segunda-feira, 27 de maio de 2013

Pink Code a Obama (na lata): “Seus drones aumentam a insegurança nos EUA!”

24/5/2013, The Real News Network, TRNN [vídeo e fala traduzida]
Entrevista traduzida pelo pessoal da Vila Vudu

“Quero dizer também que no que tenha a ver com as políticas dos drones e de Guantánamo sobre as quais o presidente Obama falou, temos de nos dar algum mérito, nós também, como ativistas, como gente que protesta. E temos de dar mérito também aos prisioneiros que estão em greve de fome, sobretudo em Guantánamo.
A verdadeira razão pela qual Obama teve de fazer esse discurso é porque já está bem claro que muita gente está farta dessa guerra perpétua, muita gente já está farta de drones (Michael Ratner, na entrevista a seguir)

Michael Ratner e Paul Jay analisam a defesa que o presidente Obama fez de seus drones e de sua política para Guantánamo – política baseada na continuada opressão do Oriente Médio. O discurso de Obama foi interrompido por Medea Benjamin, do grupo Pink Code.


PAUL JAY, EDITOR SÊNIOR DE TRNN: Na 4ª-feira, em Fort McNair em Washington, o presidente Obama, na National Defense University fez discurso político, sobre suas políticas dos drones e de Guantánamo. O discurso foi interrompido. Vejam [no vídeo] um momento do que aconteceu.

[vídeo do discurso] BARACK OBAMA, presidente dos EUA: Nós prosseguimos... Nós continuamos [a fala é interrompida].

MEDEA BENJAMIN, cofundadora do Grupo Code Pink: [inaud.] O senhor pode dizer ao povo muçulmano que a vida deles é tão importante quanto a nossa? Pode tirar os drones das mãos da CIA? Pode pôr fim aos assassinatos pré-definidos, que estão matando pessoas a partir de simples suspeitas sobre o que façam?

OBAMA: Estamos tratando disso, minha senhora.

BENJAMIN: Pode pedir desculpas aos milhares de muçulmanos que o senhor assassinou? Indenizará as famílias de vítimas inocentes? Só isso nos dará maior segurança aqui nos EUA. Amo meu país. Amo o Estado de Direito. Os drones diminuem nossa segurança, aqui nos EUA. E manter pessoas presas por prazo indefinido em Guantánamo também aumenta a insegurança aqui nos EUA. Respeite o Estado de Direito [inaud.]

OBAMA: Deve-se sempre prestar atenção à voz dessa mulher. Obviamente, não concordo com muito do que ela diz. E obviamente ela não prestou atenção a muito do que eu disse aqui.

JAY: Aí falou Medea Benjamin, do Grupo Pink Code. O presidente Obama sugeriu que se deveria prestar atenção ao que ela disse, mas não há dúvida de que parecia abalado, quando retomou o discurso.
Antes de ser interrompido, o presidente Obama começara sua fala com uma contextualização geral de por que sua política de drones seria necessária. Aqui, um trecho daquela primeira parte do discurso.

[vídeo do discurso] OBAMA: Sobretudo, temos de reconhecer que essas ameaças não surgem no vácuo. Grande parte, embora não todo, o terrorismo que enfrentamos é alimentado por uma ideologia comum – uma crença, de alguns extremistas, de que o Islã está em conflito com os EUA e o ocidente, e que a violência contra alvos ocidentais, inclusive contra civis, é justificada na busca de uma causa maior.

JAY: O presidente Obama não fez sugestão alguma sobre qual poderia ser essa causa maior. Na verdade, sugeriu que o povo norte-americano estaria sendo ameaçado por aqueles extremistas. Os EUA estariam na defensiva. Mas não falou absolutamente coisa alguma sobre o que aqueles “extremistas” dizem sobre por que fazem o que fazem. Pode-se voltar à carta de bin Laden aos norte-americanos, antes das eleições de 2004, na qual escreveu bem claramente o que pensava. Bin Laden escreveu (e o cito): “se vocês pensam que combatemos contra os EUA porque odiemos a liberdade, nesse caso por que não atacamos a Suécia?”

Vocês também viram bin Laden e outros deles dizer que atacam os EUA por causa das políticas dos EUA no Oriente Médio, porque os norte-americanos querem estabelecer sua hegemonia no Oriente Médio.

