terça-feira, 19 de março de 2013

Missão papal: construir confiança na China


15/3/2012, Francesco Sisci, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 




Francesco Sisci é colunista do jornal diário italiano Il Sole 24 Ore.
Recebe e-mails em: fsisci@gmail.com 



PEQUIM – Nomes de papas são declarações políticas sobre a governança da Igreja Católica Romana, e não é coincidência que o novo pontífice tenha escolhido chamar-se Francisco, o nome do santo de Assis, do século 12, mas também como o grande jesuíta Francisco Xavier, que viajou em várias missões pela Ásia e China no século 16. Foi Francisco Xavier quem mandou à China o famoso missionário Matteo Ricci, homem que sozinho quase conseguiu converter toda a China, se seus esforços não tivessem sido contra-atacados por Roma.

A China, preocupada com o conceito de “soft power” [poder suave], está muitíssimo atenta ao poder “soft” imenso, sem paralelos, da Igreja, dado que aí se concentram os verdadeiros “exércitos do Papa”.

O catolicismo romano é a maior religião do mundo e conta com, de longe, o mais influente aparato espiritual. Todas as semanas, milhões dos 1,3 bilhões de católicos batizados (número equivalente a toda a população chinesa) repetem o rito de adesão à própria fé, ao assistirem à missa. O Vaticano pode também contar com milhões de voluntários; centenas de milhares de padres, professores e funcionários de vários tipos; e milhares de bispos em cada canto do planeta.

O Papa tem influência sobre centenas de milhões de Protestantes e sobre um número pequeno, mas não insignificante, de cristãos ortodoxos, embora tenham surgido, ou se erguido, em oposição a Roma. Conta também com grande respeito que lhe vem de países muçulmanos, divididos entre milhares de mesquitas e mulás, mas no total com talvez cerca de 1,5 bilhões de seguidores.

Xi Jinping (E) e Papa Francisco (D)
Claro que, hoje mais que nunca, esse poder imenso, que se alastra por mais de um império, teme os muitos sinais, diretos e indiretos, de profunda crise, ou divisão, que são questões materiais e não exclusivamente questões de teologia. Há questões espirituais, mas também há questões muito práticas, e a Santa Sé está bem consciente dos dois elementos. Afinal, se trata de religião que conscientemente vestiu as vestes da última fase do Império Romano e as sacralizou.

Pequim sabe que a Igreja conhece bem o próprio poder. E, paradoxalmente, os muitos problemas globais da Igreja Católica, levam o Vaticano a prestar grande atenção à China, como se discutirá a seguir.

O primeiro grande problema que pesa sobre o papado que se inicia são as crianças sexualmente agredidas. É problema profundo de moralidade e, portanto, ameaça toda a credibilidade do universo da evangelização, mas implica também prosaicas preocupações financeiras. A Igreja dos EUA, a mais fortemente sitiada pelas acusações, provê cerca de 40% dos fundos de que vive o Vaticano, apesar de os católicos norte-americanos mal chegarem a 5% do total de católicos.

Em anos recentes, o presidente Barack Obama dos EUA ameaçou remover o prazo para que se processem paróquias e dioceses acusadas de dar cobertura a padres pedófilos e molestadores de crianças. Na verdade, no caso de processos por abuso sexual, a diocese sempre optou por pagar, fosse o que fosse, para evitar processos públicos que humilhariam toda a Igreja.

Se esses prazos para julgar padres acusados de abusos sexuais de crianças forem removidos, todos os molestados há 20, 30 ou até há 40 anos poderiam formalizar acusações criminais contra praticamente todas as dioceses nos EUA, o que levaria à bancarrota física e espiritual o Catolicismo nos EUA. Os católicos norte-americanos poderiam ficar sem igrejas onde rezar e deixariam de pagar seus muitos dólares a Roma – o que, na prática, levaria à bancarrota toda a Igreja Católica em todo o mundo. Hoje, mais do que jamais antes, os desvios sexuais dos padres dão ao governo dos EUA enorme poder sobre a Igreja de Roma. E há problemas semelhantes na Europa, onde as igrejas estão desertas de fiéis e, assim, sem almas para orientar, ao contrário dos EUA, onde as igrejas continuam lotadas.

Para fugir a essa chantagem o mais rapidamente possível, a Igreja tem de desenvolver “mercados alternativos” – desafio considerável, no longo e no curto prazo. América Latina, África e Ásia implicam desafios diferentes. A América Latina, com várias ex-colônias da Espanha ultra católica e de Portugal, está já infiltrada por evangélicos, que conquista convertidos aos magotes, em terras que, antes, eram territórios reservados de Roma. Para alguns católicos, essa evangelização é outra face da antiga conspiração dos protestantes norte-americanos, sempre interessados em insuflar as chamas dos crimes sexuais e reduzir o número global de católicos. Nesse caso, menos fiéis traduz-se em muito menos dinheiro para Roma.

