quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A Diplomacia da Mudança de Regime

10/2/2014, [*] Eric Draitser New Eastern Outlook
Traduzido por João Aroldo

A gravação recentemente divulgada da secretária-assistente de Estado dos EUA, Victoria Nuland, conspirando com o embaixador dos EUA para a Ucrânia para a fabricação de um novo governo no país revelou como os EUA se intrometem diretamente nos assuntos de nações soberanas. No entanto, ao invés de um incidente isolado, este episódio é parte de uma rica história de “diplomacia” dos EUA como um meio de mudança de regime.

Victoria Nuland                                               Geoffrey Pyatt
Na quinta-feira, 06 de fevereiro de 2014, veio à tona uma conversa telefônica gravada entre a secretária de Estado dos EUA, Victoria Nuland, e o embaixador dos EUA para a Ucrânia, Geoffrey Pyatt. Durante este telefonema, os dois discutem uma série de questões, incluindo como eles gostariam que o novo governo da Ucrânia fosse constituído, incluindo papéis específicos para os líderes da oposição. A gravação põe a nu o fato de que, apesar da retórica da “democracia” e “autodeterminação”, a intenção de Washington na Ucrânia é utilizar a crise política como um meio de fabricação de um governo favorável aos interesses ocidentais e abertamente hostis a Moscou.

Durante a conversa, Pyatt afirma:

Estamos tentando fazer uma leitura muito rápida de onde ele [Klitschko] está nesta coisa... [Uma ligação para Klitschko] é o próximo telefonema que queremos fazer... Estou feliz por você colocar [Yatsenyuk] no local onde ele se encaixa neste cenário.

Nuland responde, dizendo:

Eu não acho que Klitsch[ko] deva ir para o governo... Eu não acho que seja uma boa ideia... Yats[enyuk ] é o cara, ele tem experiência...

Este pequeno trecho do telefonema ilustra muito claramente que, ao invés de simplesmente apoiar a oposição, Nuland e seus superiores em Washington estão gerenciando-os diretamente para fins de fabricação de um governo de sua escolha. Além disso, ele demonstra o fato ineludível de que, apesar de toda sua retórica sobre “democracia”, a administração Obama, como as administrações anteriores, usa isso apenas como uma cobertura para uma agenda de mudança de regime projetada para vantagem geopolítica.

Embora muitos observadores políticos e analistas já saibam há décadas que os EUA usam essas táticas, ainda há muitos na classe política e mídia corporativa ocidental que se recusam a reconhecer esse fato, descartando-o como mera “especulação”.

O telefonema vazado mostrou conclusivamente, por meio de provas concretas incontestáveis, que os Estados Unidos manipulam cinicamente movimentos políticos e sociais internacionalmente.

Países Diferentes, mesma estratégia

Em todo o mundo, os Estados Unidos usaram a diplomacia como um disfarce para a desestabilização de governos que consideram hostis. Um exemplo particularmente flagrante são as repetidas tentativas de derrubar o governo do presidente Mugabe e seu partido ZANU-PF no Zimbábue. Washington tem apoiado há tempos o queridinho dos EUA, Morgan Tsvangirai e seu partido de oposição, conhecido como Movimento para a Mudança Democrática (Movement for Democratic Change - MDC-T), por causa de sua vontade de implementar o que é chamado eufemisticamente de “liberalização econômica” - linguagem cifrada para a colaboração com o capital financeiro neoliberal - bem como a sua dedicação para minar o governo aliado à China de Mugabe.

Robert Mugabe, Presidente do Zimbábue e Xi Jinping, hoje Presidente da Chna em 16/11/20011
Em 2010, o WikiLeaks divulgou telegramas diplomáticos entre o ex-embaixador dos EUA no Zimbabwe Christopher Dell e seus superiores em Washington. Os telegramas revelam como os Estados Unidos têm trabalhado e preparado a mudança de regime no Zimbábue ativamente. O Embaixador Dell escreveu que:

Nossa política está funcionando e está ajudando a causar mudanças aqui. O que é necessário é simplesmente a coragem, determinação e foco para conseguir isso. Então, quando finalmente vierem as mudanças, nós temos que estar prontos para agir rapidamente para ajudar a consolidar a nova distribuição... Ele [o Sr. Tsvangirai] é o elemento indispensável para a mudança de regime, mas vai ser, possivelmente, uma pedra no sapato, uma vez no poder.

Os telegramas mostram a íntima relação de trabalho que existe entre a chamada oposição e seus apoiadores ocidentais. Embora isso não seja segredo no Zimbábue, isso é novidade para muitos no Ocidente que têm sido exaustivamente levados a acreditar que o MDC-T e Tsvangirai representam mudanças substanciais e um movimento em direção a mais democracia. Infelizmente, o Zimbábue não é o único alvo dos EUA para a mudança de regime sob o pretexto de “democratização”.

