quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Escapando do Dólar: Mike Whitney entrevista Paul Craig Roberts

5/11/2013, Mike Whitney, Counterpunch
Traduzido por João Aroldo


[*] Paul Craig Roberts acha que o Fed está em uma sinuca de bico. Uma alta nas taxas de juros poderia fortalecer o dólar, dar uma nova vida ao dólar como moeda de reserva internacional e parar o movimento para o ouro, mas uma alta nos juros poderia derrubar os mercados de ações e títulos além de reduzir o valor dos derivativos nos balanços dos bancos. Eu perguntei ao Dr. Roberts se o Fed sacrificaria o dólar para salvar os bancos e que efeito isso teria no poder de Washington em relação ao resto do mundo. Suas respostas a estas três questões sugerem que os dias de hegemonia financeira e liderança mundial de Washington estão contados.

Paul Craig Roberts
A  entrevista:

Mike Whitney: O dólar corre risco de perder sua posição como moeda de reserva? Como esta perda afetaria a liderança dos EUA e outros países?

Paul Craig Roberts: De certa maneira o dólar já perdeu seu status de moeda de reserva, mas este acontecimento ainda não foi oficialmente percebido; tampouco atingiu os mercados cambiais. Considere que os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) anunciaram sua intenção de abandonar o uso do dólar americano para o acerto de desequilíbrios comerciais entre eles e, em vez disso, acertarem suas contas em suas próprias moedas. (Há agora um website, o BRICSPOST, que informa sobre as relações em desenvolvimento entre os cinco grandes países).

Também há relatos de que Austrália e China e Japão e China vão acertar suas contas comerciais sem recorrer ao dólar.

Explicações diferentes são dadas. Os BRICS dão a entender que eles estão cansados da hegemonia financeira dos EUA e têm preocupações sobre a estabilidade do dólar em vista da excessiva emissão de nova dívida e novo dinheiro para financiá-la.

China, Austrália e Japão citaram a anulação das taxas de transação associadas à conversão de suas moedas, primeiro para o dólar e depois para outras moedas. Eles dizem que é um passo de redução de custos para reduzir os custos de transação. Isto pode ser um disfarce diplomático para descartar o dólar.


O shutdown parcial do governo norte-americano de outubro de 2013 e a ameaça (exagerada) de calote da dívida resultaram nos acordos de swap cambiais sem precedentes entre o banco central chinês e o banco central europeu e entre o banco central chinês e o Banco da Inglaterra. A razão dada para estes swaps foi precaução necessária contra perturbações do dólar. Em outras palavras, a instabilidade norte-americana foi vista como uma ameaça ao sistema de pagamento internacional.

O papel de moeda de reserva do dólar não é compatível com a visão de que devem ser tomadas precauções contra o possível colapso ou queda do dólar.

O pedido chinês de um mundo des-Americanizado é um sinal claro da crescente impaciência com a irresponsabilidade de Washington.

Resumindo, houve uma mudança de atitude em relação ao dólar e à aceitação da hegemonia financeira norte-americana.

Como a crise do déficit e do teto da dívida de outubro não foi resolvida, simplesmente transferida para janeiro/fevereiro de 2014, uma repetição do impasse de outubro vai corroer ainda mais a confiança no dólar.

Independente disso, muitos países chegaram à conclusão de que não só os EUA abusaram do seu papel de moeda de reserva, mas também de que o poder de Washington impor sua vontade e de agir fora da lei provem de sua hegemonia financeira e de que é mais difícil de resistir a esse poder financeiro do que ao poderio militar de Washington.

Enquanto o mundo, incluindo aliados norte-americanos, deixava claro enfrentando Washington e bloqueando o ataque militar de Washington à Síria, os dias de hegemonia incontestável de Washington acabaram.

Na China, Rússia, Europa e América do Sul estão se erguendo vozes contra a ilegalidade e irresponsabilidade de Washington. Esta mudança de atitude em relação aos EUA vai quebrar o sistema de imperialismo do dólar.

Mike Whitney: Como o afrouxo monetário (orig.: Quantitative Easing) do Federal Reserve está impactando o dólar e os instrumentos financeiros?

Paul Craig Roberts: A política do Federal Reserve de criar grandes quantias de novo dinheiro para ajudar os balanços de bancos grandes demais para falir (orig.: banks too big to fail) e para financiar orçamentos continuamente deficitários é outro fator minando o papel de moeda de reserva do dólar. A liquidez que o Federal Reserve injetou no sistema financeiro criou bolhas enormes nos mercados de títulos e ações. Os preços de títulos do Tesouro Americano estão tão altos que são incompatíveis com o balanço do Federal Reserve e a criação em massa de novos dólares.


Além disso, os bancos centrais e alguns investidores perceberam que o Federal Reserve está preso na política de apoio aos preços dos títulos.

Se o Federal Reserve parar apoiar os preços dos títulos, as taxas de juros vão subir, os preços de derivativos ligados a dívidas nos balanços dos bancos vão cair e os mercados de ações e de títulos entrariam em colapso. Portanto, uma redução gradual (orig.: tapering off) do afrouxo quantitativo (QE) arrisca um pânico financeiro.

