segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Conflicts Forum, Comentários da semana de 13-20/12/2013


Por que o “ocidente” errou tanto, ao interpretar o Oriente Médio?

28/12/2013, [*] Conflicts Forum, 13-20/12/2013
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Mapa das guerras no Oriente Médio e Norte da África
(clique na imagem para aumentar.)
Qual é o “estado da nação” – ou mais corretamente, da “nação” do Oriente Médio árabe – no final de 2013? Todos já sabemos que não é bom; e não queremos nos somar à (muitíssimo deslocada) melancolia, listando males (erosão dos seus vários modelos de governança – no Golfo, na Turquia, da Fraternidade Muçulmana (Ikhwani), etc.); a falência de estruturas de pensamento e de instituições nacionais; a implosão das identidades; a disfuncionalidade generalizada dos sistemas de estado; o rompimento do contrato social e o surgimento de insurreições anti-“sistema” de vários tipos. Queremos, isso sim, perguntar “O que se vê aqui?” E tentar descobrir por que o “ocidente” errou tanto ao interpretar o Oriente Médio.

É questão oportuna – sobretudo quando uma sucessão de notáveis figuras “ocidentais”, algumas delas institucionais já dizem (depois de dois anos de guerra e sofrimentos) que a melhor solução na Síria, afinal, pode ser que o presidente Assad permaneça no poder. Por que, afinal, tanta coisa foi tão mal interpretada, com tanta frequência, e com resultados tão danosos?

Para entender melhor o que acontece recentemente, devemos talvez relembrar um momento anterior do trauma regional. Não é comparação ponto a ponto com o que se tem hoje, mas ajuda a explicar, nos parece, a crise atual.

Aquele momento tem a ver com o que os historiadores chamam de “A Grande Transformação” que começou na Europa no século 17. Apoiou-se sobre uma filosofia moral que entendia que o bem-estar humano dependeria da operação eficiente dos mercados. Intimamente relacionada a essa ideia havia outra, tomada dos Puritanos Ingleses, com raízes profundas na história anglo-saxônica. E que via a “mão invisível” da Providência também em ação na política, como na economia; e essa “mão invisível” (se deixada operar por sua conta) interferiria para prover outro efeito “ideal”. Segundo essa noção, a luta e as disputas para contenção política entre as tribos anglo-saxônicas no início de suas sociedades, de algum modo deram origem a uma harmonia espontânea e à ordem política. (Mais mito, que verdade).

Puritanos anglo-saxões chegam à América
Mas foi dessa noção de “mercado” político – onde a competição se tornaria ordeira e harmoniosa mediante a intrusão da “mão invisível”, que os Puritanos Ingleses tiraram a crença segundo a qual as instituições e as estruturas democráticas anglo-saxônicas representariam a culminação da liberdade pessoal e da justiça – e de que essas estruturas brotaram espontaneamente.

Essas ideias foram integralmente trazidas para a América, e continuam influentes ainda hoje.

Esse modo de pensar enormemente poderoso dominou a política “ocidental” por mais de 300 anos. E à altura dos anos 1920s, sua penetração no Oriente Médio já levara a região à “beira” do desastre; a região já estava em crise, mantendo-se por um fio. Como na Europa, antes, o duro impacto da engenharia social e do deslocamento de populações, como aquele estilo de pensamento exigia (criar mercados eficientes), foi realmente traumático. A ênfase na industrialização e no deslocamento populacional foi de tal ordem que, no século 19, já havia levado a Europa a revoluções sangrentas. Essas ideias ocidentais, inclusive a noção de que a reforma econômica seria mais plenamente alcançada mediante a secularização, foram abraçadas com zelo de “convertidos” pelos líderes da Turquia, Pérsia e Egito.

Kemal Ataturk
Aproximadamente cinco milhões de muçulmanos europeus foram arrancados das próprias casas entre 1821 e 1922, enquanto o ocidente prestigiava principalmente os cristãos nos estados-nações dominados por cristãos nas antigas províncias ocidentais otomanas. A determinação do [partido] Jovens Turcos [orig. Young Turks] para implantar na Turquia uma cópia da modernização secular “de mercado” custou preço terrível. Morreram 1 milhão de armênios e 250 mil assírios; e 1 milhão de anatolianos gregos ortodoxos foram expulsos. Suprimiu-se a identidade curda, e o Islã foi suprimido e demonizado por Kemal Ataturk. Instituições islâmicas foram fechadas e o califato, instituição que existia há 1.400 anos, foi abolido. Tudo isso para criar um estado-nação centralizado, suficientemente poderoso para implantar uma “moderna” estrutura de mercado liberal.

