domingo, 10 de novembro de 2013

A Invasão do Google e Yahoo pela NSA

Seu (nosso) e-mail provavelmente está sendo monitorado

5/11/2013, [*] Alfredo Lopez, Counterpunch
Traduzido por João Aroldo

Edward Snowden
Que semana! Pouco depois que o secretário de Estado John Kerry admitiu que talvez o governo tivesse ido “longe demais” em seus programas de vigilância, o Washington Post soltou outra bomba de Edward Snowden demonstrando que o governo está indo muito mais longe do que todos sabiam.

John Kerry
por Jason Seller 
Se a admissão Ersatz [1] de Kerry – redigida em uma defesa da vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA) – provocou um bocejo coletivo em muitos que seguem estes desenvolvimentos, essa última de Snowden nos chamou a atenção. O Washington Post publicou um artigo detalhando a interceptação pelo NSA de informação entrando e saindo de servidores do Google e Yahoo em linhas privadas e internas de fibra ótica. Apenas em dezembro de 2012, o programa (reveladoramente chamado “MUSCULAR”) processou 181.280.466 registros do Google e Yahoo que incluíam e-mail, buscas, vídeos e fotos.

Até agora, a NSA defendeu suas ações dizendo que está combatendo o terrorismo através da captura de dados em um espaço público, a Internet, após obter ordens judiciais. Isso mostra que eles estavam mentindo. MUSCULAR é roubo de quase 25% de todos os dados da Internet de duas das maiores empresas de processamento de dados sem ordens judiciais ou supervisão em completo desafio à lei e a nossos direitos. Isto é, simplesmente, gangsterismo de governo.

E isso traz à tona a questão mais importante: por quê? Porque não se trata de contraterrorismo, não com todos aqueles registros e sua captura sub-reptícia. Trata-se de vigilância e análise das comunicações diárias de um país inteiro e boa parte do mundo.

A tecnologia do MUSCULAR, um programa criado conjuntamente pela NSA e sua congênere britânica, não é difícil de explicar. Essencialmente, os tecnólogos nas agências de espionagem descobriram uma maneira de interceptar os dados sendo trocados entre servidores que armazenam tudo o que você faz no Google e Yahoo.     

Eis a diferença entre isso e os demais programas espiões revelados anteriormente. Seus dados viajam pela Internet para chegar até esses servidores e ser armazenados lá. Para os outros verem quais dados você salvou, eles devem sair, novamente, pela Internet. Isso são dados protegidos legalmente e o NSA (pelo menos, teoricamente) precisaria de uma ordem judicial para tirá-los dos servidores. A corte FISA (a fonte de bênção da NSA) quase sempre autoriza os pedidos da NSA, então é bem fácil conduzir esse tipo de extração de dados, mas pelo menos ainda existe um registro do quê a NSA está procurando e por que e alguma base para tomar ações legais contra isso.


Muscular não chega perto dos dados enquanto estão viajando pela Internet ou enquanto estão nesses servidores. Ao invés disso, ele intercepta dados (ilustração do WPost acima)que já estão armazenados e estão viajando por conexões não públicas entre os muito servidores das empresas enquanto as empresas sincronizam os dados armazenados ou os transferem internamente. Gigantes da Internet como Google transferem dados entre seus servidores constantemente em redes de servidores conhecidas como (você já ouviu isso) “nuvens”. Essa transferência constante ajuda a distribuir atividade dos servidores para que um pico de solicitações por dados em um servidor particular não o trave (chamado “gerenciamento de carga”) ou para manutenção, segurança e outros motivos. Para isso eles usam cabos de fibra ótica especiais que conectam vários servidores e não são disponíveis publicamente.

Os dados transferidos entre esses servidores é tipicamente codificado, então ninguém pode ter acesso sem as chaves decodificadoras. Isso é uma medida de segurança. De acordo com esses relatos, a NSA descobriu uma maneira de decodificar esses formatos, então ela captura os dados sendo transferidos quando entram nessas conexões e, então, sem que ninguém fora da NSA saiba, decodifica e analisa essas coisas para decidir o que, se for o caso, fazer com isso. Se eles decidirem armazená-los, eles têm vários centros de backup da NSA para salvá-los. Então eles deixam os dados seguirem seu caminho. Tudo isso acontece em microssegundos.

Isso é chamado tipicamente de “interceptação de intermediário” e é como ligar um cabo entre seu computador e um hard drive externo que você usa para backup — exceto que é multiplicado por centenas de milhões de vezes.

Eu sabia que o desenho da NSA era real pela carinha smiley, escreveu David Auerbach da Slate, referindo-se ao ícone smile da Internet usado no diagrama vazado e reproduzido acima . Só mesmo um engenheiro de software ansioso e míope — vendo a interceptação de dados do Google e Yahoo como um desafio e um jogo ao invés de uma questão de segurança e política — faria uma coisa tão alegre e satisfeita com a possibilidade de invadir os servidores internos do Google.  

Claro, isso não é um jogo. Isso é um método altamente sofisticado e intencionalmente intrusivo de coleta de dados: espionagem pernicionsa realizada constantemente em e-mails, fotos, vídeos e outros dados postados por pessoas nos EUA (e em muitos outros países).

