quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Subcomandante Marcos: Más notícias e outras nem tão más

Novembro, 2013, [*] Subcomandante Marcos, ENLACE ZAPATISTA 
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Subcomandante Marcos (mais alto) e Comandante Tacho numa festa em Chiapas
Aos estudantes e às estudantes que tomaram ou querem tomar parte no primeiro nível da Escuelita Zapatista:

A quem interesse:

Companheiros, companheiras e companheroas

Pois como já é hábito, designaram-me para dar-lhes as más notícias. Aí vão elas.

PRIMEIRO – As contas (e encarreguem-se de verificar as somas, restos e divisões, porque as matemáticas não são meu forte, quero dizer, não são também o meu forte):

A - Gastos do primeiro nível, em agosto de 2013, para 1.281 alunos:

  • Material de apoio (4 livros de texto e 2 DVDs) para 1.281 alunos: $100.000,00 (cem mil pesos).
  • Transporte e alimentação para 1.281 alunos do CIDECI (Universidad de la Tierra, San Cristobal, Chiapas) na comunidade em que fizeram o curso e de volta: $339.778,27 (trezentos e trinta e nove mil setecentos e setenta e oito pesos e vinte e sete centavos), repartidos da seguinte forma:

Gastos de cada Zona para levar alun@s do CIDECI e distribuição em cada cidade em carros e levá-los de volta ao CIDECI, além da alimentação de outras pessoas que trouxeram os alunos e as alunas.

Realidad                   $64.126,00
Oventik  -                $46.794,00
Garrucha               $122.184,77
Morelia                    $36.227,50
Roberto Barrios     $70.446,00
Total geral            $339.778,27

Nota: É, também me chamaram a atenção esses tais de “77 centavos”, mas recebi assim as contas. Quer dizer: não estamos na onda de arredondar nada.

  • Transporte de 200 guardiãs e guardiões no CIDECI onde dividiram o curso e a volta: $ 40.000,00 (quarenta mil pesos). Sua alimentação foi coberta pelos companheiros e companheiras da CIDECI-Unitierra. Obrigado ao Doc Raymundo e a todos e todas os e as compás CIDECI, especialmente aos e às da cozinha (atenção: me devem os tamales).

Total de gasto das comunidades zapatistas para o curso de primeiro nível em agosto de 2013 para 1.281 alunos: $ 479.778,27 (quatrocentos setenta e nove mil e setecentos e setenta e oito pesos e vinte e sete centavos).

Gasto médio por aluno: $ 374,53 (trezentos e setenta e quatro pesos e cinquenta e três centavos).

B – Entradas da Escuelita Zapatista:

Ingressos por registro (el bote que estava no CIDECI): $ 409.955,00 (quatrocentos e nove mil e novecentos e cinquenta e cinco pesos).

Moeda nacional:   $ 391.721,00
Dólares:                     $ 1.160,00
Euros:                            $ 175,00

Ingressos em média por pagamento pelo registro de cada aluno: $320,02 (trezentos e vinte pesos e dois centavos).

SEGUNDO – Resumo e consequências:

Em média, cada aluno foi apoiado com $54,51 (cinquenta e quatro pesos e cinquenta e um centavos), coberto graças a doações solidárias. Quer dizer, os alunos se apoiaram entre eles.

Significa que, quero dizer, não está dando p’ro gasto, compás. Foi graças a que alguns alunos e alunas deram mais do que os cem pesos obrigatórios (alguns e algumas nada puseram) e às doações de pessoas generosas, que conseguimos, no máximo, pagar as contas.

Aos e às que deram mais e que fizeram essas doações extras, agradecemos de todo o coração. E também deveriam agradecer-lhes os que não pagaram os cem pesos completos ou não deram absolutamente nada.

Mas sabemos bem que é difícil que isso se repita e que alguns assistentes paguem o curso dos outros, e assim estamos diante das seguintes opções:

a)     Fechamos a escolinha.
b)     Reduzimos a coisa ao que os zapatistas possamos cobrir. O subcomandante insurgente Moisés disse-me que seriam uns 100 por caracol, 500 no total.
c)      Aumentamos o preço e tornamos o pagamento obrigatório.

Pensamos que não devemos fechar a escolinha, porque ela nos permitiu conhecer gente e nos fez conhecidos de gente que antes não nos conhecia nem nós os conhecíamos.

Pensamos que se reduzirmos a coisa, muitos e muitas vão ficar tristes ou bravos, já que estão com tudo preparado para assistir, e assim ficarão de fora. Sobretudo agora que já sabem que a essência do curso está nas comunidades e nos guardiões e guardiãs. É. Coube-me dar a notícia, para que recebesse eu, os xingamentos.

Então, só resta pedir que paguem o próprio transporte e alimentação. Sabemos que isso, além de incomodar alguns e algumas, pode deixar de fora vários e várias. Por isso estamos avisando com tempo, para que vejam um modo de completar seu pagamento e/ou dos compás que querem e podem assistir, mas não podem pagar tudo.