Menos visível, mas também muito lesivo, foi o desenraizamento de homens e mulheres de suas comunidades, a desincorporação cultural, de laços e valores tradicionais. Desorientados, des-culturalizados e deixados à deriva, muitos deslizaram ou na direção do socialismo radical ou da revolução islâmica.

Reagrupando-se depois da 1ª Guerra Mundial (chamada então “Grande Guerra”, que só passou a chamar-se “primeira”, quando eclodiu a “segunda” [NTs]), as “grandes potências” criaram sistemas de “blocos de poder em competição” (demarcando diferenças étnicas, sectárias ou tribais e empurrando-as umas contra outras) por toda a região, para reforçar a influência europeia. Mas as “autoridades” daí resultantes, sem qualquer base em qualquer coisa que se assemelhasse a alguma forma de contrato social, só puderam ser mantidas no poder mediante o uso massivo de forças de segurança e de repressão contra centros de poder rivais. Não surpreendentemente, nos anos 1920s muitos jovens buscavam pensamento novo – e tornaram-se ferozes opositores do “sistema”.

Ao longo dos últimos 30 terríveis anos, o “ocidente” (e, outra vez) seus “interesses” regionais aliados, permaneceram presa de um conjunto igualmente poderoso de ideias – a orientação neoliberal do conservadorismo norte-americano (e a orientação tradicional do conservadorismo norte-americano sempre foi principalmente isolacionista e não intervencionista). Na última década, essas poderosas ideias, buscadas pelo “ocidente” e seus aderentes na região, provaram-se altamente daninhas. Não se trata só dos milhões de refugiados saídos do Afeganistão, Iraque, Palestina e Síria, nem das guerras e sofrimentos, mas, mais significativamente (e outra vez), o que se tem aí é um episódio do pensamento político segundo o qual as pessoas foram “individualizadas”, extraídas da comunidade, dos valores tradicionais, da conexão com o local, das respectivas identidades e, assim, foram separadas das fontes da autoestima.

Esse, de fato, sempre foi um dos principais objetivos da globalização: para conseguir alcançar uma “modernidade” globalizada, os aderentes desse tipo de pensamento deixaram-se levar pelo ímpeto de fazer tabula rasa – varrer, “limpar” –, e “dar um reset” na psicologia humana, enfraquecer o condicionamento pela tradição, para preparar a humanidade para a “modernidade”: daí o interesse por ações de “choque e pavor” e pelos efeitos psicologicamente transformadores da crise.

Diferente do período 1820-1920, que foi mais estrutural e físico, essa “transformação” mais recente (pela qual ainda estamos passando) não visava a ser tão física (embora ainda seja, para os milhões de refugiados), mas, mais, “uma marca feita a fogo” na consciência, disparada por mudanças transformatórias, que mudam a vida (por exemplo, no Iraque) – e disparada também pela “narrativa”, com o uso dos meios e veículos da imprensa-empresa.

Oliver Cromwell
No caso do Oriente Médio, a narrativa preferencial passou a ser a da “democracia” e da “liberdade” (as duas “grandes ideias” d’A Grande Transformação promovida pelos velhos puritanos europeus. Cromwell usou exatamente a mesma narrativa no Parlamento Inglês em 1658).

Mas um dos problemas aqui é que, naquele momento, as noções de “democracia” e “liberdade” foram rapidamente subsumidas dentro da “doutrina Carter” (segundo a qual os EUA não admitiriam a emergência, no Oriente Médio, de governo não amigável). Assim, de fato, pouca coisa mudou: os oligarcas reinantes tipo Sykes-Picot simplesmente continuaram o serviço – sustentados por forças de segurança muito fortes (e partidarizadas).

