terça-feira, 5 de novembro de 2013

O futuro do Afeganistão (2/3)

8/10/2013, [*] Nikolai BOBKIN, Strategic Culture  
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 



Abdul Rassoul Sayyaf chega a Kabul para se candidatar à presidência do Afeganistão
A volta dos Talibã a Kabul é causa de preocupação especial para a Rússia e os estados vizinhos, da Comunidade de Nações Independentes [orig. Community of Independent Nations (CIN)]. Para Karzai, o Afeganistão é país independente e tem direito de decidir o próprio destino, inclusive o envolvimento dos Talibã no processo político. Está seguro e nada preocupado pelo fato de que, depois da saída da Força Internacional de Segurança [orig. International Security Assistence Force (ISAF)], os Talibã possam voltar à cena política e partilhar o poder. Os que assumiram o governo depois da retirada das forças soviéticas permitiram que o Afeganistão se convertesse numa espécie de criadouro do terrorismo internacional. Eles também se sentiram seguros. Os que antes governaram o país não tinham nenhum desejo político de empurrar a recém obtida independência na direção de trabalhar a favor do povo afegão.

Agora, Karzai está à beira de cometer o mesmo erro; e insiste em que seu governo estaria em condições para assumir total responsabilidade pelo futuro do país. O atual governo afegão opera ao lado de EUA e OTAN, para envolver o país numa confusão cujas consequências são difíceis de prever...

Hamid Karzai
A presteza com que a OTAN liderada pelos EUA optaram por manter a própria presença nos limites da missão de Resoluto Apoio para garantir a transferência para os afegãos da responsabilidade pela segurança não deve passar despercebida. Do mesmo modo, segundo a OTAN, Kabul já é hoje responsável por 90% das operações de combate dentro do país – o que não implica que o regime-fantoche de Karzai seja suficientemente forte para essa missão. A OTAN evidentemente exagera, ao dizer que as forças do governo contariam com o apoio da maioria da população.

O que o ocidente tem dito, que os Talibã teriam apoio só de uma pequena minoria depois de 12 anos de guerra que não trouxeram qualquer resultado tangível, parece ser, antes, mais uma desastrada manobra de propaganda, para encobrir o fato de que a operação comandada pelos EUA fracassou.

Os soldados da ISAF sairão todos, ou alguns permanecerão no Afeganistão, como parte da missão de Resoluto Apoio? Tudo depende dos EUA e do governo de Karzai; e deixarão os Talibã voltar ao país?

Chegou o momento da verdade. Os EUA e a OTAN devem informar a comunidade internacional sobre os resultados da sua presença durante 12 anos no Afeganistão.

Absolutamente não é verdade que a força constituída de 100 mil soldados tenha eliminado a infraestrutura da Al-Qaeda – e esse seria o principal feito do ocidente. O Afeganistão está bem próximo de, outra vez, ver-se dominado pelos Talibã. O movimento é apoiado pelo Paquistão – sua terra natal. Para Islamabad, uma Kabul amigavelmente controlada pelos Talibã é vantagem estratégica. Lembremos que durante os cinco anos de governo dos Talibã, o movimento não conseguiu disseminar seu poder e controle por todo o país, apesar de comandarem as rédeas do poder de estado, aspecto no qual o Paquistão também falhou. 

Atualmente os Talibã contam com apoio internacional muito limitado (da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Paquistão, países que ainda não alteraram sua posição). O dinheiro continua fluindo, até agora sem parar, para o Diretorado para Inteligência de Interserviços [orig. Diretorade for Inter-Services Intelligence], os serviços secretos do Paquistão, mais conhecidos como Inter-Services Intelligence ou pela sigla ISI; não raras vezes, o processo escapou completamente ao controle governamental.

Os Talibã são o único instrumento de pressão que Islamabad pode usar para influenciar a política afegã; a elite paquistanesa jamais romperá os laços que a ligam aos Talibã. O Paquistão fará o máximo possível para conseguir a volta dos Talibã, como um dos resultados do processo de reconciliação sob “o comando do povo afegão no papel protagonista”. Isso significa a possibilidade de os Talibã serem escolhidos por via eleitoral, em vários níveis de governo.

A lógica da abordagem dos paquistaneses baseia-se no fato de que os pashtuns são o maior grupo étnico na população do Afeganistão. Poucos falam do fato de que os pashtuns são tão amplamente dominantes na população. Cálculos mostram que o candidato dos Talibã tem boa chance de vencer as eleições de 2014. E, seja como for, a próxima eleição presidencial pode converter-se no principal evento político no Afeganistão. O atual chefe de estado, Hamid Karzai, não exclui a possibilidade de que o próximo presidente venha a sair das fileiras dos Talibãs.

Mulá Muhammad Omar
Pode ser o fundador dos Talibã, Muhammad Omar. Karzai está pronto para cooperar com ele, sob a condição de que os Talibã desistam da luta armada. Há notícias de que os Talibã já iniciaram conversações secretas com o governo. Estariam em andamento em Kabul, não em algum outro país – o que implica que os EUA apóiam o processo. A posição de Mullah Omar antes da retirada vai-se tornando cada vez mais forte; ele sabe que o atual governo é fraco.

