segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Conflicts Forum - Comentário da semana de 27/12/2013 até 3/1/2014

10/1/2014, [*] Conflicts Forum
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

François Hollande, Presidente da França, visitou o Rei Abdullah da Arábia Saudita em 29/12/2013 quando foi receber o "presente" de US$ 3 bilhões 
Eventos graves e preocupantes no Líbano: um presidente (Suleiman) que luta ansiosamente pela re-eleição (eleições previstas para maio); o “aviso”, pelo rei Abdallah ao presidente Suleiman, que o exército libanês deve atacar o Hezbollah (retaliação pela intervenção na Síria); o “presente” de US $3 bilhões à França, pelo rei saudita, para armar o exército libanês com armas francesas; e um presidente que conclui o discurso em que anunciou o “presente”, cantando “viva o Exército [do qual foi comandante], viva a Arábia Saudita e viva o Líbano!”.

E, noutra trilha, alertas de iminente deterioração das condições de segurança, emitidas pela liderança do Hezbollah (instruídas, muito provavelmente, pelo próprio serviço de inteligência); o assassinato de um ex-ministro (moderado!) do Movimento 14 de Março; ataque ao mufti (sunita) do Líbano, quando apresentava condolências no funeral de um jovem morto no atentado que vitimou o ministro (à frente de uma mesquita sunita), por membros do Movimento 14 de Março e radicais sunitas que o acusavam de traição (porque apoia o diálogo nacional); acusações (sem provas) contra Síria e Hezbollah de responsabilidade no assassinato de jornalistas e políticos; discursos de que o Movimento 14 de Março teria agora de deixar o poder; e uma declaração, do próprio presidente do Líbano, de que, sim, deseja formar um governo “de fato” sem a participação do Movimento 8 de Março (o presidente detinha a maioria num – já defunto – Parlamento), como precondição imposta pela Arábia Saudita em troca da doação dos $3 bilhões. E novas explosões de carros-bomba.

A linguagem sectária é incendiária; a polarização, óbvia: estará o Líbano alcançando o ponto de ignição, como antes dele, a Síria? O que se deve inferir do que está acontecendo no Líbano? Estarão as brasas da guerra à distância de sauditas-xiitas começando a incendiar em chamas, em total conflito sectário em toda a região (como as áreas de Fallujah e Anbar no Iraque, que já caíram, presas de movimentos· que esposam a “ideia” al-Qaeda, e 45 membros sunitas deixaram o Parlamento)?

Poucos na região diriam que o risco de conflito sectário está sendo exagerado, mas o que está acontecendo no Líbano tem, necessariamente, de ser analisado em contexto.

Hossein Mousavian
Quando Hossein Mousavian (ex-negociador nuclear iraniano e presidente da Comissão de Relações Exteriores do Conselho Nacional de Segurança do Irã, hoje professor em Princeton) em debate com o príncipe saudita Turki, no recente Diálogo de Manama, disse – clara e firmemente – que a tentativa do Golfo, de estrangular o “renascimento” do Irã, havia fracassado, muitos dos presentes ficaram chocados. Estava dizendo que o ponto de virada na luta para definir o futuro da região já fora superado e já era passado. (O príncipe Turki, é claro, discordou).

Contudo, se se considera a região, é claro que o governo sírio, nas últimas semanas, está rapidamente consolidando sua posição militar. A circunstância em Damasco, hoje, é muito diferente da que se tinha há algumas semanas (como o comprovaram visitantes que estiveram na cidade, em conversa conosco). É verdade que, num nível, as animosidades sectárias (particularmente as sauditas) alcançaram novos píncaros em toda a região. Mas está surgindo um fator novo – até aqui subavaliado: os sunitas absolutamente não estão unidos. Muitos temem, abominam, os salafistas e jihadistas que estão aparecendo na região empurrados pelo apoio oficial e privado do Golfo.

Chama a atenção, por exemplo, que o presidente Assad, em reunião com líderes sunitas na Síria está conseguindo atraí-los para uma guerra explicitamente formatada contra o wahhabismo e o salafismo, dizendo que essas seitas são uma distorção do Islã! Seria absolutamente impensável há um ano. Haverá ranger de dentes no mundo sunita.