A Venezuela se tornou um alvo principal de mudança de regime dos EUA quando Hugo Chávez foi eleito presidente. Corretamente visto como uma séria ameaça para a hegemonia política e econômica dos EUA na Venezuela e em toda a América Latina, Chávez e seu governo socialista bolivariano foi o alvo de uma série de estratégias que visam a desestabilização e/ou derrubada. Além do golpe que temporariamente (por uma questão de horas) depôs Chávez e colocou em seu lugar um governo de direita apoiado e reconhecido pelos Estados Unidos, Washington fez uma série de tentativas de mudança de regime com uma vasta rede de ONGs e outras organizações financiadas de fora do país.

Simon Bolívar e Hugo Chávez
Em um telegrama diplomático divulgado pelo WikiLeaks, o ex-embaixador dos EUA na Venezuela, William Brownfield, detalhou as inúmeras formas com que os EUA estavam tentando se infiltrar na base política dos partidários de Chávez para criar divisões que poderiam ser exploradas para destruir o movimento bolivariano. Brownfield explicou em detalhes como os Estados Unidos utilizaram a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (United States Agency for International Development - USAID), o Escritório de Iniciativas de Transição (Office of Transition Initiative- OTI) e outras organizações para distribuir fundos e prestar assistência técnica a uma variedade de ONGs que estavam trabalhando ativamente contra o governo eleito de Chávez.

Como prova desse compromisso contínuo, basta dar uma olhada num artigo do Council on Foreign Relations escrito pelo ex-embaixador dos EUA na Venezuela, Patrick Duddy em que ele apresenta uma série de cenários para a desestabilização do governo de Chávez, na sequência das eleições de 2012. Um dos cenários mais sinistros envolveu o uso de violência nos dias após a eleição como um meio de deslegitimar os resultados. Isto é precisamente o que aconteceu, embora Chávez e seu partido tivessem sido capazes de manter o controle. Além disso, é um segredo aberto na Venezuela que a oposição Mesa de la Unidad Democratica (MUD) é apenas um fantoche da Câmara de Comércio norte-americana e de outros interesses dos EUA e que seu candidato Henrique Capriles é meramente um representante de Washington.


A Venezuela certamente não foi a única nação latino-americana liderada por um presidente de esquerda carismático e popular alvo dos EUA para a mudança de regime. Bolívia e Equador estão ambos na lista de inimigos de Washington. Na verdade, o presidente boliviano Evo Morales deu o passo extraordinário de expulsar completamente a USAID, afirmando que:

(...) não havia falta de instituições norte-americanas, que continuam a conspirar contra o nosso povo e, especialmente, o governo nacional, e é por isso que vamos aproveitar a oportunidade e anunciar... que nós decidimos expulsar a USAID.

Morales destacou que os programas da USAID têm “fins mais políticos do que sociais”.

Apesar dos desmentidos vigorosos por funcionários da USAID e do establishment político dos EUA, há ampla evidência de suporte para as afirmações do presidente boliviano.

Assim como na África e América Latina, os EUA tentaram manipular a oposição política, para efeitos de mudança de regime na Rússia. Durante os protestos 2011-2012 contra o presidente russo, Vladimir Putin, vieram à tona acusações de que o embaixador dos EUA, Michael McFaul, estava envolvido na organização dos líderes da oposição e liderando o movimento nas sombras. Embora tanto o Departamento de Estado como o próprio McFaul negassem a acusação, vieram a público evidências que comprovaram as acusações. Em um vídeo viral no YouTube (logo abaixo), vemos Boris Nemtsov (copresidente do partido de oposição RPR-PARNAS) e outras figuras importantes da oposição saindo da embaixada dos EUA em Moscou depois de uma reunião com o embaixador dos EUA.


A relação entre a oposição russa e os EUA pode ser vista a partir de tais associações pessoais, mas também em termos de assistência financeira fornecida por órgãos dos EUA, como o National Endowment for Democracy (NED). Isso é, naturalmente, parte da agenda mais ampla dos EUA para desestabilizar o governo Putin e substituí-lo por um governo fantoche amigável aos EUA.

Estas revelações começam a pintar um quadro muito feio da política externa dos EUA com base na manipulação cínica das instituições supostamente democráticas. Usando uma variedade de táticas políticas e diplomáticas, Washington projeta seu poder em nações que considera ser “adversárias”.

Ao fazê-lo, os EUA se revelam hipócritas, na medida em que afirmam “promover a democracia” ao trabalhar ativamente para minar governos democraticamente eleitos em todo o mundo.
____________


[*] Eric Draitser é Analista independente de Geopolítica com sede em Nova Yorque e fundador do sítio Stop Imperialism. É colaborador regular de Russia Today, Counterpunch, Research on Globalization, Press TV, New Eastern Outlook e muitos outros meios de comunicação. Produz também podcasts disponíveis no iTunes e Stop Imperialism, bem como The Reality Principle, disponível exclusivamente no sítio BoilingFrogsPost.com. Visite StopImperialism.com e acesse todas as suas postagens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.