Tudo isso implica que os líderes Talibã não desistiram de tomar em suas mãos o poder no Afeganistão e de reviver o Emirado Islâmico. Não há dúvidas de que os Talibã estão decididos a reinserir os métodos de força, na condução do processo político.

O grupo não declarou abertamente que tenha planos de participar nas eleições, mas é opinião generalizada que, se puder candidatar-se, será eleito por ampla diferença. Os Talibã tem muitos apoiadores fiéis entre os eleitores. Mas há outras opções; as escolhas não se limitam aos Talibã e a apoiadores do atual presidente Karzai; outras forças políticas islamistas emergiram, nem muito próximas de Islamabad nem tão radicais quanto os apoiadores de Mulá Omar.

Abdul Rassoul Sayyaf registrou-se como candidato na sede da Comissão Eleitoral Independente em Kabul. É pashtun do vale Paghman e teólogo. Sayyaf é um dos políticos islamistas mais influentes do país; por muitos anos, liderou a facção Mujahedin União Islâmica para a Libertação do Afeganistão [orig.Islamic Union for the Liberation of Afghanistan] em luta contra a União Soviética. Em fevereiro de 1989, foi eleito o primeiro-ministro do governo Mujahedin de transição, quando se associou muito estreitamente aos comandantes afegãos Burhanuddin Rabbani e Gulbuddin Hekmatyar. Sayyaf sempre se opôs aos Talibã e combateu contra eles, associado à Aliança do Norte. Depois que as tropas dos EUA chegaram ao Afeganistão, Sayyaf aliou-se a elas e apoiou Karzai nas eleições.

Antes de se registrar como aspirante à presidência, Sayyaf foi membro da câmara baixa do Parlamento, onde manteve o status de imã conservador e muito respeitado. O comandante de campo Ismail Khan aceitou o convite para integrar a chapa como vice-presidente e para participar de um possível governo Sayyaf, caso sejam eleitos. Ismail Khan sempre foi nome influente na província ocidental de Herat, próxima da fronteira do Irã. Abdul Ahad Irfan, presidente da Câmara Alta do Parlamento e líder da Comissão de Unidade Nacional do Afeganistão, também se registrou como candidato; concorre ao cargo de segundo vice-presidente.

Essas figuras, do triunvirato dos esperançosos podem desafiar os islamistas Talibã nas eleições. Caberá ao povo avaliar a reputação de Sayyaf como líder religioso pashtun e o fato de que mantém amplas conexões com grupos islamistas dentro e fora do Afeganistão. Os eleitores não duvidam de seu importante currículo militar e da influência que tem nas regiões ocidentais do Afeganistão. A juventude islamista vê com simpatia e respeito suas qualificações como intelectual religioso; é hoje uma espécie de novo tipo de pregador religioso, que não participa da tradição Talibã que prega forte rigidez religiosa em todos os aspectos da vida, segundo os padrões morais vigentes ao tempo do Profeta Maomé. Não esqueçamos que os Talibã proibiam as mulheres de saírem de casa. Hoje, mais de 2 milhões de meninas frequentam escolas; mais de 300 mil crianças afegãs mantêm contas Facebook; 70% da população é constituída de jovens de menos de 25 anos. Todos esses fatores pesarão muito, se houver eleições limpas.

Abdullah Abdullah
Se Sayyaf vencer as eleições presidenciais, a coalizão chefiada por ele aprofundará e cimentará laços com a OTAN como organização que garantirá apoio ao Afeganistão em tempos de dificuldades (sinal claro de que espera receber as bênçãos dos EUA). Sayyaf prometeu manter-se fiel ao princípio da igualdade no processe da reconciliação nacional de todas as nacionalidades incluindo os tadjiques, uzbeques e hazaras, que jamais antes tiveram qualquer chance real de ter presidente saído de seus respectivos grupos étnicos.

Dessa vez, Abdullah Abdullah, ex-líder da Aliança do Norte, também concorre. Obteve seu registro eleitoral dois dias antes de Sayyaf. Não se exclui a possibilidade de os dois organizarem alguma espécie de ação conjunta contra os Talibã, os quais jamais partilharam o poder com os vindos do norte do país.

No momento, como mostra a experiência do governo Karzai, é impossível falar sobre unidade afegã sem a inclusão das minorias nacionais e religiosas. Se se criarem determinadas circunstâncias, os eleitores da Aliança do Norte podem vira a apoiar Sayyaf, se não surgir rivais significativos. O ministro de Assuntos Exteriores Zalmai Rassoul; o liberal Ashraf Ghani; Qayum Karzai, irmão do atual presidente, todos concorrem e têm esperanças de ser eleitos. A questão é definir os principais patrocinadores, inclusive os que vivem no exterior.


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[*] Nikolay Bobkin; PhD em Ciências Militares, professor associado e pesquisador sênior no Center for Military-Political Studies, Institute of the U.S.A. & Canada. Colaborador especialista na revista online New Eastern Outlook. Escreve habitualmente para diversos sites e blogs tais como: Strategic Culture, Troubled Kashmir, Make Pakistan Better e muitos outros.

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