Keith Alexander
O diretor da NSA, Keith Alexander, foi imediatamente enviado para dar suas desculpas previsíveis:

Isso seria ilegal para fazermos. Portanto, eu não sei qual é o relato, ele disse em uma conferência de de cibersegurança na semana passada. Mas eu posso dizer factualmente que nós não temos acesso aos servidores do Google e Yahoo. Nós precisamos de uma ordem judicial.

Alexander mostrou-se um mestre de evasão no passado, mas isso foi bizarro. Isso se trata de conectar cabos, e não acessar servidores.

Funcionários do Google e Yahoo tentaram pôr maquiagem em seus olhos roxos com declarações de ultraje, pedidos de “contenção”, e garantias de que eles não foram “avisados” da ação de vigilância em massa que eles nunca aprovariam. Mas o fato é que isso está acontecendo e suas garantias guiadas por RP aos usuários de que seus dados estão seguros não significam nada.

Que confusão! No período de duas semanas, o presidente Obama afirmou publicamente que ele não sabia da extensão da espionagem mas vai “examiná-la” agressivamente. O secretário Kerry admite que ela pode ter ido muito longe, mas é feita por uma boa causa. Alexander evitou comentários sobre a revelação real e o chefe do conselho de segurança nacional, James Clapper, parecia decidido a evitar completamente a questão ao divulgar uma de suas famosas declarações que não desmentem. De fato, os não desmentidos estavam pulando como bolas de pingue pongue num terremoto — se chocando umas nas outras loucamente. E isso ligado com o fluxo de ultraje retórico vindo de vários países já que as informações de Snowden deixaram claro que a vigilância é conduzida em tudo, desde as contas de e-mail de cidadãos espanhóis aos e-mails pessoais (e talvez telefones) da chanceler alemã Angela Merkel.

Obviamente, a coleta de dados dessa magnitude não é para capturar terroristas. Isso poderia ser certamente parte do resultado, mas não há como analisar mais de 183 milhões de partes de dados para identificar alguns malucos. Outra coisa está acontecendo.

Barton Gellman

(…) aparentemente eu não vejo nenhuma evidência de que eles estão desrespeitando a lei aqui. Eles fazendo de maneiras que as empresas e o público não esperavam.

Mas isso desafia a razão. Entrar nos sistemas internos de uma empresa para remover dados sem o conhecimento da empresa certamente parece ilegal. No mínimo, isso revela um cinismo perturbador da parte do governo sobre o espírito da lei e sobre o que as leis de privacidade dizem ao governo sobre como ele deve se relacionar com os cidadãos.

A questão, contudo, não é se isso é legal, mas o que a administração Obama está tentando fazer com a definição de legalidade. O histórico desta administração demonstra que ela está se preparando para tempos muito conturbados e essas preparações são obscenamente repressivas. Com uma economia que simplesmente não pode levar 25 milhões de desempregados de volta ao trabalho, a redução maciça dos direitos das pessoas, o corte dos benefícios sociais, uma sociedade marcada pela histeria frenética semanal de terrorismo interno, uma extrema direita insana e crescente e o Congresso que não tem apoio popular e não está governando ninguém, o surgimento de protestos e resistência em massa em cada canto da sociedade não é surpresa. Nem precisamos de muita visão para predizer que as coisas vão ficar ainda mais quentes.

Os poderosos políticos estão envolvidos num debate intenso sobre como governar essa sociedade enquanto o contrato social usado no passado não pode mais ser cumprido. O debate continua, mas está claro que todos estão falando sobre uma sociedade mais restritiva. A chave para tal restrição está na captura de dados. Não importa quão intensa e generalizada essa repressão seja, eles têm os dados que eles precisam para ter todas as opções possíveis, incluindo o esmagamento de movimentos de protesto. Nós confiamos que eles não vão usar os dados dessa maneira?

Em contribuições passadas para estas páginas, eu escrevi que, enquanto não estamos em um estado policial, o governo construiu uma capacidade de transformar o país com um botão de liga-desliga do sistema legal.

Esse é o significado das revelações do MUSCULAR. Quanto aos dados, tudo está no lugar.
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[*] Alfredo Lopez escreve atualmente sobre avanços tecnológicos no blog This Can’t Be Happening! . Alfredo Jose Miguel Lopez (nasceu em 1949) é um ativista, escritor, produtor de mídia, professor e organizador no Brooklyn, New York. Atualmente, ele é um ativista de Internet bem conhecido e Co-Diretor de May First/People Link, organização dos usuários da Internet. Lopez é autor de seis livros e milhares de artigos. Foi um dos líderes do Puerto Rican Socialist Party durante os anos 1970. É o principal organizador do Dia da Solidariedade com o Puerto Rico no Madison Square Garden, a maior demonstração de seu tipo na história, e do 1976 Counter-Bicentennial. Ele coordenou a delegação dos EUA na Conferência Internacional de Solidariedade em Porto Rico em 1975, a primeira conferência internacional sobre o assunto. Durante esse mesmo período, editou a edição em inglês do jornal PSP Claridad. Em anos mais recentes foi o arquiteto da campanha para impedir que os hospitais públicos NYC fossem privatizados, notadamente nos anos 1990. Tem participado da organização de dezenas de campanhas semelhantes ao longo de seus 40 anos de ativismo. É um dos fundadores da The Brooklyn New School como escola alternativa em Brooklyn. Recentemente, em 2007, foi um dos organizadores do grupo de tecnologia para o United States Social Forum.

 Nota do tradutor 
[1] Substituta, em alemão.

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