E pode bem ser que esses “extremistas” representem uma visão do Oriente Médio da qual os homens e mulheres do Oriente Médio não partilham, que muitos dos que creem no Islã não partilham. Aquela é uma visão radical medieval, que mais combinaria com os séculos 14 ou 15. Mas, no mínimo, tem algo a ver com resistir contra o que os EUA fazem, na tentativa de controlar o Oriente Médio, e que inclui, por exemplo, apoiar ditaduras na Arábia Saudita, Qatar, Bahrain. O presidente Obama em seu discurso mencionou que apoia a democracia na Líbia e na Tunísia e no Egito, mas não mencionou que os EUA continuam a fazer jorrar dinheiro para os militares egípcios, que pouco fazem para promover a democracia.

Em outras palavras, para contextualizar tudo isso, é preciso falar da política externa e da política militar dos EUA em toda aquela região; é preciso falar sobre petróleo; e é preciso falar sobre o movimento de projetar o poder dos EUA. Só depois de falar sobre tudo isso seria possível falar dos drones e de Guantánamo e de por que os EUA poderiam considerar-se ameaçados.

Hoje, para comentar o discurso do presidente Obama e esmiuçar especificamente sua política dos drones e Guantánamo, está conosco Michael Ratner. Michael é presidente emérito do Centro de Direitos Constitucionais em New York; e presidente do Centro Europeu para Direitos Constitucionais e Direitos Humanos em Berlin. É participa do Conselho Editorial de The Real News Network.

MICHAEL RATNER: Paul, acho importante e inteligente o que você disse, porque o discurso de Obama tentava pôr fim ao que ele mesmo chama de “guerra perpétua”. Começou dizendo que nenhuma nação poderá manter a liberdade, se vive em guerra contínua. É frase de um dos “pais fundadores” dos EUA.

Mas, na sequência, parece que desistiu de tentar [incompr.] pôr fim à guerra continuada, porque, de fato, não tratou de nenhuma das causas que você citou, de por que os EUA estão metidos nessa guerra contínua. Esqueceu que até o próprio Osama bin Laden, como você lembrou, já disse por que estão em guerra contra os EUA. Tanto quanto se sabe, até os envolvidos nas explosões de Boston estavam furiosos contra o que foi feito no Iraque. O médico jordaniano que explodiu uma base da CIA no Afeganistão – também por causa do Iraque. Há muita gente que diz claramente por que fazem o que fazem. E todos falam da dominação dos EUA, de controle, de petróleo, Iraque, Palestina [fala cruzada]

JAY: É. Eu ia mesmo falar disso. Acrescentemos Israel e a Palestina, porque essas apareceriam provavelmente no primeiro lugar da minha lista de “causas”: o apoio que os EUA dão às políticas israelenses de apartheid e ocupação. Prossiga, Michael.

RATNER: Entendo que essas são as questões cruciais. E se Obama quer, ou os EUA querem, realmente, acabar com a guerra perpétua, terão de falar sobre o que está sendo feito no Oriente Médio, sobre o que está sendo feito por todo o mundo. Por que, se escolheu o assunto que escolheu, Obama não falou de nosso maior fornecedor de petróleo, a Arábia Saudita, que em nada se parece com alguma democracia? Mas nada fazemos em relação à Arábia Saudita, ou ao Bahrain, onde está ancorada nossa 5ª Frota? Quer dizer: Obama só falou de alguns países onde talvez possamos construir uma ou outra escola... Mas nada disso porá fim aos ataques contra os EUA nem ao ódio contra o que os EUA estamos fazendo lá. Por tudo isso, é como se faltasse uma perna, no discurso de Obama. Acho excelente que você tenha posto a discussão nesse contexto.

JAY: Pode-se dizer, pelo menos, que o presidente Obama afastou-se uma polegada da retórica de George Bush, para quem a guerra ao terror seria uma espécie de luta entre o bem e o mal, que evidentemente é luta sem fim. Ouçam o que disse o presidente Obama.

[vídeo] OBAMA: ... devemos definir nossos esforços, não como uma ilimitada “guerra global ao terror”, mas, sim, como uma série de esforços focados, persistentes, para desmantelar específicas redes de extremistas violentos que ameaçam os EUA.