O custo será agora de $ 380,00 (trezentos e oitenta pesos) por estudante e terá de ser coberto no momento de registrar-se no CIDECI nos dias marcados. Se também quiserem trazer um quilo de feijão ou de arroz, lhes agradeceria.

Por favor, suplicamos, rogamos, imploramos que vejam bem com quem cada um vem, quantos são e as idades, porque chegam cartas que dizem “vou com meus filhos” e, quando chegam parece o elenco de The Walking Dead. Todos e todas que assistem às aulas devem registrar-se antes, sejam crianças, adultos, mais velhos, mortos vivos.

E vejam bem as datas que virão. Agora há duas datas, uma no final de dezembro e outra no início de janeiro. É importante saber em que data se inscrevem, porque, como já sabem, há uma família indígena que se prepara para recebê-los e recebê-las, um guardião ou guardiã que se prepara para orientá-los, um ou uma motorista que oferece o carro para transportá-los e transportá-las, um povo inteiro que os e as recebe. E esclareçam também se vêm à comunidade ou se farão o curso no CIDECI de San Cristóbal de Las Casas, Chiapas.

Ah, e venham escutar e aprender, porque há quem veio para distribuir cátedras de feminismo, vegetarianismo, marxismo e outros “ismos”. E agora estão desgostosos porque os zapatistas não obedecemos ao que vieram nos ensinar: que devemos mudar a lei revolucionária de mulheres, como elas dizem, não como decidam as zapatistas; que não entendemos as vantagens da marijuana, que não façamos casas de cimento, porque é melhor de adobe e de palha, que não calcemos sapatos porque, descalços estamos mais em contato com a mãe terra. Em fim, que obedeçamos ao que vêm nos ordenar, ou seja, que não sejamos zapatistas.

CASOS ESPECIAIS: os e as Anarquistas

Dada a campanha antianarquismo que estão fazendo as boas consciências e a esquerda bem comportada, unidas em santa cruzada à direita ancestral, para acusar jovens e velhos e velhas anarquistas de estarem desafiando o sistema (como se o anarquismo tivesse outra escolha), além de decompor suas cenografias (o negócio de apagar a luz é para não ver os anarquistas e as anarquistas?), e que é levada ao delírio, com qualificativos como “anarco-falcões”, “anarco-provocadores” “anarco-maconheiros”, “anarco-etcetera” (li até alguém que escreveu contra “anarco-anarquistas”, não é sublime?).

As zapatistas e os zapatistas não podemos ignorar o clima de histeria que, com tanta firmeza, demanda e exige que se respeitem os cristais (que não mostram, mas escondem o que se passa logo abaixo do mostrador: condiciones laborais escravistas, nenhuma higiene, má qualidade, baixo nível nutricional, lavagem de dinheiro, fraude fiscal, fuga de capitais).

Pois agora inventaram que todas as falcatruas mal dissimuladas, chamadas “reformas estruturais”, a exploração do trabalho do magistério, a venda em liquidação do patrimônio da Nação, o roubo que o governo perpetra contra os governados com os impostos, a asfixia fiscal – que só favorece os grandes monopólios – que tudo é culpa dos anarquistas.

Que gente de bem já não sai às ruas para protestar (olhe aqui: aí estão as marchas, as manifestações, os acampamentos, os bloqueios, os cartazes, os panfletos). Sim, mas não são de professores/professoras-transportistas-ambulantes-estudantes-ou-seja-de-pobres-do-interior-da-província, digo, só gente bem do DF. – Ah, a mítica classe média, tão cortejada e ao mesmo tempo depreciada e roubada por todo o espectro mediático e político, que a esquerda institucional também despoja de todos os espaços de manifestação, que o “único opositor ao regime” foi outra vez encoberto pelos sem nome uma e outra vez, e que a imposição arbitrária chama-se agora “diálogo e negociação”, que o assassinato de migrantes, de mulheres, de jovens, de trabalhadores, de crianças, que tudo é culpa dos anarquistas.

Aos que militam e reivindicam-se como da bandeira “A” [de anarquistas], bandeira sem nação e sem fronteiras, e que são parte da SEXTA, mas que realmente militem e não sejam só uma moda de vestir ou de calendário, temos, além de um abraço companheiro, um pedido especial:

Compás Anarquistas: nós, os zapatistas, nós as zapatistas, não vamos culpar vocês das nossas deficiências (incluída a falta de imaginação), nem vamos fazê-los responsáveis pelos nossos erros e muito menos vamos persegui-los por serem quem são. E conto que vários convidados em agosto cancelaram a visita, porque, disseram, não podiam dividir a aula com “jovens anarquistas, vestidos de trapos, punks, descabelados e cobertos de tatuagens”, que esperavam (os que não são nem jovens, nem anarquistas, nem andrajosos, nem punks, nem descabelados nem cobertos de tatuagens) desculpas e que se depurassem os registros. Continuam esperando inutilmente.