Essencialmente, portanto – desde os anos 1920s – não há qualquer tipo de real contrato social entre povos e governantes, ou vice-versa. Mais que isso, não se viu qualquer esforço para organizar nações ou sociedades. Isso é especialmente verdade para o Golfo, onde a abundância de petrodólares faz as vezes, como arremedo, da construção da nação. Problemas resolvem-se com dinheiro, soluções compram-se. Assim, em toda a região, emergiu uma elite imensamente rica, que se separou, ela mesma, das raízes e comunidades nativas, para melhor mergulhar na comunidade “virtual”, desculturada, dos realmente ricos. A clássica doutrina dos benefícios econômicos em cascata [orig.   trickle down’ economic benefit] simplesmente jamais sequer foi tentada, no Oriente Médio.

A experiência a partir da qual o presidente Putin da Rússia está desenvolvendo uma ideologia conservadora antissistema não é muito diferente dessa (resultado, lá, da própria experiência da Rússia, primeiro com uma “modernidade” marxista desenraizadora; e, depois, com uma “modernidade” neoliberal para o globalizamento).

Em recente discurso ao Parlamento russo, Putin falou da necessidade de um novo “conservadorismo”. Esse conservadorismo deve ser definido, numa nova abordagem, segundo Fyodor Lukyanov, com bases no “fato de que todo e qualquer progresso, hoje, trará necessariamente resultado negativo”. Em outras palavras: a busca da modernidade por abordagem neoliberal tornou-se daninha em todo e qualquer lugar – além de levar a resultados estrategicamente incoerentes.

Vladimir Putin discursa no Parlamento da Rússia
Putin argumenta que a disparidade entre (a) os valores tradicionais [dos russos], um senso de ser [russo], de valores familiares herdados, de modos de criar os filhos; e (b) os novos “espaços de valores” europeus que emanam hoje do “universalismo” já é grande demais; e que os valores locais devem ser protegidos. Em outras palavras: cada nação e cada cultura é única, com seus valores; sobretudo, a específica identidade.

De fato, Putin está sugerindo um novo conservadorismo estratégico que recusa o globalismo liberal – e que retoma a dimensão nacional em seus conceitos principais, de legitimidade e soberania. Chama esses valores de “conservadores”, mas não no sentido de que impeçam o progresso e, sim, como meio para impedir uma regressão, com queda do abismo moral. “Progresso” nessa definição não é o progresso da modernidade, [1] mas mais, um desejo de voltar ao humano. Ou, como Baudelaire escreveu [2] “Progredir, para eles, não é avançar, nem conquistar, mas voltar e encontrar [...] O progresso, pois, o único progresso possível, consiste em desejar reencontrar a Unidade perdida”. (Em DeDefensa.org, ofereço discussão mais completa sobre as implicações das ideias de Putin [em francês]).

Patrick Buchanan
Num certo sentido, Putin pôs o dedo na natureza da crise no Oriente Médio (apesar de estar falando sobre a Rússia). Patrick Buchanan (“conservador” norte-americano, mas não da gangue dos neoconservadores neoliberais [3]), em artigo intitulado Is Putin One of US?, observa que [Putin] está procurando redefinir o conflito mundial futuro do “nós vs eles” – como conflito no qual os conservadores, tradicionalistas e nacionalistas de todos os continentes e países levantam-se para resistir ao imperialismo cultural e ideológico do que, como Putin o vê, é um ocidente em declínio, cujos valores de globalização provocam “desconforto” em muitos locais.

“Não atacamos interesses de ninguém” – disse Putin. – “Nem queremos ensinar os outros a viverem a própria vida”. O adversário de Putin não é os EUA onde nascemos, mas os EUA onde vivemos” [Buchanan escreve], “que, para Putin, são EUA pagãos e progressistas selvagens. Sem nomear país algum, Putin atacou as “tentativas para impor modelos de desenvolvimento mais progressivos” a outras nações, que já levaram a “declínio, barbárie e muito sangue”: ataque direto às intervenções dos EUA no Afeganistão, Iraque, Líbia e Egito” – Buchanan sugere.

Buchanan não chega a dizê-lo. Mas a formulação “conservadora” de Putin é antipolar, antissistema – e será reconhecida por muitos na região como posição de resistência.

O presidente Assad ou Sayyed Hassan Nasrallah aplaudirão. Não é preciso pensar muito para ver o quanto essas ideias soarão significativas e atraentes no Oriente Médio: elas dão a base para uma nova plataforma regional em torno da qual os estados poderão reunir-se – e que darão direção clara à política russa.

