terça-feira, 7 de janeiro de 2014

EUA: A anarquia à moda Bernanke vai continuar

7/1/2014, [*] Noureddine Krichene, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

(Entreouvido no quisque da Pregafrôxa na Vila Vudu: Esse Nuridini é analista tão isento quanto quarqué vilas, manholis, sardimburgs ou wackas, ora bolas!).

Ben Bernanke, o destruidor do sonho neoliberal
Pesquisa recente da ONG Transparência Internacional põe a Somália no topo do ranking da corrupção no mundo. Engraçado. A Somália lá está, no topo, pelo menos em parte, por causa da ação de pirataria dos piratas somalianos.

Pirataria é confisco de riqueza mediante força bruta. Imprimir dinheiro falso também é confisco de riqueza, e fraudes financeiras em geral, também. Bernie Madoff foi condenado a dez anos de cadeia, exclusivamente porque fraude financeira é crime; as vítimas de Madoff perderam o dinheiro que haviam confiado a Madoff. Pois mesmo apesar disso tudo, o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke que agora se prepara para deixar o cargo, imprime mensalmente US$85 bilhões, dinheiro que, de fato, ele tira da cartola, e essa “mágica” é considerada virtude – por mais que seja confisco forçado de riqueza. Dá à coisa nome de “estímulo” econômico, porque, segundo os mágicos, faria avançar a economia e todos estaríamos andando na direção do pleno emprego, cá nos EUA.

Bernanke deixa o posto no final desse mês, depois de anos de destruição, durante os quais só fez avançar o caos financeiro, o desemprego em massa, a inflação, o confisco de riqueza e a miséria, nos EUA e noutros locais.

Os EUA viviam em grande prosperidade antes de Bernanke fazer de nós país de desolação. Seu turno como propositor de políticas e presidente do Fed ficará na história como era de mentiras e de anarquia. Suas políticas monetárias não ortodoxas e taxas de juro quase-zero ajudaram a realizar os piores pesadelos do período do pós-Segunda Guerra Mundial; destruíram os bancos norte-americanos; e levaram a desvalorização da moeda para outros países industrializados.

Ignorando a Constituição dos EUA e agindo como se dinheiro fosse brinquedo de moleque, Bernanke reinou com poderes absolutos para destruir dinheiro. Comparando-se 2000, pouco antes de Bernanke passar a integrar o grupo de diretores do Fed em 2002, e 2013, vê-se logo que Bernanke muito mereceu o título de “Helicopter Ben” [ganhou o apelido quando disse que “jogaria dinheiro de helicóptero em Wall Street para evitar a repetição do desastre dos anos 1930s” (NTs)]. O crédito do Fed subiu, de US$0,5 trilhão para $4 trilhões (foi multiplicado por 8). A dívida pública dos EUA chega hoje a $17 trilhões; era de $3,4 trilhões, antes de ele chegar ao Fed. O barril de petróleo custa hoje $100; antes, custava $18; o ouro subiu, de $250 para $1.300 a onça. A comida custa hoje, no mínimo, quatro vezes mais cara. Os preços de ações bateram todos os recordes em 2013. Mas a renda per-capita real é hoje, nos EUA, muito menor que em 2000. Eis a herança de caos que Bernanke deixa ao país.

"Helicopter Ben"
Bernanke crê numa teoria que estipula que “jogar dinheiro (de helicóptero)” seria o segredo da prosperidade e do pleno emprego. Tão alucinada é essa teoria, que causou susto, nos EUA, entre políticos e acadêmicos. E é falácia de tal magnitude, que muitos anos de injeção de vastas quantidades de dinheiro na economia ainda não nos fizeram chegar nem perto do pleno emprego; só se vê caos.

Se a tal teoria fosse correta, o pleno emprego seria quase instantâneo. Ao contrário de ciências nas quais as relações são exatas, pode acontecer de teorias econômicas jamais serem confirmadas por fato algum. Em ciências exatas, há uma relação imutável entre a temperatura e a expansão do mercúrio, por exemplo, o que nos permite medir temperaturas com precisão. Na economia, não há tal relação exata entre juro zero e pleno emprego. Se tal relação existisse, Bernanke teria chegado ao pleno emprego já há muitos anos.

