quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Parece que os EUA jogaram duro (e sujo) na Ucrânia

(e contra a União “Foda-se” Europeia)

24/1/2014, [*] Peter Lee, China Matters blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Catherine Ashton cumprimenta Yulia Timishenko ao final da reunião entre a
"nova cúpula" ucraniana e representantes da União Europeia, ontem, 25/2/2014.
Quando se falou de um acordo mediado pela União Europeia entre a oposição e o governo na Ucrânia, achei que Yanukovich conseguira escapar do tiro.

Nada disso.

Ao analisar as circunstâncias da queda de Yanukovich, é interessante examinar as maquinações de Victoria Nuland, neoconservadora do Departamento de Estado (casada com Robert Kagan), a qual, pelo que se vê, recebeu carta branca, de Obama, para fazer na Ucrânia o que lhe desse na telha.

Considere-se o seguinte:

Por trás do já famoso áudio de “Foda-se a União Europeia” vê-se o sentimento, nela, de que a União Europeia não estava suficientemente confrontacional, contra o governo ucraniano; sobretudo na questão das sanções.

Para saber o que seria considerado “suficientemente confrontacional”, considere-se a matéria da AFP de janeiro passado, exibida no canal Yahoo! Sports – porque o personagem, Rinat Akhmetov, é proprietário do mais bem-sucedido time de futebol da Ucrânia:

O homem mais rico da Ucrânia, Rinat Akhmetov, dono do clube de futebol Shakhtar Donetsk, está tendo influência, possivelmente decisiva, no impasse na Ucrânia entre forças de segurança e manifestantes.

Akhmetov é, há muito tempo, considerado o principal aliado do presidente Viktor Yanukovych. Financiou o Partido das Regiões, atualmente no governo, e que Akhmetov também representou como deputado, no Parlamento; e vem da mesma região a leste do (rio) Donetsk, a mesma base eleitoral do presidente.

Mas, numa virada possivelmente crucial, numa crise que gerava temores de um conflito civil prolongado, Akhmetov distribuiu, no sábado, uma declaração, em termos fortes, alertando que o uso da força contra manifestantes era inaceitável e que a única saída possível seriam negociações.

Rinat Akhmetov 
Poréééééém… 

... os motivos de Akhmetov para opor-se tão furiosamente à implantação de estado de emergência para pôr fim aos protestos podem não ter sido completa e perfeitamente altruístas.

Segundo o influente site de notícias Ukrainska Pravda, a secretária-assistente de Estado dos EUA Victoria Nuland, em dezembro, em visita à Ucrânia, manteve encontro secreto com Akhmetov em Kiev, no qual lhe disse que ele e outros ricos apoiadores do Partido das Regiões enfrentariam sanções da União Europeia e dos EUA, se a Polícia usasse força contra os “manifestantes”.

Para um empresário de reputação internacional e propriedades fora da Ucrânia, inclusive uma casa luxuosa em Londres, a ideia soou, com certeza, bem pouco interessante.

E há ainda muuuuuuuuuuuuuuuuuito mais, por favor:

Akhmetov controlava um grupo de pelo menos 40 deputados do Partido das Regiões, governante, no parlamento Verkhovna Rada.

Mas... O que aconteceu depois que a União Europeia negociara um acordo transicional, de partilha de poder, com o governo da Ucrânia?

Foi o fim da trégua. Acabou-se o cessar-fogo. O fogo recomeçou.

E como a trégua acabou e o fogo recomeçou? (Veja como, em No mínimo 70 manifestantes mortos em Kiev hoje:

Sem apoiar a trégua, “manifestantes” usaram coquetéis molotov e avançaram contra os policiais na 5ª-feira (20/2/2014) na capital da Ucrânia. Atiradores do governo revidaram os tiros e seguiu-se tumulto quase medieval que fez pelo menos 70 mortos e centenas de feridos, segundo um médico que participava do protesto..


