quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Pepe Escobar: “Obama-Rouhani: luz, câmera, ação”

19/3/2013, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O cenário está pronto. Já não há dúvidas de que o Supremo Líder Aiatolá Khamenei deu plena autoridade ao novo governo do presidente Hassan Rouhani para falar diretamente a Washington sobre o programa nuclear iraniano.

Aiatolá Ali Khamenei e o Presidente Hassan Rouhani em 17/9/2013
Aconteceu poucos dias depois que o presidente Barack Obama dos EUA “vazou” que havia trocado cartas com Rouhani. [...e o Irã confirmou]

Seyed Hossein Mousavian
Os plenos poderes para Rouhani nessa questão foram confirmados adiante, semana passada, pelo muito confiável negociador nuclear do Irã, embaixador Seyed Hossein Mousavian, em coluna publicada no Japão. Mousavian foi representante de Rouhani no Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã [orig. Iran’s Supreme National Security Council (SNSC)] de 1997 a 2005. Depois, o próprio Rouhani estendeu-se sobre o assunto ontem, em entrevista ao canal NBC.

É crucialmente importante considerar a exata posição do Supremo Líder. Na 3ª-feira (17/9/2013), ele falou à elite do Corpo de Guardas Revolucionários da Revolução Islâmica [orig. Islamic Revolutionary Guards Corps (IRGC)] em Teerã. O trecho chave da fala é: “Não aceitamos armas nucleares, não por pressão dos EUA ou de outros, mas por nossas crenças. E quando dizemos que ninguém deve ter armas nucleares, com certeza não o dizemos porque os apoiemos”.

Khamenei avalizou plenamente a ofensiva diplomática de Rouhani, enfatizando – muito clara e explicitamente – dois conceitos: a “flexibilidade do herói”, como o lutador que cede, num momento ou noutro, por interesse tático, mas que jamais desvia os olhos e mantém o rival sempre à vista; e a “leniência do campeão” – que é o subtítulo sutilíssimo de um livro que o próprio Khamenei traduziu do árabe, sobre como o segundo Imã xiita, Hasan ibn Ali, conseguiu evitar uma guerra no século 7º, mostrando flexibilidade na relação com o inimigo.

Significaria que acontecerá um encontro histórico entre Obama e Rouhani na próxima 3ª-feira, na periferia da Assembleia Geral anual da ONU? Não, não é garantido que aconteça. Como se podia prever, a Casa Branca já cuidou de garantir uma plausível negabilidade: [1] Obama “não tem planos para encontrar Rouhani”.

Mas todo esse processo implica que Washington e Teerã, sim, conversarão, mais cedo ou mais tarde, em nível presidencial.

Atenção ao outro lado

Mohammad Javad Zarif
Importantíssimo, Khamenei também disse aos Guardas Revolucionários: “Não é necessários que os guardas tenham atividade no campo político.” Implica que estão fora das negociações nucleares, mais uma confirmação de que, sim, o dossiê nuclear foi transferido para o Ministério de Relações Exteriores, entregue aos cuidados do ministro Mohammad Javad Zarif. Zarif viajará a New York com o presidente Rouhani, e a rede Press TV divulgou excelente entrevista, em que se pode ouvir o que ele pensa. Também o ex-ministro de Relações Exteriores, Ali Akbar Salehi, agora indicado por Rouhani para presidir a agência iraniana de energia atômica, já disse à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em Viena, que é hora de “pôr fim ao chamado arquivo nuclear”.

Todo esse processo, que corre agora em velocidade vertiginosa, é mudança radical em relação aos anos Ahmadinejad, quando os Guardas Revolucionários foram politizados ao extremo. Um dia antes da fala de Khamenei, o próprio Rouhani pediu aos Guardas Revolucionários que “fiquem acima e longe das correntes políticas”.

Como se vê, pois, o Irã está avançando peças no tabuleiro de xadrez. Até agora, não se ouviu qualquer resposta substancial dos EUA. Mas os que querem “melar” o jogo, pelo outro lado, já estão em atividade.

Michel Oren
Não por acaso, Israel voltou a falar da “ameaça existencial” que cresce “no arco estratégico que se estende de Teerã até Damasco e Beirute” – palavras do embaixador israelense nos EUA, que está de saída, Michael Oren.

O que já está bem claro é que Telavive preferia que os jihadistas de estilo al-Qaeda da Frente al-Nusra assumissem o poder em Damasco, a ter ali uma república árabe secular com Bashar al-Assad. É mais uma prova, se fosse necessária, da confluência de interesses entre Israel e aqueles campeões de democracia, as petromonarquias do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). Não surpreende que todos esses atores sejam tão amargamente desprezados pela rua árabe.