A única coisa que fez foi encorajar a especulação intensiva com patrimônio, o que criou desordem financeira e empobrecimento. Claro que, nisso, Bernanke não está sozinho – muitas teorias econômicas ditas exatas por seus proponentes, como o comunismo e o keynesianismo, falharam miseravelmente e geraram desastres onde foram aplicadas. Agora se pode acrescentar o bernankismo a essa lista de teorias desonradas.

Quando os piratas somalianos obtêm dinheiro de resgate por navio que tenham sequestrado, não há dúvidas de que esse dinheiro fará aumentar a demanda por bens e serviços entre os piratas; e reduzirá a demanda por bens e serviços entre os que tenham sido sangrados para pagar o resgate. O emprego de pirata é incerto e a própria pirataria tem a ver exclusivamente com redistribuição de riqueza – não com criação de riqueza.

É a parábola da janela quebrada: a necessidade de gastar dinheiro para instalar uma nova janela reduzirá a demanda por outros bens. A simples teoria do comércio afirma que um agricultor troca trigo por sapatos: nesse caso há criação de valor e de riqueza. O agricultor precisa dos sapatos, e o sapateiro precisa de trigo; criam-se empregos, porque o trabalho do agricultor é trocado pelo trabalho do sapateiro. Na fraude de Bernanke, como na pirataria dos somalianos, quem recebe o dinheiro ganha riqueza, mas sem que qualquer trabalho tenha sido trocado por trabalho; claro que, nem a fraude de Bernanke, nem a pirataria criam empregos. Nos dois casos, alguém está ganhando sapatos e trigo sem qualquer trabalho. Ainda que a criação de trabalho fosse virtuosa, nem a fraude de Bernanke nem a pirataria podem ser toleradas, nem criam empregos.

O dinheiro que Bernanke joga “de helicóptero” não é maná caído do céu. Bernanke tinha poder para confiscar, mas tinha poder-zero para criar riqueza. Fabricar dinheiro “do nada”, é redistribuir dinheiro em estado puro. Bernanke injetou perto de $3,5 trilhões. Mas não criou um grama de trigo nem criou um pé de sapato.

Ben Bernanke imprime SEM LASTRO US$ 85 bilhões por mês (Quantitative Easing)
Inconstitucionalidade flagrante!
A jogada, aí, é jogo de soma zero: há os que se beneficiam da riqueza ampla, total e irrestrita (efeito estímulo) e há os que só perdem (efeito desolação). O dinheiro do helicóptero de Bernanke nada fez na direção do pleno emprego; em vez disso, criou inflação de dois dígitos desde 2002 – por mais que Bernanke diga que não há inflação.

Pior, a montanha de dinheiro despejado “de helicóptero” pressionará fortemente a inflação, por muitos anos à frente.

A inflação beneficia alguns grupos e pesa dolorosamente sobre outros grupos. Ações subiram 30% em 2013 num contexto de economia aleijada, excessivos déficits fiscal e externo e desemprego em massa. Essa inflação de preços teria sido impossível, sem o dinheiro “de helicóptero” de Bernanke. Indica furiosa transferência de riqueza mediante o preço de ações que excedem em muito o PIB dos EUA.

Barack Obama
O presidente Barack Obama pode até estar indignado com a desigualdade de renda nos EUA – mas não está absolutamente preocupado com a massiva transferência de renda à moda Bernanke, em favor de alguns sortudos beneficiários e à custa de muitos infelizes que só perdem e perdem. Como num sistema feudal, a riqueza tornou-se monstruosamente concentrada via confisco, não pela geração.

Comprando hipotecas, Bernanke tornou-se o maior comprador de casas nos EUA, o que elevou o preço da moradia em 14% em 2013. Para os políticos, não é inflação... apesar de essa elevação ser impossível sem as taxas de juros quase-zero, de Bernanke. Eles chamam a coisa de “forte” recuperação do setor de moradias – apesar de outra “forte” recuperação, semelhante à atual, em 2003-2008, ter levado a milhões de despejos. A recuperação da moradia à moda Bernanke intensificará a especulação, tornará impossível a casa própria e aumentará dramaticamente a arrecadação de impostos sobre a propriedade, com os proprietários vendo suas casas reavaliadas e os impostos a pagar aumentando ao ritmo de taxas de dois dígitos.