JAY: Pode-se supor, pelo menos, que o presidente tenha sugerido que, se se livrarem dessas específicas redes persistentes, se chega a algum fim dessa guerra.

RATNER: Bem... Ele sugeriu isso, mas... É tentar tapar o sol com a peneira, despir um santo, p’rá vestir o outro [orig. it's basically Whac-A-Mole]. Já discutimos isso. Sim, claro, você pode varrê-los de um lugar, varrê-los de outro... Mas, enquanto persistirem as políticas dos EUA para a Arábia Saudita, Israel, contra a Palestina, pelo petróleo.. [incompr.] você continuará a fazer brotar gente e mais gente que entende que os EUA não estão fazendo a coisa certa no Oriente Médio. Não se trata, de fato, de apoiar alguma democracia. Trata-se de não apoiar nenhuma igualdade. Trata-se de drenar os recursos daqueles países e daqueles povos, para uso exclusivo dos EUA. É política que se autoderrota. É a minha opinião.

Obviamente, o presidente não quis tratar das questões que você e eu consideramos as mais importantes. Disse, no discurso, que só a força não basta, consideremos o que abastece e alimenta o extremismo, temos de apoiar a democracia, construir escolas, temos – e começam os problemas... – de apoiar Israel e Palestina, para que cheguem a alguma espécie de acordo, etc. etc. etc..

Você entende... Nesse contexto, o problema não é que tudo isso seja desimportante. Mas, de fato, é absolutamente sem sentido, se se consideram as reais, graves questões em jogo. E se se trata de impedir a ação de todos os que odeiam os EUA. Nesse contexto real, tudo [que o presidente Obama disse] é absolutamente sem sentido [fala cruzada].

JAY: O presidente prosseguiu e, se se considera esse início, se se sabe que não vai mudar coisa alguma nas políticas dos EUA para o Oriente Médio... De fato, ele partiu desse pressuposto. Assim... bem... Ele disse que os drones são absolutamente necessários. Eis o que disse, sobre por que seriam necessários:

[vídeo] OBAMA: Mas, apesar de preferirmos fortemente a detenção e o julgamento de terroristas, às vezes essa abordagem é impossível. (...) E tampouco é possível para os EUA deslocar uma equipe de Forças Especiais para capturar cada terrorista. (...) Foi nesse contexto que os EUA empreenderam ação letal, ‘mirada’ [orig. lethal targeted action] contra a al-Qaeda e forças associadas, incluindo os veículos aéreos armados pilotados à distância, chamados comumente “drones”.

RATNER: Veja... Ele diz que a guerra perpétua se autoderrota, diz que quer pôr fim à guerra perpétua, e em seguida, diz duas coisas: que vamos deixar tropas no Afeganistão, mesmo depois de 2014, “porque não querem a volta da al-Qaeda”... E, na sequência, descreve um programa de drones que absolutamente nunca terá fim. Fala como se o programa de drones deva ser perpétuo... É o mesmo que dizer que teremos, sim, guerra perpétua. E assim será, sim, pelas razões que temos discutido tanto: enquanto os EUA controlarem e usarem 25% dos recursos [incompr.] 5% das pessoas, e muito mais... Enquanto isso teremos guerra continuada. E por isso teremos de continuar a usar os drones. Não faz sentido algum, mas o argumento é esse.

Quero dizer também que [incompr.] no que tenha a ver com as políticas dos drones e de Guantánamo sobre as quais o presidente Obama falou, temos de nos dar algum mérito, nós também, como ativistas, como gente que protesta. E temos de dar crédito também aos homens que estão em greve de fome, sobretudo em Guantánamo.

A verdadeira razão pela qual Obama teve de fazer esse discurso é porque já está bem claro que muita gente está farta dessa guerra perpétua, muita gente já está farta de drones. Todos os dias morre muita gente assassinada por drones, que de modo algum poderia ser assassinada. Guantánamo continua aí. Há muita indignação, também nos EUA. Por isso, afinal, é que Obama foi forçado a fazer esse discurso.