Noutra direção, essas ideias ressoam desde já como um início precoce do debate do século 21: sobre como o Oriente Médio (ou os muçulmanos em geral) vivem no mundo contemporâneo, sem perder a própria comunidade, a localidade, seus valores, tradição e identidade. (Os levantes árabes foram profundamente focados na perda de valores na política e na economia, e nas consequências disso sobre o tecido social). É questão que também surgiu à tona na Europa, sobre a “grande transformação” do sul da Europa, conhecida como “doutrina da austeridade” (como o demonstram, por exemplo, os protestos antissistema que acontecem agora, na Itália. Há ali, subjacente, o sentimento de que as elites europeias são responsáveis pela decomposição do contrato social europeu).

Protestos de estudantes italianos mcontra  a "austeridade" em 15/12/2013
Ninguém tem respostas para isso (é mais fácil formular “um retorno ao modo de vida humano”, que apresentar essa noção como algo realmente político). Mas, ainda assim, a questão é essa.

O caminho à frente vem povoado de diferentes víboras. Alguns farão literalmente qualquer coisa, para preservar o status quo; alguns, para instituir um Islã assertivo; alguns, para instituir um secularismo assertivo; alguns, para instituir a revolução; e alguns para pôr fogo no sistema. É preciso coragem para sugerir que, disso tudo, brotarão a estabilidade e a ordem nos próximos anos.

A questão das “narrativas”: a questão da imprensa-empresa

Tudo isso considerado, por que o “ocidente” erra tão frequentemente ao interpretar o Oriente Médio? Sugerimos aqui que o processo tenha a ver com “a narrativa” – a narrativa da “democracia”, a narrativa da “liberdade” – ou, mesmo, com a narrativa de “a derrubada do presidente Assad não é questão de se: é questão de quando’’. 

Essas “narrativas”, como argumentamos, tem pedigree Puritano de vários séculos, profundamente enraizado. Mas o pensamento político da ala dos conservadores norte-americanos conhecida como “neoconservadores” foi fortemente desestabilizado pela ambiguidade dos jovens americanos contra a guerra, desde a guerra dos EUA no Vietnã.

Retomando o pensamento originalmente articulado por Carl Schmitt e, depois, pela Escola de Chicago, esses pensadores concluíram que nenhum estado que aspire a manter o poder e a posição que tenham pode suportar tal amplitude de ambiguidade moral: a resposta, concluíram então, seria “narrar o inimigo” como tão completa e absolutamente “outro”, como tão completo e absoluto “mal”, que aquela ambiguidade moral se tornaria impossível. Daí a insistência numa narrativa única – sempre idêntica a ela mesma e sempre repetida.

A “narrativa”, desse ponto de vista, torna-se a mais poderosa arma de guerra (na que passou a ser chamada guerra de quarta geração). A “narrativa” foi convertida em “a realidade” que nós próprios “construímos” (como se ouvia de alguns “conservadores”/ neoliberais em 2003).

Manchetes de jornais dos EUA sobre a Síria
[jornais brasileiros são meras cópias (mal) traduzidas] 
O poder dessa narrativa é imenso, sem dúvida (p.ex., veja-se a Síria), mas essa insistência numa narrativa simplória, simplista, ou branco ou preto (embora seja ferramenta efetiva de guerra psicológica), é faca de dois gumes. Porque ela também elimina da paisagem do pensamento todos os demais aspectos de qualquer conflito. Eles são simploriamente desautorizados –  porque comprometem o sucesso de uma narrativa que não pode ser questionada.

No frigir dos ovos, políticos, jornalistas e “especialistas” passam a acreditar na própria narrativa (caem na sua própria armadilha) – até que os eventos (como na Síria) afinal, e dolorosamente, expõem a falsidade da própria narrativa.




Notas dos tradutores

[1] O “progresso” da modernidade fica bem exemplificado, por contraste, na definição de Baden-Powell, o criador do escotismo (“Aquele adulto idiota, de calças curtas, sempre seguido de várias crianças idiotas, de calças curtas”, na definição de Millôr Fernandes): “Parar não ajuda ninguém. É preciso escolher entre progredir ou regredir. Assim, portanto, “SEMPRE AVANTE!” com um sorriso nos lábios”. (risos, risos).

