terça-feira, 5 de novembro de 2013

A Espiral Descendente: Paul Krugman é um Economista Vudu?

1-3 Novembro 2013, [*] Paul Craig Roberts, Counterpunch
Traduzido por João Aroldo

Paul Krugman e a poção vudu?
Os leitores me perguntam se Paul Krugman estaria correto quando diz que os déficits não importam, assim como imprimir quantias infinitas de dinheiro para comprar os instrumentos da dívida do Tesouro que financiam os déficits.

Se as pessoas nos EUA e em outros países que possuem dólares e instrumentos financeiros denominados em dólares não se importam que trilhões de dólares novos sejam criados para cobrir grandes buracos entre receitas e despesas nos orçamentos anuais de Washington e para ajudar “bancos grandes demais para falirem” (orig.: too big to fail), isto é, se esses portadores de dólares não veem o valor de seus dólares diluído pelos novos dólares, que aparecem em maior quantidade que novos produtos e serviços, Krugman está certo.

O problema para Krugman é que a probabilidade de tal indiferença vai contra a lei de oferta e demanda. Os economistas, incluindo Krugman, acreditam que se a oferta cresce mais rápido que a demanda, os preços caem. Então, se há algo certo em economia, uma oferta excessiva de dólares deve causar uma queda no valor do dólar.

Uma queda no valor do dólar pode ocorrer de duas maneiras. A maneira em que a maioria das pessoas pensa é através da inflação monetária. Um excesso de dólares procurando produtos escassos leva a um aumento de preços, e cada dólar compra menos e é, assim, desvalorizado. Contudo, na nossa situação atual, o excesso de dólares está nos bancos. Como os bancos não estão emprestando, o excesso de dólares não está chegando na oferta de moeda ou nos preços. Os bancos estão mantendo grandes reservas para cobrir as demandas que podem surgir de suas apostas não cobertas em derivativos, e os bancos estão usando uma parte do dinheiro que o Federal Reserve forneceu a eles para especularem na bolsa de futuros, levando, assim, os preços das ações a níveis irreais.

Sede do FED (Federal Reserve)
A outra maneira em que o dólar pode perder valor é através da taxa de conversão em relação a outras moedas. 

Investidores estrangeiros, observando cinco anos de criação de dólares para financiar déficits do orçamento federal sem um fim à vista, podem chegar à conclusão de que seus haveres em dólares estão sendo diluídos.  Se eles tomarem esta decisão, eles vão decidir se livrar dos dólares ou reduzir sua exposição ao dólar americano.

Quando eles decidirem vender dólares no mercado de câmbio, o valor do dólar em relação a outras moedas vai cair.  Como os EUA são agora um país dependente de importações, os preços internos vão subir como resultado da desvalorização do dólar no mercado de câmbio. O surgimento da inflação interna, além do valor de troca em queda do dólar levaria, se a teoria econômica estiver correta, a uma grande urgência dos investidores para se livrarem dos dólares.

Em outras palavras, quando isso começar, é uma espiral descendente.

Aparentemente, Krugman acredita que o dólar é tão único e maravilhoso, como os EUA, que seu valor não pode ser prejudicado pelo abuso.

A questão se déficits do orçamento federal importam ou não é outra questão. Isso depende da causa do déficit. Alguns leitores zombaram de Krugman e de mim, dizendo que Krugman parece um economista vudu do lado da oferta da era Reagan ao dizer que “déficits não importam”. Em outras palavras, Krugman e eu somos farinha do mesmo saco.

Estes comentários ilustram o poder da mídia presstitute para incutir desentendimento. Cá estamos três décadas após Reagan e um grande número de norte-americanos educados não tem ideia do que foi a Reaganomics [1].

A economia do economista do lado de oferta não trata de déficits. Sua característica nova é a elucidação do impacto da política fiscal na oferta agregada. Para economistas keynesianos do lado da procura, que dominaram a política econômica norte-americana até a era Reagan, a política fiscal só pode impactar a demanda agregada. Se o governo dá um corte de impostos às pessoas, eles gastam mais dinheiro e aumentam a demanda agregada, aumentando, assim, o emprego. Se as pessoas são atingidas com um aumento de impostos, elas têm menos dinheiro para gastar, e a inflação cai.