Agora, quanto aos drones, você tem razão. Vão ter de continuar para sempre. Ele não disse nesse discurso, mas se você lê os jornais, há indicações de que ele não admite que, ontem, assinou uma lei para os drones, mas parecem ser mais restritivas do que a lei que havia antes. Se se pensa nos drones, quando são usados numa zona de guerra, é difícil, mas não é a mesma coisa que usá-los onde não há zona de guerra, matando um sujeito que você supõe que seja perigoso no Iêmen ou na Somália ou seja onde for. Para mim, é impossível justificar isso, a menos que haja algum padrão muito claro, muito estrito, que os EUA, hoje, não estão respeitando.

Parece que a lei que Obama assinou, pelo menos, impede os assassinatos predefinidos, quando o drone mira uma pessoa cujo nome se define. Pense um pouco: o sujeito é militante, está sentado ao lado de outros, militantes ou supostos militantes, num campo... E Obama manda “droná-lo”. Acho que continuarão a fazer isso, mas talvez façam com menos frequência. Ele está tentando dizer...

JAY: Michael, vamos assistir a um trecho do discurso, em que Obama fala sobre essas diretivas.

[vídeo] OBAMA: Além do cenário afegão, só atacamos a al-Qaeda e suas forças associadas. E mesmo nesses casos, o uso de drones é severamente limitado. Os EUA não atacam quando conseguimos capturar terroristas individuais; sempre damos preferência a deter, interrogar e processar. Os EUA não podemos atacar onde queiramos, à nossa escolha; nossas ações são instruídas por consultas a nossos parceiros e respeito à soberania do estado.

Os EUA não atacamos para punir indivíduos; atacamos terroristas que representam ameaça iminente e continuada ao povo norte-americano, e quando não há outro governo capaz de bloquear efetivamente a ameaça. E antes de qualquer ataque, é preciso haver certeza quase absoluta de que civis não serão mortos nem feridos – é o mais alto padrão que podemos fixar.

JAY: Michael, quero dizer... Você vê aí qualquer tipo de mudança, ou algo que... Será que isso é possível? Eles podem realmente fazer isso, como dizem que fazem?

RATNER: Há talvez alguma mínima mudança, muito pequena. Já vimos muito disso tudo no documento que vazou há algumas semanas sobre os padrões fixados para assassinar gente com drones. É realmente repetição daqueles padrões. Esses padrões não são legais, não são os padrões de lei. No caso de estarem fora de zona de guerra, é preciso que a ameaça seja iminente, concreta e específica. É preciso que não haja outro modo de conter a ameaça iminente. Não se trata de se é possível deter alguém, ou de se é impossível deter alguém. A pergunta é: é possível prender os suspeitos que são tornados alvos dos drones? Alguém, algum dia, tentou prendê-los?

Naquele documento que vazou, os EUA dizem que estão ampliando o conceito de “ameaça iminente”. “Iminência”, nesse caso, significa que alguém está prestes a apertar um botão e disparar um foguete contra nosso país. Nesse caso, sim, se entende que haja ameaça iminente. É preciso que alguém tenha planejado algo, que o planejamento continue, até a ameaça ser “iminente”. Agora, dizem que ampliaram o conceito. Agora, de fato, já não temos nenhum conceito de “iminência”, no que definimos como ameaça. O discurso de Obama nada acrescentou, de aproveitável, sobre esse conceito. De fato, Obama reafirmou o conceito de que os EUA continuam a se permitir matar gente fora de zona de guerra. Ele reafirmou o conceito velho. E isso é muito triste.

Obama disse algo que, para mim, é o pior de tudo que disse sobre os drones. Disse que “as pessoas são contra matarmos gente com drones, porque às vezes matamos também civis. Tentamos evitar, tentamos não matar civis, verificamos tudo cuidadosamente” etc. etc. Em seguida disse algo que me pareceu absolutamente chocante. Disse que “os terroristas matam mais civis que nós, com nossos drones”. O que Obama disse foi que os terroristas matam mais civis que nós, então... tudo bem se os EUA matarem gente fora de zona de guerra... porque os terroristas também matam... Que espécie de argumento é esse?!

De fato, você sabe, é simples: são as leis básicas da guerra. Se seu inimigo viola as leis da guerra, nem por isso você ganharia algum direito para também violar as mesmas leis. Esse argumento, na minha opinião, é a parte mais escandalosa do discurso de Obama sobre os drones.