O que queremos pedir a vocês é que, no momento em que se registrarem, entreguem um texto, máximo de um quarto de página de extensão, no qual respondam às críticas e acusações que lhes são feitas pelos jornais pagos. Esse texto será publicado numa sessão especial de nossa página eletrônica e numa revista-fanzine-como-se-diz que aparecerá proximamente no mundo mundialmente mundial, dirigida e escrita por indígenas zapatistas. Será uma honra para nós que, no nosso primeiro número, a palavra de vocês apareça junto à nossa.

Certo?

Sim, sim, podem encher o quarto de página com uma só palavra que cubra todo o espaço: algo como “MENTEM!” Ou algo mais extenso como “Lhes explicaria o que é o Anarquismo, se supusesse que entenderão”, ou “O Anarquismo é incompreensível para os anões de pensamento”, ou “As transformações reais aparecem primeiro em letra vermelha”, ou “Cago para a polícia do pensamento”, ou a seguinte citação do livro Golpes y Contragolpes de Miguel Amorós:

“Todo o mundo deveria saber que o Black Bloc não é uma organização, mas uma tática de luta de rua semelhante à kale borroka [“luta de rua”, em basco]”, que uma constelação de grupos libertários, “autônomos” ou alternativos vinha praticando desde as lutas dos squats (“okupaciones”) nos anos 80s em várias cidades alemãs”.

E agregar algo como “se vão criticar alguma coisa, primeiro estudem bem. A ignorância bem redigida é feito uma imbecilidade bem pronunciada: é igualmente inútil”.

Enfim, tenho certeza de que não lhes faltarão ideias.

TERCEIRO – Uma notícia não tão má: lembro a todos as datas e a forma de pedir seu convite e registro:

Data do segundo turno da escolinha:
Registro: 23 e 24 de dezembro de 2013.
Aulas de 25 de dezembro até 29 de dezembro desse ano. Saem dia 30.

E os que queiram ficar para a festa dos 20 anos do levante zapatista, para festejar e recordar o amanhecer do dia 1º de janeiro de 1994, com festa dia 31 de dezembro e dia 1º de janeiro.

Data do terceiro turno da escolinha:
Registro: dias 1º e 2 de janeiro de 2014.
Aulas de 3 de janeiro a 7 de janeiro de 2014.  Saem dia 8 de janeiro de 2014, voltando cada um aos seus rincões.

Para pedir seu convite e registro, envie mensagem para:


QUARTO – Outra notícia não tão má é que se supunha que eu abrisse essa etapa com texto muito diferente, saudando nossos mortos e nossas mortas, o Subcomandante Pedro, a Tata Juan Chávez, a Chapis, os infantes da guardería ABC, aos professores em resistência, e com um conto de Durito y el Gato-Perro. [Assista a seguir]


Mas como me disseram que urgia o assunto das contas e a ratificação das datas, fica para outra hora. Como sempre: o urgente não deixa tempo para o importante. Assim, todos se livraram de ler sobre coisas que não são “transcendentes-para-a-presente-conjuntura”... Por enquanto.

Valeu. Saúde e, criando-o ou não, o mundo é maior que a manchete mais escandalosa. Questão de abrir o passo, o olhar, o ouvido... e o abraço.

Das montanhas do Sudeste Mexicano.

Subcomandante Marcos.
Conselheiro da Escolinha e encarregado de dar más notícias.
México, novembro de 2013.

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P.S. - Escute e veja os vídeos que acompanham este texto:

Kenny Arkana com esse RAP intitulado “V pour Verités” (“V de Verdades”). Numa parte diz: “benditos sejam os que se interpõem, os que constroem outra coisa”.



Fragmento do filme “V de Vingança” sobre a relação entre o medo e a obediência, e outra forma de entender as palavras “justiça” e “liberdade”.



Pedro Infante com a canção “Yo soy quien soy” [Sou quem sou], de Manuel Esperón e Felipe Bermejo, no filme La Tercera Palabra com Marga López, Sara García e Prudencia Grifell, 1955, dirigida por Julián Soler. Meto-os aí só para chatear os que nos querem fazer a seu modo e à sua moda.


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[*] Subcomandante Marcos (Tampico, Tamaulipas, 19 de junho de 1957) é o porta-voz do movimento zapatista no sudeste mexicano. O “Subcomandante Marcos”, é o principal porta-voz do comando militar do grupo indígena mexicano chamado Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que fez a sua aparição pública em 1º de Janeiro/1994, quando os militares lançaram uma ofensiva na qual conquistou seis municípios, no sulino estado mexicano de Chiapas, exigindo democracia, liberdade, terra, pão e justiça para os índios.

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