[2] Orig. [P]rogresser, pour eux, ce n’est pas avancer, ni conquérir, mais revenir et retrouver… [...] Le progrès donc, le seul progrès possible, consiste à vouloir retrouver l’Unité perdue.” (Oeuvres posthumes et correspondances inédites / Charles Baudelaire ; précédées d'une étude biographique, par Eugène Crépet (...), Quantin (Paris)-1887.

[3] No Brasil não prosperou a palavra “neoconservadores”; em vez dela, sempre se usou aqui a palavra “neoliberais”. De fato, as duas palavras, no Brasil, designam o mesmo grupo desde o primeiro governo FHC-Clinton,  (PSDB + DEM + Ruralistas + Grande Finança Internacional + USP + imprensa-empresa).
Parece haver aí em operação um interessante “golpe narrativo”, que bem merece ser melhor estudado (embora seja difícil identificar QUE BLOCO POLÍTICO-INTELECTUAL ATIVO NO BRASIL HOJE, teria interesse político em estudar e fazer-ver a ABSOLUTA identidade de pensamento, propostas e táticas, por aqui, entre “neoliberais”, “neoconservadores”, “fascistas” e “éticos-ecológicos-bonzinhos”, feito a INSUPORTÁVEL Marina Silva).
É essa absoluta identidade, aliás, que levou a imprensa-empresa, no Brasil, a apresentar como “neoliberais” alguns perfeitos, totais,  “fascistas”. A opção pela palavra “neoliberais”, no jornalismo de propaganda (praticamente o único que se pratica no Brasil), reforça o traço economicista pseudo-liberal; e ajuda a esconder o traço conservador político fascistizante.
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[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no mundo.

Ninguém ataca Stalingrado sem receber resposta

30/12/2013, [*] The Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


A Arábia Saudita ofereceu secretamente à Rússia acordo abrangente para controlar o mercado mundial de petróleo e salvaguardar contratos de gás da Rússia, se o Kremlin se afastar do regime de Assad na Síria.
As-Safir noticiou que o príncipe Bandar prometeu salvaguardar a base naval russa na Síria, se o governo Assad for derrubado; mas também deixou sugerido que haverá ataques dos terroristas chechenos contra os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, Rússia, se não houver acordo. Bandar teria dito que:

Posso lhe garantir proteção para os Jogos Olímpicos do ano que vem. Os grupos chechenos que ameaçam a segurança dos jogos são controlados por nós.


Pelo menos 15 pessoas foram mortas quando uma explosão destruiu um ônibus elétrico em Volgogrado (ex-Stalingrado) na 2ª-feira (23/12/20130)

Um ataque por homem-bomba numa estação de trens lotada, no sul da Rússia, no domingo, seguida de uma explosão num ônibus elétrico na 2ª-feira na mesma cidade, faz surgir o espectro de uma nova onda de terrorismo, a apenas seis semanas do início dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi.

O governo do presidente Vladimir V. Putin trabalhou para proteger os Jogos Olímpicos, com algumas da mais amplas medidas de segurança jamais tomadas para esse tipo de evento. Mas as bombas em Volgogrado são mostra da ameaça que o país enfrenta, de um grupo de radicais islamistas no Norte do Cáucaso, que periodicamente ataca, com resultados mortais, inclusive em vários ataques recentes.

Ninguém ataca Stalingrado sem receber resposta. As forças de segurança russas providenciarão resposta imediata e dura no plano local. Haverá pressão para que Putin aja também diretamente contra a Arábia Saudita. A Rússia considerará a importância de fixar um precedente. A resposta virá, embora provavelmente seja adiada, em modalidade espetacular.