JAY: Não se sabe sequer se é argumento acurado. Quero dizer: boa parte do jornalismo investigativo tem noticiado os números de mortes por drones em centenas e centenas de civis, talvez mais de mil, me parece, talvez mais. Na verdade não se sabe o número exato de civis mortos por drones. Portanto, não se pode saber, sequer, se o que Obama disse é verdade. Mas, como você diz, nenhum número mudará o cerne do argumento.

RATNER: É. Concordo com você. As contas estão erradas. Creio que os melhores números com que se pode contar falam de mais de mil civis assassinados nesses ataques dos drones.

Outra coisa sobre a qual Obama falou foram os norte-americanos mortos por terroristas. Mas nada disse sobre quatro norte-americanos que já se sabe que foram assassinados pordrones. Entre eles, Anwar al-Awlaki. E porque, parece, para o governo, seria “caso simples”, embora estivesse no Iêmen, fora de qualquer zona de guerra. Mas alegaram que havia provas suficientes contra ele, que seria “operativo”, como dizem. E que, “portanto”, eles entendem que teriam direito de assassiná-lo.

Eles nunca dizem, nunca falam desse caso – e foi uma das coisas que Medea disse, que gritou, o que aconteceu ao filho de al-Awlaki, de 16 anos, que foi assassinado por um drone, e o governo admite que não era ele o alvo. Medea gritou lá “o que aconteceu a Rahman al-Awlaki?” e, claro, Obama não respondeu, porque não há resposta. O rapaz foi assassinado por um drone quando comia num restaurante no Iêmen. Obama absolutamente nada respondeu, de fato, sobre os outros norte-americanos também assassinados por drones norte-americanos.

JAY: Bem, ele como que reconheceu que essas coisas acontecem em guerras... Reconheceu, pelo menos, que o rapaz não era alvo de ataque. Obama diz ‘sabem como é, essas coisas acontecem na guerra, estamos em guerra... e tentamos mitigar essas coisas. E insiste e repete que tudo isso seria legal. Queria que você comentasse esse aspecto. Nesse trecho, Obama tenta justificar a legalidade de tudo isso.

[vídeo] OBAMA: Sobretudo, a ação dos EUA é legal. Fomos atacados no 11/9. Em uma semana, o Congresso autorizou o uso de força militar. Nos termos da lei dos EUA e da lei internacional, os EUA estamos em guerra contra a al-Qaeda, os Talibã e suas forças associadas... É guerra justa, guerra proporcional, de último recurso e de autodefesa.

JAY: O que lhe parece esse argumento?

RATNER: Há duas coisas. Primeiro, que jamais concordei com a ideia de que haja guerra contra a al-Qaeda, no sentido tradicional ao qual se aplicam as leis internacionais de guerra [incompr.]. O que há é uma ação de polícia, para conter a al-Qaeda, levar os culpados ao tribunal, e julgá-los, condená-los e encarcerá-los. É o que diz a lei. Por isso, jamais aceitei que se aplique aí a ideia de guerra.

No Afeganistão, obviamente, houve guerra. Ali, sim. Também houve a Guerra do Iraque, que o Congresso autorizou separadamente. Mas, fora dessas zonas de guerra... Nunca ouvi falar de lei alguma, de autorização legal de qualquer tipo que diga que você pode atacar qualquer um que você queira, só porque você mesmo declara que seria ameaça aos EUA.

Eles falam em termos de al-Qaeda, de forças associadas à al-Qaeda. Eles... eles inventam essas coisas! O que é, afinal, uma “força associada à al-Qaeda”? Qualquer um que exiba uma faixa dizendo “sou força associada à al-Qaeda”? O que é isso? Em termos técnicos legais nada disso faz sentido algum. Aquela gente são supostos terroristas, talvez sejam condenados, se o forem, então se poderá dizer que são criminosos. Mas é absoluto nonsense dizer que os EUA estamos em guerra com aqueles bandos. Não, no sentido legal tradicional conhecido.