O que os economistas do lado da oferta disseram é que alguns tipos de política fiscal, como mudanças nas taxas marginais de imposto (taxas de imposto sobre lucro adicional), muda os incentivos e, portanto, aumentam ou diminuem a oferta agregada. (Na economia keynesiana, a oferta é uma resposta passiva à demanda agregada).

Taxas marginais de imposto são taxas sobre renda adicional. Em um sistema de imposto de renda progressivo, as taxas sobem a renda.  As taxas marginais de imposto determinam o preço do lazer em termos de perda de rendimentos por não trabalhar. As taxas marginais também determinam o preço do consumo atual em termos de perda de renda futura por não poupar e investir o dinheiro.  Quanto maior o imposto sobre renda adicional, mais barato são o lazer e o consumo atual em termos de perda de renda presente e futura. Quanto menor o imposto sore renda adicional, mais caros são o lazer e o consumo atual. Em outras palavras, altas taxas de imposto desencorajam a oferta de trabalho, a oferta de poupança, e o crescimento do PIB.

Paul Samuelson
A economia do lado da oferta foi uma importante contribuição à economia. Na 12ª edição de seu famoso livro, Paul Samuelson, o decano da economia antes de sua morte, reconheceu o acerto do lado da oferta.

Os déficits são importantes? Como eu disse, depende da sua causa. Os chamados “déficits Reagan” eram na verdade déficits do presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, porque Volcker, atolado no pensamento keynesiano, não conseguia entender a política do lado da oferta. O Tesouro se reunia frequentemente com Volcker. Nós tentamos ajudar Volcker entender a nova política, masVolcker só podia pensar em cortes de impostos como um estímulo à demanda, que era a maneira que sua equipe de conselheiros econômicos também conseguia pensar sobre cortes de impostos.

Paul Volcker
Consequentemente, Volcker via a “Reaganomics” como violentamente inflacionária (a inflação era da ordem de dois dígitos antes de Reagan). Ele pensou que seria culpado por Reagan pela alta inflação que Volcker pensou que resultaria do que Volcker achou que era uma política de estímulo keynesiana. Para proteger a si mesmo e ao Federal Reserve da culpa, Volcker dramaticamente reduziu o aumento da oferta de dinheiro antes que os cortes de impostos tivessem efeito. Se o aumento da oferta de dinheiro fosse reduzido, a política monetária não poderia ser culpada pela inflação que ele pensou que seria causada pela política fiscal de Reagan.

A redução do aumento da oferta de dinheiro causou uma recessão. Como a projeção do orçamento da OMB (orig.: Office of Management and Budget) não antecipou o súbito colapso da inflação, o PIB nominal e, portanto, a receita tributária caíram abaixo da projeção. Esta foi a principal causa dos “déficits de Reagan”.

Já que os déficits de Reagan foram resultado do colapso não antecipado da inflação e, portanto, da base tributária nominal, eles não eram problema. Déficits que resultam do colapso da inflação não podem causar inflação ou desvalorização do dólar no mercado de câmbio.

Nos EUA do pós-guerra (pós Segunda Guerra), a maioria dos déficits do orçamento federal ou piores resultaram do Federal Reserve causar uma recessão para reduzir a inflação que a gestão da demanda keynesiana produziu. As altas taxas de impostos da era pós-guerra desencorajaram e reduziram a resposta da oferta para estimular a demanda agregada.

Consequentemente, no lugar de aumento de produção, os preços subiram. Este foi o problema que a economia do lado da oferta tratou. O problema piorou com o tempo e ficou conhecido como o agravamento da “curva de Phillips” [2] de trade-off entre inflação e emprego. No anos Carter, o problema era chamado de “estagflação” e “malaise” da economia norte-americana. Isso deu esperança ao governo soviético de que a economia norte-americana também fosse afetada por problemas.


Seria interessante saber qual seria a resposta de Krugman aos “déficits de Reagan”.

Como Robert Parry agora em sua quarta década de Guerra contra Reagan, Krugman não gosta de Reagan. Eu não ficaria surpreso se Krugman escrevesse que os “déficits de Reagan” são o fim do mundo. Krugman é um democrata, não um republicano, então os déficits de Reagan são ruins, mas os de Obama não? Outros economistas parecem ter o mesmo problema.

