sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Ammar Al-Mussawi: “Se Assad cair, o extremismo islâmico se aproximará da Europa”


8/1/2013, Ugo Tramballi (enviado especial), Il sole 24 ore, Milão
Entrevista traduzida pelo pessoal da Vila Vudu

Ver também:  
8/1/2013 – redecastorphoto, Franklin Lamb em: Assad no Teatro de Ópera de Damasco.
11/1/2013, redecastorphoto, Pepe Escobar,em: Syria: A jihadi paradise

Ugo Tramballi
BEIRUTE. “A presença local da UNIFIL [United Nations Interim Force In Lebanon (Força Provisória da ONU no Líbano)] interessa ao Líbano. Para nós é fundamental” – diz Ammar al-Musawi, que nos recebe em local protegido num dos bairros periféricos de Beirute. Para nós, italianos, é notícia importante, dado que há 12 mil soldados da ONU na região de fronteira com Israel, sob comando de um general italiano. Daquele total, mais de mil soldados são italianos – o contingente mais numeroso. “O mais importante é o relacionamento que se criou entre os soldados da UNIFIL e nossa população local” – xiita, em grande parte e apoiadora do Hezbollah.

Ammar al-Mussawi é também dito Said [grafia ing., sayyed], como o secretário-geral e principal dirigente do movimento islâmico xiita, Hassan Nasrallah: a palavra é como um título de honra, atribuído aos reconhecidos como descendentes do Profeta. Mussawi é o número 3 do Hezbollah, encarregado das Relações Internacionais; é o ministro das Relações Exteriores do Partido de Deus.

Ammar Al-Mussawi é Ministro das Relações Exteriores do
Hezbollah e o 3º na hierarquia do partido
Ugo Tramballi (UT): Mas o Hezbollah continua a apoiar a Síria de Bashar Assad, mas o governo italiano está mais próximo da oposição.

Ammar al-Musawi (Musawi): Divido a Europa em dois grupos: os países que fazem tudo que os EUA ordenem e os países independentes. Muito me surpreende a posição italiana, às vezes parceiro independente, às vezes acomodado. Bom seria que a Europa oferecesse ao mundo uma política de mais autonomia.

UT: O governo de Assad começa a mostrar sérias dificuldades. A força do Hezbollah advém de seus analistas e estrategistas saberem ver longe. Os senhores têm algum “plano B” para a Síria?

Musawi: É nosso direito e nosso dever considerar um plano alternativo, mas não no sentido de que, perdendo a Síria, perdêssemos um aliado. Muitos entendem que, mais dia menos dia, a Síria se tornará hostil ao Hezbollah: o cenário ainda é impreciso e indefinido. Sem dúvida estamos preocupados, mas não é problema que preocupe exclusivamente o Hezbollah.

UT: Como ficarão as coisas depois de Bashar?

Musawi: É possível que a Síria deixe de ser estado unitário; que seja dividida numa série de emirados junto à fronteira turca e cada um, vários ou todos, proclamará seu Estado Islâmico. Se o regime de Assad cair, o cenário que prevemos é esse. Nossa verdadeira preocupação é preservar a integridade do Estado sírio. Segundo informações que temos, um terço dos combatentes da oposição são extremistas religiosos; e dois terços das armas estão sob controle desses extremistas. Incapaz de fazer guerra direta à Síria, o Ocidente faz guerra por procuração.

UT: Qual o cenário com o qual o senhor trabalha?

Musawi: Que, sem a Síria, o terrorismo virar-se-á para outra direção. Como aconteceu no Afeganistão. Mas a Síria não é Tora Bora. A Síria está no Mediterrâneo, muito próxima da Europa.

Paolo Serra
UT: Em entrevista ao jornal Sole-24 Ore, o general Paolo Serra, comandante da UNIFIL, disse que o Hezbollah colabora para impedir que o sul do Líbano seja contaminado pela guerra na Síria.

Musawi: Não teria como dizer coisa diferente, porque nós somos transparentes e não é segredo que estamos colaborando com a ONU. Os ocidentais é que insistem em não entender nossa posição política, porque sempre confundem terrorismo, violência e resistência. Nosso movimento é movimento de resistência. No norte, em Trípoli, a situação é completamente diferente. Hoje, no Líbano, o extremismo está crescendo, entre salafistas locais e salafistas que vêm de fora. Ainda não preocupam, mas aumentam, sim, lentamente. Os que pensam em usar o extremismo salafista contra nós cometem erro gravíssimo: o extremismo pode tornar-se absolutamente incontrolável.

UT: Se o regime de Damasco usasse as armas químicas e o ocidente atacasse, o que faria o Hezbollah?

Musawi: Jamais acontecerá. No ocidente, os militares são mais moderados que os políticos, porque os militares sabem o que é a guerra. Mas se acontecer, todos teremos de refazer nossos cálculos. Um ataque contra a Síria seria ameaça a toda a área na qual estamos inseridos: geraria guerra regional.

UT: E o que faria o Hezbollah, se Israel atacasse as instalações nucleares iranianas?

Musawi: É difícil responder sobre hipóteses. Seria evento importante, teríamos de pensar e analisá-lo. À luz de pensamento novo sobre situação nova, decidiremos o que fazer. Além disso, há gente demais interessada em saber dos nossos planos. Preferimos que continuem como estão hoje: curiosos, sem nada saber.

UT: É praticamente certo que nas eleições desse mês em Israel, o vencedor será Bibi Netanyahu. Terá mais força para impedir a bomba iraniana.

Musawi: Israel conhece a situação melhor que ninguém e sabe que o Irã é objetivo difícil demais. As ameaças de Netanyahu visam menos ao Irã e mais ao ocidente, porque Israel sabe que é fraca demais para atacar sozinha: depois da derrota que Israel sofreu, no mais recente ataque que tentou contra Gaza, em novembro, ficou ainda muito mais improvável que Israel ataque o Irã. O verdadeiro objetivo de Israel é evitar qualquer compromisso político com os palestinos.

UT: Mas o senhor entende que o Irã tenha direito de ter sua bomba atômica?

Musawi: Os iranianos têm pleno direito de usar a energia atômica para finalidades civis, sim. É direito deles. Quanto à bomba, os iranianos não a querem; até o aiatolá Khamenei já declarou que o Islã interdita, proíbe, a bomba atômica. Mas suponhamos que o Irã decida converter-se em potência militar nuclear; é uma hipótese; já sabemos que os iranianos não querem nada disso. Por que não teriam o direito de ser também potência militar atômica? De fato, o Irã está cercado de países “nucleares” – o Paquistão, a Índia, a Rússia, Israel – e já está sob ataque econômico das sanções de outra potência nuclear, os EUA. Até a Turquia possui as armas da OTAN. Em toda a região, só o Irã não está protegido por qualquer escudo de armas atômicas. 

UT: Muito mais que a Síria, o Irã é indiscutivelmente aliado absoluto do Hezbollah. Como o Hezbollah reagiria, se Israel atacasse o Irã?

Musawi: Assim como os EUA entendem que qualquer ameaça a Israel seja ameaça contra a segurança nacional dos EUA, assim também o Hezbollah tem pleno direito de entender que qualquer ameaça ao Irã seja ameaça contra a segurança do Partido de Deus e da aliança. Se o Irã algum dia for atacado por Israel, seremos forçados a defender os interesses do Líbano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.