Portanto... todo o argumento segundo o qual seria legal disparar drones contra pessoas em todos os cantos do mundo, “porque” a lei norte-americana diz que é legal... Se eu digo que é legal... seria legal? Podem dizer o que bem entendam, por causa do modo como nossos tribunais interpretam a lei, aqui. Mas, em termos das leis internacionais não é, não, absolutamente não é, legal. Ninguém pode fazer o que eles estão fazendo. Ninguém pode decidir simplesmente que, sei lá, fulano é “força associada” a sabe-se lá quem, e, em seguida, você estaria autorizado a explodi-lo [fala cruzada]

JAY: Tem-se uma situação na qual há grupos que, em teoria, conforme nos dizem, são ou seria associados à al-Qaeda, mas então lutando contra seus respectivos regimes ou não miram, de modo algum contra os EUA.

RATNER: Paul, essa é questão imensa. Você está corretíssimo. E o que os EUA têm feito é apoiar, como você sabe, os governos ‘amigos’, contra as respectivas oposições internas e que disputam o que, noutras circunstâncias e noutra parte do mundo, se poderia chamar de guerra civil, ou como quer que as pessoas chamem esses tipos de conflitos internos.

JAY: O presidente Obama apresentou sua política sobre a matança de cidadãos norte-americanos, tanto dentro quanto fora dos EUA, que podem estar, ou pareçam estar, segundo a visão do Estado, envolvidos em alguma forma de guerra contra os EUA. Eis o que o presidente disse:

[vídeo] OBAMA: Digo, para que conste, que não creio que seria constitucional o governo mirar e matar qualquer cidadão norte-americano – com um droneou com pistola – sem o devido processo legal, e que nenhum presidente deve usar drones armados sobre solo dos EUA.

JAY: Bem... Antes de tudo: qual é o devido processo legal no Iêmen?

RATNER: É o que eles têm dito, repetidas vezes, ao longo dos anos. Também já falaram muito sobre as questões que estamos discutindo aqui. Você sabe, Holder fez um discurso sobre isso. No processo de al-Awlaki, argumentamos que, sendo ele cidadão norte-americano, o devido processo legal obriga a julgá-lo em tribunal norte-americano. Isso é o devido processo legal. Holder diz que o devido processo legal não teria de ser necessariamente decisão de tribunal regular legal. Diz que, para ele, al-Awlaki teria tido direito ao devido processo legal, porque o Executivo o definiu como alvo. Ora... Só se for o devido processo legal para o presidente dos EUA. Quero dizer: é ridículo. O devido processo legal [fala cruzada] exige comparecimento das partes ante um tribunal, no qual se discute a questão por regras claras e conhecidas pelas partes. Esse processo é legal até para condenar alguém à morte. É o rito que dá legalidade à pena de morte.

JAY: É. Parece que qualquer acerto feito entre Brennan e o presidente Obama está sendo definido por eles mesmos como “devido processo legal”.

RATNER: É exatamente isso. Já fizeram isso, com Holder. Todos disseram isso. Por tudo isso, a fala que lemos é absolutamente sem sentido [fala cruzada]

JAY: OK. Agora, a parte seguinte do que o presidente disse. Vou repetir o vídeo, rapidamente.

[vídeo] OBAMA: ... e que nenhum presidente deve usar drones armados sobre solo dos EUA.

JAY: Ele disse “não deve”. Não disse que não possa usar, por efeito de alguma lei que o proíba de usar.

RATNER: Não há lei que o proíba Obama de usar drones em solo dos EUA. Se você lembrar... Há também a resposta que deram a Rand Paul quando ele levantou essa questão, no dia em que falou praticamente o dia inteiro, fazendo obstrução para impedir que aprovassem aquela lei, e não parava de falar... Naquela ocasião, eles disseram, afinal que “não assassinaremos cidadãos dos EUA em solo dos EUA, se não for combatente”. Na verdade, até pioraram as coisas. Se alguém for integrante de alguma força inimiga e estiver em solo dos EUA, eles podem “dronar” qualquer um. Criaram uma exceção à proibição geral... Por isso, precisamente, Obama burlou o sentido preciso da expressão “não deve”, porque não disse que alguma lei impeça qualquer presidente de usar drones contra norte-americanos. Tampouco disse que não usará. Disse só que entende que nenhum presidente deva usar...