[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como“Whisky Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). No Brasil, produzimos versão SENSACIONAL, na voz de Cida Moreira, gravada em “Cida Moreira canta Brecht”, que incorporamos às nossas traduções desse blog Moon of Alabama, à guisa de homenagem. Pode ser ouvida a seguir:


domingo, 29 de dezembro de 2013

“Omertá” “high-tech” e colusão com a Agência de Segurança Nacional dos EUA

28/12/2013, [*] Peter Lee, China Matters
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu: Traduzimos o que aí vai, mesmo sem entender várias tech-coisas. Mas entendemos muito bem que há uma determinada tech-coisa, que os fabricantes incluem em programas, que é fabricada e foi vendida e comprada como item de PROTEÇÃO de arquivos e programas. Mas a mesma tech-coisa, se ligeiramente modificada (“batizada”, como se diz no Brasil, de bebidas falsificadas), pode FACILITAR a invasão de arquivos e programas [e parece ser o que se chama, “porta dos fundos”, (backdoor)] pela qual o tech-ladrão pode entrar e – como já se sabe, depois das revelações de Snowden – a ASN-EUA sempre entrou, entra e quer continuar a entrar).

Parece que todo mundo sabe que a ASN-EUA, como compradora, “incentivou” o fabricante dessa tal coisa, já alterada para FACILITAR a invasão de programas e arquivos, a metê-la programas que aquela empresa fabricante vendeu (como proteção) a consumidores do universo inteiro, para facilitar a invasão, que a ASN-EUA tinha e tem interesse em fazer.

Isso, além de detonar o próprio business da tech-segurança no mercado planetário, DETONA qualquer fantasia de “proteção de sua privacidade” que tantos vivem de tentar NOS vender. E, sem “segurança”, ninguém mais comprará porcaria nenhuma pela internet – e esses negócios JÁ DESABARAM em todo o planeta.

Ante o risco do fim do próprio negócio, as gigantes da Internet estão enlouquecidas. Mas, sim, parece que todo mundo já sabe que aconteceu exatamente como parece que aconteceu.

Em setembro passado, Snowden distribuiu documentos que comprovam QUE O NEGÓCIO FOI FEITO EXATAMENTE ASSIM, sim senhor. Até a Reuters já noticiou, como se lê abaixo.

Desnecessário dizer que a questão da “privacidade” – pessoal, dos usuários, a nossa privacidade – é café pequeno liberal, absolutamente sem importância alguma. As empresas do mundo não estão preocupadas com alguém saber dos NOSSOS segredos (e, de fato, tampouco NÓS AQUI temos qualquer ilusão de que elas não possam conhecer todos os nossos segredos, se decidirem conhecê-los – e logo nós, que estamos na rede há vinte anos, visitando páginas e páginas, e escrevendo sem parar! \o/ \o/ \o/ \o/ \o/).

As empresas do mundo estão preocupadas, isso sim, é com os concorrentes saberem dos segredos DELAS.

ISSO, sim, está pondo fogo no mundo da “segurança” e da “espionagem” que são, como sempre foram no mundo, sempre, no mínimo TAMBÉM, puro sujo business.

Outro aspecto também muuuuuito interessante disso tudo, é que a imprensa-empresa liberal como a conhecemos – que sempre viveu de publicar mais ficção e opinião-de-jabores, que fatos; e que, em matéria de informação, sempre publicou muuuuuito menos do que sabia e sabe, sempre muito menos dedicada a informar sobre algum suposto “fato”, do que à promoção dos seus próprios interesses políticos e empresariais – está, também, com a corda no pescoço.

Se Snowden e Greenwald constituírem mesmo a imprensa-empresa que estão constituindo, estaremos diante do estranhíssimo fato de que haverá no mundo, afinal, UMA empresa-imprensa, que possui documentos suficientes para alimentar a opinião pública com fatos REALMENTE documentados sobre praticamente TODOS os eventos sobre os quais as editorias de “internacional” de todos os jornais-e-televisões-como-os-conhecemos no mundo inteiro vivem cheios de opiniõezinhas. E contra ela haverá legiões de outras empresas que, de material “noticioso” a publicar, só terão as opiniõezinhas-de-jabores-waacks-&-villas! \o/ \o/ \o/ \o/ \o/

O Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estado), no caso do Brasil, estará convertido, monolíticamente sempre igual e previsível, como já é, numa espécie de mega-Pravda sionista totalmente golpista visível, quer dizer, super “transparente”! \o/ \o/ \o/ \o/ \o/

Que consumidor continuará interessado EM PAGAR para ler uma espécie de mega-Pravda sionista golpista do tucanato privateiro paulista, DEPOIS de ter sido informado dos fatos como os fatos realmente aconteceram?!