Telavive não medirá esforços para bombardear o dossiê sírio de armas químicas – pressionando por incluir “condições” que incluam armas iranianas não existentes e pressionando para fazer crer que Assad – com a cumplicidade do Irã e do Hezbollah – não estaria cooperando com os inspetores das armas químicas. O líder dos “rebeldes” sírios, general Selim Idriss – empregado de Israel e do CCG – já começou a campanha; disse que Damasco transferiu armas químicas para o Líbano e o Iraque.

Bandar bin Sultan
Quanto à Casa de Saud, a monarquia considera a diplomacia russa muito pior que qualquer veneno. Não querem nem pensar na possibilidade de uma Conferência Genebra-2 – como o príncipe Bandar bin Sultan, codinome Bandar Bush, chefe do Diretorado da Inteligência Geral Saudita, disse a Putin, pessoalmente. Querem mudança de regime, querem já, e continuarão a armar as mais letais facções “rebeldes”, que estão em super atividade.

O governo Obama deve ter registrado a mensagem de Moscou de que a Síria é, completamente, uma “linha vermelha” russa – tão importante para a Rússia, quando Israel para os EUA. E a Casa Branca deve ter registrado a própria mensagem de Khamenei, passada ao sultão Qaboos de Omã, mais ou menos alguma coisa como “quem pense em destruir a Síria deve preparar-se para perder o petróleo e o gás que tenha na região”.

A solução para o impasse das armas químicas sírias, como Asia Times Online vem noticiando, foi construída por Damasco, Teerã e Moscou – em seguida apoiada por Pequim. E, de fato, salvou o governo Obama, dos próprios erros.

Pois mesmo assim, em entrevista no final da semana passada (13/9/2013), Obama repetiu a velha (enganadora) mensagem, referindo-se ao Irã:

Penso que os iranianos compreendem que a questão nuclear é questão muito maior para nós que a questão das armas químicas, que a ameaça contra Israel... representada por um Irã nuclear é muito mais próxima de nossos interesses centrais. Uma corrida armamentista nuclear na região seria profundamente desestabilizadora. Entrevista completa a seguir:


A verdade é que não há “ameaça” alguma a Israel, posto que não haverá Irã nuclear –como Khamenei, mais uma vez, acaba de repetir. A única potência nuclear (não declarada à Agência Internacional de Energia Atômica) que há na região é Israel, não o Irã.

Para começo de conversa, ninguém jamais, antes, vira algum problema em “armas químicas”. A temerária “linha vermelha” de Obama é que as converteu em “questão”, como parte do plano para impor a outra, velha “linha vermelha” de Obama, desde antes: “Assad tem de sair”.

Os presidentes Hassan Rouhani (Irã) e Vladimir Putin (Rússia) em 13/9/2013
Em outro artigo, para Russia Today, ofereço algumas pinceladas para ajudar a desenhar o Grande Quadro. Semana passada, nas laterais da reunião de cúpula da Organização de Cooperação de Xangai, no Quirguistão, Rouhani reuniu-se com Putin e com o presidente Xi Jinping da China. Os três já trabalham numa estratégia conjunta não só para a Síria, mas também para encaminhar o dossiê nuclear iraniano.

Rússia e China apoiam firmemente o direito do Irã ao seu programa nuclear. Ainda mais importante que isso, o grupo BRICS (Brasil, Índia e África do Sul, além de Rússia e China), e outras potências regionais emergentes, como Indonésia, Argentina e o próprio Irã, manterão o impulso na direção de uma nova ordem mundial multipolar, com estado de Direito e consideração à lei internacional, em vez de deixarem que a hegemonia dos EUA prossiga no frenesi bélico de sempre.

Os presidentes Hassan Rouhani (Irã) e Xi Jinping (China) em 17/9/2013
A diplomacia trabalha hoje para superar a tragédia síria. E a diplomacia deve trabalhar também para derrubar o Muro de Desconfiança de 34 anos entre Washington e Teerã. A questão é se haverá em Obama a indispensável “flexibilidade heroica”.
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Nota dos tradutores
[1] Negabilidade plausível: diz-se de acusação que não possa ser provada e cuja negação possa ser plausivelmente aceita. No jargão corrente das comunidades de espionagem, a expressão tem sido usada nos casos em que a ação é premeditada para não deixar pistas ou rastros. Exemplos de casos em que a negabilidade (nem sempre plausível) pode vir a beneficiar criminosos são, por exemplo, meios de tortura como descargas elétricas e quase-afogamento, que não deixam marcas no corpo, o que impede que se comprove a tortura; chantagem, ameaças e intimidação de jornalistas e testemunhas também são meios com alta “capacidade de negabilidade”, dentre outros (PINKER, Steven. 2008. Do Que É Feito o Pensamento. A língua como janela para a mente humana, São Paulo: Companhia das Letras), apud 21/9/2010, redecastorphoto em: Blackwater & Co. - A “negabilidade total”, nota 1.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes Russia TodayThe Real News Network Televison Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
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