JAY: OK. Pode haver aí algo de positivo. Temos de esperar para ver. Outro assunto: as escutas e invasões de mensagens de jornalistas da Associated Press. Obama disse que quer uma lei escudo para a mídia [orig. a media shield law]. Parece estar querendo dizer que não gostou do que houve na AP, com o Departamento de Justiça quebrando o sigilo dos registros telefônicos. Eis um trecho do discurso, sobre isso:

[vídeo] OBAMA: ... uma imprensa livre é também essencial à nossa democracia. Eis o que somos. Perturba-me a possibilidade de que vazamentos de investigações possam paralisar o jornalismo investigativo que força o governo a prestar contas de seus atos à opinião pública [orig. investigative journalism that holds government accountable].  
Nenhum jornalista deve ficar exposto a risco de ser processado por fazer seu trabalho. Temos de nos focar nos que desrespeitam a lei. Por isso, pedi ao Congresso que aprove uma lei escudo para a mídia, que a proteja contra excessos do governo.

JAY: Que lhe parece?

RATNER: Bem, Paul, você é jornalista. Sugiro que você imprima essa fala de Obama e pendure sobre sua cabeceira, para não a perder de vista nos próximos 30 anos. Porque nada disso jamais acontecerá. Se esperar para ver a lei que sairá do Congresso, se sair, será a coisa mais fraca que consigam produzir. São palavras e palavras, só conversa e nada de substancial. O discurso de Obama veio recheado de floreios que se podem definir como belos enfeites de árvore de Natal que jamais serão efetivamente pendurados em árvore alguma... A conversa sobre a imprensa é mais uma dessas inúteis bolas de vidro colorido...

[fala cruzada] O que Obama fez no campo das liberdades da imprensa... Além de ter mandado prender James Risen, caso que está na Corte de Apelação, sobre a convocação do jornalista para depor no caso Sterling. E há também, é claro, o caso dos meus clientes, Julian Assange e WikiLeaks, no qual o que se disputa é a liberdade de imprensa. E não esqueçamos o caso mais recente, de Rosen, repórter de Fox News, acusado de co-conspirar com a própria fonte. Quero dizer... Obama põe-se a dizer belas frases, que soarão como se fossem grandes coisas, mas que são absolutamente, completamente, totalmente sem sentido. A imprensa livre enfrenta hoje, nos EUA, um ataque sem precedentes em toda a nossa história.

JAY: É. É explicação até generosa, me parece, ou definição, do que Obama diz. Basta ver que eles continuam, por exemplo, confiscando anotações de jornalistas, mas não acusam o jornalista: acusam o vazador. Parece que desejam não atacar diretamente os próprios jornalistas. Para compensar, atacam furiosamente os vazadores.

RATNER: De fato, o ataque contra vazadores é alucinado, massivo [incompr.]. Já repetimos isso, aqui, inúmeras vezes, como tantos outros têm dito: Obama já processou mais vazadores que todos os governos anteriores, somados. Há o caso de WikiLeaks, de Rosen... O assalto contra os vazadores é massivo.

E o caso de Bradley Manning é particularmente terrível, porque está sendo acusado de colaboração com o inimigo, crime do qual só soldados podem ser acusados e para o qual se prevê pena de morte. É como se quisessem fazer crer que Manning estivesse intencionalmente ajudando a al-Qaeda, a qual teria lido alguns documentos vazados por WikiLeaks. Difícil imaginar absurdo mais completo.

Se você é soldado dos EUA no Iraque, se lhe caem em mãos documentos estarrecedores, se você vê a chance de fazer os documentos chegarem a WikiLeaks ou ao The New York Times ou ao nosso The Real News, lhe passaria pela cabeça não denunciar o que está vendo, porque você pode ser condenado à morte, porque se a verdade for divulgada, alguém da al-Qaeda poderá ler aquilo? Como se a al-Qaeda já não soubesse do que os EUA faziam no Iraque?! Mas que espécie de argumento é esse?!

A verdade é que o que estão fazendo com Manning deveria aterrorizar os jornalistas, porque as fontes das quais dependem para fazer qualquer jornalismo sério, sobretudo as fontes militares, secarão completamente.

JAY: OK. Temos ainda de falar de Guantánamo. Eis alguns clips do que o presidente Obama disse sobre Guantánamo.