Ou, perguntado de outro modo: até quando o consumidor dos produtos do Grupo GAFE – que, no Brasil, é obrigatoriamente também eleitor – continuará disposto a PAGAR PARA LER:

(a) propaganda de empreendimentos imobiliários;
(b) propaganda de novos modelos de carros; e
(c) propaganda eleitoral antecipada e ilegal (na maior parte do tempo) dos candidatos da privataria tucana udenista sem votos?!

FELIZ ANO NOVO!
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Manifestação de 6a. feira (27/12/2013) em Berlim contra a espionagem dos EUA
Com RSA, [1] nome grande e respeitado (de fato, só as iniciais) na criptografia, já virando manchete de escândalo na imprensa, por ter arrancado 10 milhões de dólares da Agência de Segurança Nacional dos EUA e, em troca, ter metido um RNG (Random Number Generator), um gerador de números aleatórios, só que “batizado”, codinome DUAL EC EBRG, em seus produtos (os RNGs ajudam a gerar chaves de encriptação; um RNG “batizado” gera número limitado, mais facilmente quebrável, de conjuntos de chaves), algumas observações:

Primeiro; como provavelmente todos lembrarão, o “batismo” nos RNGs da ASN-EUA foi revelado numa fornada de documentos de Snowden em setembro, e uma empresa RSA embaraçada e gaguejante lançou imediatamente uma recomendação para que os seus clientes e usuários deixassem de usar aquele específico gerador de números aleatórios (RNG), que compraram para encriptar e proteger suas mensagens.

Segundo; já no mês de outubro havia rumores sobre considerações financeiras operantes na disposição da empresa RSA para incluir o RNG (“batizado”) em seus produtos. Aqui, um trecho do que escrevi naquela época:

Ira Flatow
[Em recente episódio de Science Friday] Ira Flatow perguntou a Philip Zimmerman [criador do sistema PGP de chave aberta para encriptação de e-mails] por que a empresa RSA faria tal coisa. Houve um longo, longo, incômodo silêncio e uma risada estranha, antes de Zimmerman deslizar para a voz passiva e falar como terceiro não envolvido:

ZIMMERMAN: E a RSA fez uma segurança – usou mesmo como seu gerador padrão de números. E eles têm criptógrafos competentes trabalhando lá... Não sei.

FLATOW: Mas como você explica isso?

ZIMMERMAN: Bom, não vou... Acho melhor não ser eu a dizer.

(RISOS)

FLATOW: Mas se outra pessoa dissesse, diria o quê?

ZIMMERMAN: Ora... outra pessoa talvez dissesse que eles podem, talvez, ter sido incentivados...

Phil Zimmermann
Zimmerman talvez já tivesse recebido alguma “dica” sobre os documentos mais importantes de Snowden. Acho mais provável que já tivesse ouvido alguma coisa nos círculos high-tech, mas não tinha interesse algum em chamar sobre si toda a fúria legalista e corporativa, acusando abertamente a empresa RSA de ter recebido dinheiro público. (Aí está uma interessante questão legal: é crime publicar que uma empresa norte-americana concluiu transação comercial legal com o governo dos EUA, que queria comprar só maçãs podres?).

Terceiro; A Culpa é dos Engravatados! Como a Reuters expôs:

Não houve protesto, disseram ex-empregados, porque o negócio foi conduzido por empresários das empresas, não por puros tecnologistas (sic).

O grupo do laboratório teve papel muito intrincado no BSafe [a linha de produtos vendidos pela empresa RSA, que continham o gerador de números “batizado”] e todos, basicamente, já não estavam lá – disse o veterano do laboratório, Michael Wenocur, que saiu em 1999.

Na verdade, Bruce Shneier, analista externo de segurança e outros, levantaram muitas graves preocupações sobre o DUAL EC EBRG em 2007 num fórum público e, como Zimmerman disse, a RSA tinha criptógrafos competentes no prédio. O DUAL EC EBRG “batizado” foi oferecido apenas como uma opção; usuários entendidos em questões de segurança, teriam escolhido outro RNG padrão, melhor. E os criptógrafos da RSA poder-se-iam consolar, com a consciência tranquila, porque, mesmo que o Usuário Final Sem Noção mantivesse o DUAL EC EBRG como padrão, provavelmente a única entidade com capacidade para coletar e analisar e efetivamente explorar o que encontrasse, seria a própria Agência de Segurança Nacional dos EUA.