Na África subsaariana as coisas não vão tão mal: o catolicismo está em expansão, hoje já com mais de 170 milhões de seguidores. Mas também lá os problemas são imensos. Contribuições da África, hoje e em futuro próximo muito pobre, absolutamente não bastam, como substituição para os muitos milhões que chegam a Roma, vindos dos EUA e da Europa. Além do mais, a Igreja na África, que se expandiu em áreas nas quais sempre predominaram religiões profundamente animistas, enfrenta todos os tipos de problemas, de padres casados e com filhos, até todos os tipos de mestres feiticeiros.

Em vários sentidos, as relações entre Roma e o mundo muçulmano são hoje as melhores, em séculos: não há oposição frontal, nem há guerra santa – como tantas vezes se viu em séculos passados. Mas veem-se cristãos, por todo o mundo muçulmano, vítimas do que já se interpreta como “limpeza” religiosa. E xeiques e mulás milionários financiam a construção de mesquitas na Europa e nos EUA, sempre em busca de colher mais almas, apoiam migrantes muçulmanos na Europa e nos EUA e fazem avançar a fé muçulmana em áreas que, antes, foram exclusivamente cristãs. O que fazer desse duplo desafio que lhe vem do Islã também é problema que pressiona Roma.

Católicos apostólicos romanos no mundo distribuição regional (1910/2010)
Assim, tudo se volta na direção da Ásia, onde há problemas de longo e curto prazo. As economias asiáticas operam melhor que em qualquer outra parte do mundo; 60% da população mundial vive ali e, em breve, estará produzindo a maior parte da riqueza do planeta. Para a Igreja Católica de Roma, conseguir fazer-se presente ali e agora, quando está sob sítio em todo o resto do mundo, pode ser a diferença entre (a) continuar a ser força significativa no século 21, ou (b) deslizar em processo de declínio rápido.

Na Ásia a Igreja é fraca e enfrenta oposição mais poderosa que em qualquer outra parte do mundo, sob a forma de hinduísmo, Islã, budismo e governos locais que não dão qualquer sinal de reverência ante o trono de Pedro. Os números são baixos, menos de 5% da população local, proporção já distorcida, porque mais da metade dos católicos asiáticos estão nas Filipinas. Sem a contribuição das Filipinas, a porcentagem cai para cerca de 2%.

No continente, segundo Yan Kin Sheung Chiaretto em China and Prospects for the New Evangelization, [1] é difícil planejar-se para um rápido programa de evangelização. A única real abertura é na China, onde, apesar de tudo que se lê na imprensa-empresa ocidental há mais liberdade religiosa que em qualquer outro lugar; o budismo é muito fraco; e os chineses têm fome de novas religiões. Os protestantes já o comprovaram: sem qualquer esforço especial, já capturaram cerca de 10% da população, em uma década.

Os católicos ali não passam, com certeza, de 1% – mais provavelmente, estão em torno de 0,5% – e com distribuição rarefeita, sem quase nenhuma evangelização. A China é a maior economia do mundo, não tem problema algum com acusações de abusos sexuais, e o mundo muçulmano é preocupação ali, quase tanto quanto em Roma: ali pode estar a solução para todo o futuro da Igreja Católica. A China sabe da própria necessidade de compreender o mundo e de ser compreendida no resto do mundo. Roma pode ter papel crucialmente importante no papel gigantesco de integrar esse vastíssimo país num mundo ainda dominado por EUA e Europa.

Sem a China, em resumo, a Igreja Romana terá de defender-se sozinha de ataques que lhe veem de todos os lados e bem pode acontecer de ver todos os seus problemas multiplicados.

Houve tempos em que toda a defesa da Igreja se fez a partir de Lepanto: hoje pode ser tentada a partir de Pequim. Sem Roma, a China permanecerá muito fraca, entre as nações do mundo. Essa conjuntura com certeza aproximará as duas potências. O problema está em que só muito raramente essas imensas equações podem ser operadas, em mundo no qual as atenções focam-se em pequeníssimos detalhes. Em termos teológicos, a multidão de detalhes é trabalho do diabo, não para unir, mas para separar.

Talvez esse primeiro Papa jesuíta consiga saltar sobre a separação. E o novo presidente da China, Xi Jinping, eleito poucas horas antes do Papa, talvez veja na coincidência algum yuanfen – o destino - obrando para unir as pontas.



Nota dos tradutores
[1]  CHIARETTO, Yan Kin Sheung, The evangelization of China today: challenges and prospects : in the light of recent documents of the Magisterium (1978-2010), Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, 2012.  



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