[vídeo] OBAMA: Como presidente, tentei fechar GTMO (...) E dada a perseguição incansável que meu governo fez às lideranças da al-Qaeda, não há explicação, a não ser política, para que o Congresso nos impeça de fechar uma prisão que jamais deveria ter sido criada (...). Hoje, mais uma vez, peço  ao Congresso que levante as proibições para transferência dos detidos em GTMO. (...) Estou levantando a moratória sobre transferência de detidos para o Iêmen, para que possamos reexaminar os casos, caso a caso. Faremos a transferência para outros países, na maior extensão possível, de detidos já investigados e considerados livres de responsabilidades.

VOZ DO PÚBLICO PRESENTE: [fala cruzada] já foram absolvidos. Liberte-os hoje.

OBAMA: Quando considerarmos adequado, levaremos os terroristas a julgamento em nossos tribunais e no nosso sistema de justiça militar. E insistiremos para que todos os detidos tenham assegurado o direito de revisão judicial dos processos e penas... Considerem a atual situação, em que estamos alimentando à força alguns detentos que estão em greve de fome. Lembro a jovem que me interrompeu há pouco, porque esse é assunto sobre o qual se deve atuar com paixão. Somos esse tipo de pessoa?

JAY: Quer dizer, Michael... Parece que Obama fez alguma concessão na questão do Iêmen. Mas o que lhe parece o resto dessa fala?

RATNER: Comecemos pelo final. Se somos esse tipo de pessoa? Ora... somos o tipo de pessoa que mete um cano na garganta de um prisioneiro que está em greve de fome porque tem condições para ser imediatamente libertado, mas continua preso por tempo indefinido. Somos isso. A resposta à pergunta de Obama é “sim, somos esse tipo de gente”. É o que somos. Os EUA mantemos gente inocente, presa em Guantánamo. Há lá 86 detidos que preenchem todos os requisitos legais para serem postos em liberdade. E nós os mantemos lá, presos. E os obrigamos à força, a comer. Se Obama esperava resposta, a resposta é “sim. Somos precisamente esse tipo de pessoa”.

A outra coisa – podendo, falarei de outros detalhes, mas – Obama disse: “Tentei fechar Guantánamo”. Talvez seja a mais flagrante mentira de todo o discurso. Chegou ao governo, há cinco anos, quatro anos e meio, prometendo fechar Guantánamo. E, a partir de então, Obama fez de tudo para não fechar Guantánamo.

Outra vez, como já disse no começo, a razão pela qual Obama discursou e a razão pela qual estamos aqui discutindo tudo isso é, exclusivamente, a terrível greve de fome dos prisioneiros de Guantánamo. De fato, agora, Obama já não tem o que fazer, que o salve. Aqueles homens, em Guantánamo, tomaram a própria vida pela garganta. Tomaram a própria vida, em suas mãos.

É verdade que Obama disse que vai levantar as restrições que impedem a ida dos prisioneiros para o Iêmen. Não é pouco, porque há cerca de 80 prisioneiros que são do Iêmen. 55 deles têm pleno, indiscutível direito de ser libertados e devolvidos ao Iêmen. Só falta Obama reconhecer isso, como tem de fazer, nos termos da nova lei aprovada pelo Congresso, e devolvê-los ao Iêmen.

Mas... disse o quê? Disse que vai analisar caso a caso. Ora! Todos os casos já foram analisados caso a caso. Aqueles homens já foram inocentados, caso a caso. E Obama, agora, diz que vai recomeçar... a analisar cada caso?!

O suspense continua, de fato, também no caso dos cidadãos do Iêmen. Será que Obama fará alguma coisa? Se fizer, fará o mais lentamente possível? De fato, bastaria fazer o que disse, mandar os iemenitas inocentados para casa, e pronto, estaria feito. A verdade é que... Temos de esperar para ver se fará alguma coisa. Esse deve ser o décimo discurso de Obama sobre Guantánamo. E é, com certeza, o 3º ou 4º grande discurso sobre o tema, que todos ouvimos atentamente. E continuamos, lá no Centro de Direitos Constitucionais, em Berlim, com todos os nossos clientes ainda presos, em Guantánamo.

[despedidas, agradecimentos e fim da entrevista] 

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