Bernanke e seus apoiadores não dão a mínima, à lei constitucional; decidiram independentemente, totalitariamente, quanto dinheiro inventar, a taxa de juros, os preços de patrimônio e de commodities. Foram obcecadamente doutrinários. Creram, com fé de fanáticos, que destruir o dólar norte-americano seria a chave para o pleno emprego e a prosperidade, por mais desastres que sua política provocasse, dois dos quais, e nem foram os maiores desastres, foram o colapso financeiro de 2008 e a subsequente grande depressão.

A Constituição dos EUA condena severamente o dinheiro sem lastro e só reconhece como dinheiro a prata e o ouro. Muitos eminentes cientistas alertaram contra a emissão de dinheiro à moda Bernanke. No início do século 16, o astrônomo Copérnico dedicou ao rei da Polônia o seu tratado Monetae Cudendae Ratio [Proporção da cunhagem da moeda], [1] que abre com essa declaração ampla:

Nicolau Copernico
Apesar de serem inúmeros os desastres que causam a decadência dos reinos, principados e repúblicas, penso que os mais importantes são estes quatro: a discórdia, a mortalidade, a esterilidade da terra e a desvalorização da moeda. Os três primeiros são tão evidentes, que ninguém ignora que assim é; mas o quarto, o que tem a ver com a moeda, poucos, só os mais sensatos, se preocupam com ele. Isso, porque destrói as repúblicas, não de repente, mas aos poucos, por certo mecanismo que age escondido. (p.103).

(...) Bernanke e seus apoiadores, loucos por inventar dinheiro “do nada”, arruinaram o pleno emprego e o crescimento nos EUA. Se os EUA não tivéssemos sido tungados pelas falácias de Bernanke, teríamos preservado o pleno emprego. Melhor ainda: nem a crise financeira de 2008 teria acontecido.

Bernanke conseguiu travar os EUA em sua taxa de juro quase-zero, queimando dinheiro e fraude massiva; assim ficaremos ainda por muito tempo, por décadas! O pleno emprego tão buscado por Bernanke e apoiadores é louvável, sim. Infelizmente, o dinheiro não foi inventado para ser ferramenta de políticas. Dinheiro é meio de troca. A relação entre dinheiro e emprego é distante e irrelevante. Pior, e sobretudo: criar dinheiro do nada é taxação sem representação.

Bernanke promoveu sua destruição da moeda com pleno apoio e sob os cuidados do Congresso dos EUA. Senadores e deputados norte-americanos firmemente acreditam no absurdo by Bernanke de que taxas de juro-zero “geram” pleno emprego, apesar de, por anos e anos e anos, essa relação jamais se ter materializado.

Agora, firmemente aderido aos absurdos de Bernanke, o presidente Obama indicou Janet Yellen, apoiadora obcecada de Bernanke, que essa semana foi confirmada para sucedê-lo como nova presidenta do Fed e levar avante as falácias de Bernanke.

E com Janet Yellen a "Farra-do-Dólar" vai continuar...
O futuro será mera extrapolação do passado: inflação e mais inflação, como efeito retardado da gigantesca fabricação de dinheiro, mais especulação e mais instabilidade. As falácias de Bernanke prevalecerão ainda por décadas, até que o dólar seja completamente extinto.

Moedas hiper-inflacionadas desaparecem quando ninguém mais se interessa por elas e muita gente deixa de aceitá-las. Passarão gerações antes que percebam que pirataria ‘legal’ de Bernanke, vale dizer, a fraude financeira, não é via que leve nem ao pleno emprego nem ao crescimento. Quanto mais engodo e mais inflação, mais cresce a especulação; e mais a depressão ataca a economia.

Nota dos tradutores
[1] COPÉRNICO, Nicolau. Sobre a moeda. [1526] Curitiba: Segesta, 2004, 117p.
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[*] Noureddine Krichene é economista com Ph.D. pela U.C.L.A. e autor de Islamic Capital Markets: Theory and Practic (London: Wiley, 888 pp., jan. 2013, ISBN: 978-1-118-24713-6). Lecionou finanças islâmicas na Global University, INCEIF, na Malásia, e foi um economista do International Monetary Fund Economist Program 1986-2009. De 2005 a 2007, foi assessor do Islamic Development Bank da Arábia Saudita. Suas áreas de especialização são o sistema de pagamentos internacionais, as políticas macroeconômicas, finanças, energia e economia da água. Foi assessor econômico do governo da Arábia Saudita. 



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