Mas a maré está mudando, e a maioria silenciosa sunita está farta de extremistas e ideólogos (de todas as bandeiras), e só quer voltar à “normalidade” e a alguma segurança humana básica. É verdade no Líbano, como é verdade no Iraque, onde os sunitas também estão profundamente divididos, temendo o advento de tribunais “itinerantes” de aplicação da Xaria; a arbitrariedade caricata de imãs jihadistas locais; as mutilações e degolas promovidas por aqueles personagens vastamente ignorantes do que é a Lei Islâmica. As pessoas estão cansadas disso.

Os xiitas entendem que a Arábia Saudita obra para erguer o espectro de um conflito xiita-sunita generalizado. Mas nem os xiitas acreditam que a Arábia Saudita tenha capacidade suficiente, ou que seja suficientemente dura (ou ignorante) para ter sucesso na empreitada.

Michael Mullen
E o professor Mousavian não é o único que disse que a luta já ultrapassou o ponto de virada. Em recente briefing a políticos e funcionários do governo dos EUA, o recentemente aposentado ex-diretor da CIA, Michael Mullen, disse também, sim, que os sauditas erraram gravemente ao interpretar a posição dos EUA, e pressupor que os EUA os apoiariam incondicionalmente, “numa guerra que jamais poderiam vencer”. E um diplomata norte-americano, com vasta experiência na região, disse que “por hora, tudo indica que os senhores Assad, Nasrallah e Solimani venceram”.  

À maneira paradoxal das guerras, o Hezbollah, a Síria e o Irã estão agora conseguindo mobilizando os sunitas comuns em torno de uma plataforma anti-wahhabista, e descobrem que, tacitamente, todos partilham um interesse comum com os estados ocidentais: combater o jihadismo.

Essa virada dramática no mundo real é fonte de considerável confusão e muita consternação nos EUA e na Europa.

Habituados e condicionados por tanto tempo a elogiar a Arábia Saudita, sem dar qualquer atenção às relações ambíguas dos sauditas com movimentos sunitas radicais e ao papel dos sauditas na evolução daquela ideologia, EUA e Europa descobrem-se de repente já abraçados no mesmo leito com Irã e Síria, no que tenha a ver com ‘'a grande questão'’ do Oriente Médio (o crescimento do jihadismo). Isso é fonte de terrível consternação.

E quanto ao Líbano? Se se considera esse pano de fundo mais amplo, os eventos no Líbano apontam para mais desespero, que para alguma política ou estratégia efetiva.

Primeiro, porque, no Líbano, o mofado modelo ocidental de governo de “o vencedor leva tudo” é, simultaneamente, inconstitucional e em larga medida também impraticável. O Líbano jamais viveu sob arranjo desse tipo. A Constituição, para o bem ou para o mal, exige que os grupos religiosos partilhem o poder. Em todos os casos, para todos os grupos e seitas, e por lei, a exclusão de qualquer grupo religioso, que seja impedido de participar do governo, torna o governo ilegal. Será muito difícil para o presidente Suleiman levar adiante essa iniciativa. E já está suficientemente claro que, se insistir, sob o argumento de “proteger o governo”, enfrentará resistência feroz (por exemplo, também dos maronitas). É muito provável que o presidente tenha de desistir.

Em segundo lugar, o Parlamento – cujo mandato expirou, mas foi autoampliado, além da data prevista em lei – dificilmente daria um voto de confiança a arranjo tão viciado (o qual, leve a governo “tecnocrático” ou “neutro”, só tem, por objetivo, em todos os casos, opor-se ao Hezbollah). Sequer novas eleições – sob a hipótese remota de que se chegue a algum novo acordo geral sobre como realizá-las – oferecem melhor via para garantir um voto de confiança parlamentar. E, sem isso, nenhum governo terá legitimidade (o apoio eleitoral com que contava o Movimento 14 de Março evaporou em suas bases eleitorais em Sidon e Tripoli; assim, nada mais duvidoso que a maioria parlamentar).