Art Coviello
Em outras palavras, não foi só o Diretor Executivo da RSA e já declarado “Vilão” Art Coviello, que se esgueirou para dentro do laboratório e “batizou” o produto, inserindo nele o código letal, enquanto os “tecnologistas” inocentemente embalavam e embarcavam o produto podre.

Quarto; acho que há crescente consciência de que elemento significativo da história de Snowden é a colusão entre as empresas Big Tech e a Agência de Segurança Nacional dos EUA, alimentada pela consciência de que os dois lados queriam a mesma coisa: uma boa porta dos fundos instalada na Internet inteira, aberta para dados que permitam traçar “perfis” individuais [de consumo, dos usuários], e que permita ao aparelho de vigilância tudo invadir. O “sistema”, assim, tolera as quebras de segurança resultantes (como o custo a pagar para obter o negócio e/ou como “dano colateral”). [2]

Duvido muito que essa história continue a aparecer nos jornais e televisões, porque há consideráveis interesses econômicos, políticos e ideológicos aí investidos, que vão diretamente até o Salão Oval, dedicados a perpetuar a imagem de um poder benigno, democrático-do-povo que cuidaria de prover segurança da informação.

Os eleitores interessados em ver a Google e outras tech-gigantes dividindo a culpa, com a Agência de Segurança Nacional dos EUA, por terem, todas elas, arruinado a Internet – e, no processo, fazendo evaporar algumas poucas centenas de bilhões de dólares do dinheiro dos cidadãos, do mercado e das ações – são, por outro lado impotentes e em número cada vez menor.

Dentro da tech-indústria, a atitude parece ser de controle de danos, quer dizer, iniciativas, pelos veículos da imprensa-empresa, para convencer a opinião pública de que as empresas de Internet cuidam de VOCÊ e odeiam ajudar esse governo sujo e autoritário que nos espiona.

Quanto à questão de se surgirá ou não uma empresa-imprensa Snowden, a atitude parece ser, como diria Phil Zimmerman – autêntico, legítimo herói das guerras da encriptação nos anos 1990s – de “Acho melhor não ser eu a dizer”. Parece que o código da Omertá vive na indústria de tecnologia.

Quinto; acho engraçado, às vezes meio irritante, que, desde que comecei a escrever sobre a empresa RSA em outubro, sou bombardeado com anúncios pop-up da mesma RSA, no meu próprio blog e por toda a internet. É o equivalente Internet de um Golden Retriever farejador que me persegue pelas ruas, movido pelo irresistível impulso de cheirar os fundilhos das minhas calças. Alguém tire esse bicho daqui! Já!



Notas dos tradutores

[1] RSA é um algoritmo de criptografia de dados, que deve o seu nome a três professores do Instituto MIT (fundadores da actual empresa RSA Data Security, Inc.), Ronald Rivest, Adi Shamir e Leonard Adleman, que inventaram este algoritmo — até a data (2008), a mais bem sucedida implementação de sistemas de chaves assimétricas; fundamenta-se em teorias clássicas dos números. É considerado dos mais seguros, já que mandou por terra todas as tentativas de quebrá-lo. Foi também o primeiro algoritmo a possibilitar criptografia e assinatura digital, e uma das grandes inovações em criptografia de chave pública. Pode-se também saber algo sobre a empresa RSA Data Security, Inc..

[2] É exatamente o que Foucault disse que já era nos anos 70s: “A terceira forma não é típica do código legal ou do mecanismo disciplinar, mas do apparatus (dispositivo) de segurança (...) [Em vez de impor um conjunto binário de proibidos e permitidos], “estabelece-se uma média considerada ótima, de um lado; e, do outro, uma largura de banda do aceitável (...)”. Michel FOUCAULT, “Segurança, Território, População”: Conferências no College de France, 1977-1978.
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[*] Peter Lee é jornalista norte americano de origem chinesa que escreve sobre assuntos dos países do sul e leste da Ásia e a intersecção de negócios entre essa região e os EUA. Além de articulista de várias publicações anima o blog China Matters.