiu o ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergei Lavrov. Os chineses falaram por um Editorial em Xinhua – o qual, no contexto chinês, significa “opinião oficial de Pequim”. O título já diz tudo: O alerta de “linha-limite” de Obama visa a criar novo pretexto para intervenção na Síria.

Num parágrafo, o resumo da política externa dos EUA, como a veem os chineses: Não é difícil ver que, sob o disfarce do humanitarismo, os EUA sempre tentaram incansavelmente depor governos que considerem perigosos para os chamados seus “interesses nacionais”, e substituí-los por gente amiga de Washington.

Todos os jogadores chaves aqui citados – Rússia, China e EUA – sabem que Damasco não cometerá a loucura de usar (nem de “movimentar”) armas químicas. Portanto, não surpreende que Moscou e Pequim mostrem-se tão altamente desconfiados de que a conversa-gambito de Obama sobre “linha-vemelha-limite” não passe de mais uma manobra de despistamento e tentativa de “liderar da retaguarda”, como Obama fez na Líbia. (A conversa de Obama no caso da Líbia nunca fez sentido; o ataque à Líbia foi iniciado pelo Comando dos EUA na África, Africom; só depois foi “repassado” à OTAN).

Como Asia Times Online já vem noticiando há mais de um ano, mais uma vez o quadro é claro: está em curso uma batalha de titãs entre CCG-OTAN e dois BRICS, Rússia e China.

O que se disputa é nada menos que a vigência da lei internacional – a qual persiste em movimento de escorrer pelo ralo, no mínimo, desde que o Vietnã foi atacado com “agente laranja”; prosseguiu no governo Dábliu e seu ataque ao Iraque em 2003; e alcançou o fundo abismal do poço com o “bombardeiro humanitário” da Líbia. Para não falar de Israel que diariamente ameaça bombardear o Irã – com a animação de quem vai a uma loja de comida kosher.

Bem... Sempre se pode sonhar com o dia em que um mundo multipolar despachará a carta de demissão definitiva, para esses inventadores de linhas-limite vermelhas pró-guerras.
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Notas de rodapé
1. 20/8/2012, New York Times, Mark Lander em: Obama Threatens Force Against Syria”.
2. 21/8/2012, Moon of Alabama (MofA) em: Obama To Assad - Do Whatever You Need To Do”.
3. 21/8/2012, Reuters, Steve Gutterman e Thomas Grove em: Russia warns West on Syria after Obama threats”.

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