Em terceiro lugar, o exército libanês é uma instituição nacional. Teve de ser cuidadosamente reconstruído, depois de ter sido desintegrado durante a guerra civil libanesa, sob a pressão de diferenças sectárias. Mover o exército nacional na direção de atacar um determinado grupo religioso será promover a fragmentação e a destruição, outra vez. Além do mais, os políticos libaneses sempre tendem a preferir a direção na qual sopram os ventos. Com os próprios norte-americanos a dizer que é possível que o presidente Assad permaneça onde está ainda por muito tempo, a maioria dos políticos libaneses tenderá a seguir o vento ocidental que ajuda Assad (vide Jumblatt), em vez de deixar que as próprias velas se enviesem com alguma súbita rajada de vento à moda Bandar. Em resumo: continuarão a esperar o resultado na Síria e o que surja da luta regional, antes de fechar todas as saídas.

Em síntese, é duvidoso que o povo libanês (com as exceções de praxe) tenha algum apetite pela divisão dos próprios cidadãos – nem as classes médias sunitas têm estômago para esse tipo de violência. A volta dos carros-bombas está realmente assustando os libaneses, e os faz relembrar episódios sombrios da história do Líbano, mas a responsabilidade comprovada pelo recente surto de violência permanece indefinidae é provável que, como em casos passados, assim permaneça.

Bandar bin Sultan
Mas a “estratégia” do chefe da inteligência saudita, príncipe Bandar, é clara: ele e “alguns” no Movimento 14 de Março esperam, muito provavelmente, que, instigando uma atmosfera de conflito sectário iminente depois dos recentes assassinatos; promovendo um “assalto ao poder”, pelo Movimento 14 de Março; e prometendo que o exército se realinhará na posição de “conter o Hezbollah”, eles empurrarão o Hezbollah na direção de uma segunda tomada defensiva de Beirute, como em 7/5/2008, o que, por sua vez, desacreditaria o Hezbollah e forçaria sua retirada da Síria (pela necessidade de concentrar sua força operacional no próprio Líbano e gerir a crise resultante).

É altamente improvável que o Hezbollah morda essa isca: o comprometimento do Hezbollah na Síria é relativamente pequeno; e o movimento sempre cuidou atentamente de preservar, na reserva, o núcleo duro de sua força de combate – contra um possível ataque israelense. Além disso, há já tempo considerável o Hezbollah prepara-se para o caso de crise doméstica que venha a exigir atividade simultânea em dois fronts.

Essa “tática” de Bandar, se (se!) for bem-sucedida (o que é improvável), pode dar alguma pequena vantagem a Bandar na guerra na Síria (a retirada do Hezbollah e o apoio libanês oficial ao Conselho Nacional Sírio). Mas Bandar erra ao superestimar a importância da contribuição militar do Hezbollah na Síria. Alguma retirada forçada do Hezbollah, caso aconteça, não alterará, só ela, o curso da guerra na Síria – cujos rumo e fluxo não estão fluindo a favor do príncipe Bandar.

O resultado mais provável dessa intervenção é que o Líbano deslizará para um pouco mais longe de conseguir governança efetiva no futuro próximo, e o já super distendido tecido do estado se distenderá ainda mais, aproximando-se mais do ponto de ruptura. A situação de segurança se deteriorará (vivem no Líbano pelo menos 1,2 milhão de refugiados sírios, muitos dos quais - estimados 40% estão armados –desesperados). Mesmo assim, o mais provável é que o Líbano evitará a luta civil. Mesmo que o presidente não tenha quem o substitua em maio, o que levará a completo vácuo de governança, o exército tem-se preparado para essa eventualidade, e crê ter base legal suficiente para evitar o total colapso. Não é futuro feliz para o Líbano, mas a responsabilidade pela infelicidade deve ser atribuída a quem tem indiscutível potencial para promover rompimentos, mas confunde ter força, com ter estratégia viável.

Os eventos no Líbano são sinal de desespero [dos sauditas], não de alguma realpolitik consequente. E reforçam a impressão de que a Arábia Saudita já sabe subconscientemente, que está perdendo essa guerra.





[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no mundo.

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