Por outro lado, continuar a política de apoiar os preços de títulos corrói ainda mais a confiança no dólar.

Grandes quantias de dólares e instrumentos financeiros denominados em dólares são mantidos por todo o mundo. Os detentores de dólares estão vendo o Federal Reserve diluir seus haveres ao criar um trilhão de dólares novos por ano. O resultado natural dessa experiência é aliviar as reservas em dólar e procurar outras maneiras de manter reservas.

O Federal Reserve pode imprimir dinheiro para comprar os títulos, mas não pode imprimir moedas estrangeiras para comprar dólares. Como as preocupações quanto ao dólar aumentam, o valor cambial do dólar cai, já que mais dólares são vendidos nos mercados de câmbio. Como os EUA são dependentes de importações, isso se traduz em preços internos mais altos. A inflação em alta vai assustar mais ainda os detentores de dólares.

De acordo com relatos recentes, a China e o Japão reduziram suas reservas de Títulos do Tesouro Americano em 40 bilhões de dólares. Isto não é uma grande quantia comparada ao tamanho do mercado, mas é uma mudança do acúmulo constante.

No passado, Washington foi capaz de contar com a China e o Japão reciclando seus superávits comerciais com os EUA em títulos do Tesouro Americano. Se a disposição estrangeira para adquirir a dívida do Tesouro diminuir, mas o déficit do orçamento federal não, o Federal Reserve vai ter que aumentar o afrouxo monetário (QE), colocando, assim, mais pressão sobre o dólar.

Em outras palavras, para evitar uma crise imediata, o Federal Reserve tem que continuar com uma política que vai produzir uma crise em algum momento. Ou uma crise financeira agora ou uma crise do dólar mais tarde.

Eventualmente, o Federal Reserve vai forçar a mão. Como o valor cambial está caindo, também vai cair o valor de instrumentos financeiros denominados em dólar, independentemente de quantos títulos o Federal Reserve compre.

Mike Whitney: Como a China vai responder à mudança da posição econômica Americana?

Paul Craig Roberts: Quando me encontrei com legisladores chineses em 2006, eu os aconselhei de que havia um limite de tempo em que eles poderiam contar com o mercado consumidor dos EUA, já que o offshoring de empregos o estava destruindo. Eu apontei que a grande população da China proporcionava potencial para uma enorme economia aos legisladores. Eles responderam que a política de um filho, que foi necessária há alguns anos para evitar que a população ultrapassasse a infraestrutura social, estava impedindo o desenvolvimento de uma economia de consumo interna.

Como os camponeses não podiam mais contar com vários filhos para garantir o sustento na velhice, eles economizaram seus ganhos. Os legisladores chineses disseram que eles queriam desenvolver um sistema de previdência social que daria confiança à população para gastar mais seu rendimento. Eu não sei até onde a China foi nessa direção.


Desde 2006 o governo chinês deixou o Yuan se valorizar em 25% ou 33%, dependendo da escolha de base. O aumento no valor cambial da moeda não prejudicou as exportações ou a economia. Além disso, os EUA não produziram mais muitos dos itens dos quais depende da China; e outros países em desenvolvimento não têm a combinação de tecnologia que as empresas americanas têm para darem à China e seu grande excesso de mão de obra. Então, é improvável que a China enfrente qualquer ameaça a seu desenvolvimento, exceto por políticas norte-americanas com o intuito de impedir o acesso da China a recursos, como o novo foco das forças militares dos EUA no Pacífico anunciada pelo regime Obama.

As grandes reservas de dólares da China são consequência da proeza tecnológica que a China adquiriu do offshoring de empregos das corporações ocidentais. O que é importante para a China é a tecnologia e o know-how comercial, que eles adquiriram agora.

A riqueza de papel representada pelas reservas em dólar não é o fator importante.

A China poderia desestabilizar o dólar Americano convertendo suas reservas em dólar e despejando o dólar nos mercados de câmbio. O Federal Reserve não seria capaz de manter swaps cambiais com países grandes o suficiente para comprar os dólares despejados e o valor cambial do dólar cairia. Tal ação poderia ser uma resposta chinesa a um cerco militar de Washington.

Na falta de um confronto, o governo chinês deve provavelmente converter seus dólares em ouro, em outras moedas e ativos reais, como petróleo, minérios e alimento.

O afrouxo monetário está rapidamente aumentando o fornecimento de dólares, mas como outros países mudam para outros arranjos para acertar seus desequilíbrios comerciais, a demanda por dólares não está aumentando com a oferta. Portanto, o valor do dólar deve cair. Se essa queda é lenta ou abrupta, devido a um evento do Cisne Negro [1], resta saber.



Nota dos tradutores
[1] Cisne Negro é um evento ou ocorrência fora do comum que é extremamente difícil de prever. O termo foi popularizado por Nassim Nicholas Taleb, um economista e investidor de Wall Street.
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[*] Paul Craig Roberts (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.


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