Talvez eu não esteja sendo justo com Krugman. O mais provável é que na verdade Krugman, sendo um liberal à moda antiga, viu os aspectos de distribuição de renda das altas taxas marginais de imposto como mais importantes que o preço relativo, aspectos de incentivo que afetavam inflação, emprego e crescimento econômico. Krugman provavelmente viu a economia do lado da oferta ameaçar o arranjo da distribuição de renda sem se dar conta que a estagflação – o problema que os economistas do lado da oferta trataram – era muito mais nociva à classe trabalhadora que aos ricos.

Krugman tem uma consciência social pela qual eu o respeito. Tenho confiança de que ele concordaria comigo que economistas que não têm consciência social fazem mais mal do que bem. Em minha opinião, Krugman não entende ou percebe a maneira em que o offshoring de empregos mudou a economia dos EUA, a posição dos trabalhadores e empregados norte-americanos e a eficácia da política econômica.

Como eu já expliquei, quando as empresas americanas procuram lucros mais altos às custas do trabalho Americano pelo offshoring dos empregos que produzem os bens e serviços que eles vendem aos Americanos, eles separam a força de trabalho norte-americana das rendas associadas à produção de bens e serviços que eles consomem. Eventualmente, isso destrói o mercado consumidor. De acordo com o Census Bureau, a renda media da família norte-americana é 9% menor do que há doze anos atrás. Isto significa que o que antes era poder de compra dos consumidores americanos agora é fortuna dos mega ricos.

Políticas de estímulo keynesianas funcionam quando os empregos que as pessoas perderam ainda existem. Ao aumentar a demanda agregada de bens e serviços, o estímulo leva as pessoas de volta ao trabalho. Mas se os empregos foram terceirizados para outros países, os empregos não existem mais. Nenhuma política de estímulos pode colocar desempregados em empregos que não existem.

Krugman não entendeu esse fato básico. Nem a maioria dos economistas. Os economistas acham que novos e melhores empregos surgiriam no lugar dos que foram exportados. Contudo, como estou sempre apontando, não há sinal desses empregos nos dados de emprego.

A maioria dos economistas acredita que o offshoring de empregos é livre comércio e o que é livre comércio é benéfico, o que mostra simplesmente sua confusão. O offshoring de empregos se baseia na vantagem absoluta, a antítese da vantagem comparativa que é a base do livre comércio.

Como eu disse antes, muitos economistas são vendidos. Eu não acho que Krugman é um prostituto. Em minha opinião, Krugman, qualquer que seja sua contribuição à Economia, simplesmente não entende como o trabalho do Primeiro Mundo foi desfavorecido por Wall Street e corporações transnacionais norte-americanas. A redistribuição para cima da renda real não é só resultado de cortes de impostos. O maior impacto vem da relocação offshore do trabalho para países de baixos salários e pela desregulamentação do setor financeiro. A arbitragem trabalhista converteu os salários americanos em lucros corporativos.

Em minha opinião as taxas marginais de impostos dos EUA foram adequadas onde Reagan as deixou. Sua subsequente redução por Bush/Cheney e Obama não são necessariamente ajustes de política, mas prêmios para os mega ricos que endossam carreiras políticas e fornecem verbas para departamentos econômicos e think tanks.


Notas do tradutor

[1] Reaganomics (um portmanteau de Reagan e economics atribuido à Paul Harvey) se refere à política econômica promovida pelo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, durante a década de 80. Os quatro pilares da política econômica de Reagen eram:
1. Reduzir gastos do governo,
2. Reduzir impostos sobre renda e ganhos de capital,
3. Reduzir regulação da economia pelo governo,
4. Controlar a oferta de dinheiro para reduzir inflação.
Em sua intenção declarada de cortar os gastos domésticos enquanto reduzia as taxas, a abordagem de Reagan divergiu de seus predecessores imediatos. Embora seus registros ainda sejam debatidos, Reagan obteve sucesso com alíquotas baixas em conjunto com impostos sobre renda simplificados, e desregularização continuada. Entretanto, os gastos do governo e os déficits subiram durante sua administração.

[2] Em macroeconomia, a curva de Phillips representa uma relação de trade-off entre inflação e desemprego, que permite analisar a relação entre ambos, no curto prazo. Segundo esta teoria, desenvolvida pelo economista neozelandês Willian Phillips, uma menor taxa de desemprego leva a um aumento da inflação, e uma maior taxa de desemprego a uma menor inflação. Contudo, esta relação não é válida no longo prazo, uma vez que a taxa de desemprego é basicamente independente da taxa de inflação conforme outras variáveis vão se alterando.
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[*] Paul Craig Roberts (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. 

Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.

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