A trégua anunciada no final da 4ª-feira (19/2/2014) pareceu não merecer confiança dos “manifestantes” linha dura. Um comandante de campo, Oleh Mykhnyuk, disse à AP que, mesmo depois da chamada “trégua”, os “manifestantes” continuaram a lançar coquetéis molotov contra os policiais antitumultos na praça. Ao raiar do dia a polícia recuou, os “manifestantes” perseguiram os policiais e os policiais atiram contra os “manifestantes”, segundo Mykhnyuk.

Deputados comemoram a "mudança de lado" de 15 colegas que se bandearam
Mas... e no Parlamento? O que aconteceu no Parlamento? Veja em: Thirteen more Party of Regions’ members leave parliamentary faction (trad. Mais 13 deputados das Regiões abandonam a coalizão parlamentar):

O vice-presidente do Parlamento ucraniano, Ruslan Koshulynsky anunciou que mais deputados haviam deixado o Partido das Regiões.

Citou Oleksandr Volkov, Yuriy Polyachenko, Vitaliy Hrushevsky, Volodymyr Dudka, Yaroslav Sukhy, Artem Scherban e mais um deputado, cujo nome Koshulynsky pronunciou de modo ininteligível; todos eles haviam deixado o Partido das Regiões.

Mais tarde, Koshulynsky anunciou os nomes de mais quatro deputados que haviam deixado o Partido das Regiões – Viktor Zherebniuk, Ivan Myrny, Hennadiy Vasylyev e Nver Mkhitarian. Mais tarde, acrescentou àquela lista os nomes de Larysa Melnychuk e Serhiy Katsuba.

O Partido das Regiões, pois, perdera 42 deputados, 28 na 6ª-feira (21/2/2014) e outros 14 no sábado (22/2/2014) .

Não sei se algum deles seria gente de Akhmetov. Seria interessante investigar. Seja como for, saíram deputados do Partido das Regiões em número suficiente para dar a maioria às forças pró-União Europeia e carta branca ao Parlamento para tomar outras iniciativas de “limpar” o campo, como impor o impeachment do presidente sem o devido processo legal, repudiar todas as revisões constitucionais (e reimpor a Constituição de 2004), e livrar Yulia Timoshenko da cadeia.

Yulia Timoshenko
Com olhos menos generosos, pode-se, sim, suspeitar que os EUA estimularam as manifestações e incentivaram os grupos a romper a trégua, apostando em que

(a) haveria violência e

(b) os gatos gordos que ainda apoiavam Yanukovich, como Akhmetov, logo abandonariam o barco, porque os EUA já os haviam informado de que o dinheiro deles depositado no ocidente seria congelado (sob sanções que os EUA imporiam imediatamente).

Se isso tiver acontecido bem assim, a União Europeia tem razões extras para sentir-se traída pelos EUA. Ao romper a trégua e o acordo de transição, Nuland demoliu Yanukovich e pôs na roda o preferido dos EUA, “Yats” – Arseniy Yatsenyuk. Mas ao custo de alienar definitivamente o segmento pró-Rússia da Ucrânia, segmento, deve-se lembrar, que realmente conseguira eleger Yanukovich em eleições livres e justas, há pouco tempo.

Em todos os casos, graças a uma interpretação “criativa” da Constituição ucraniana, o Parlamento, agora a favor do ocidente, autoconstituiu-se, ele sozinho, como o órgão primário e legítimo de governo, já nomeou novo primeiro-ministro e já marcou eleições para dezembro.

Dado que esse novo governo já nasce quebrado e precisando de cerca de $30 bilhões de novos empréstimos para chegar ao fim do ano, pode-se conjecturar que o ocidente não fez negócio, afinal, muito lucrativo. Mas parece que todos no novo governo estão alegremente dispostos a aceitar um pacote completo do FMI, graças ao qual, pelas minhas contas, a Ucrânia se autoacorrentará em posição de vassalagem, presa ao ocidente pela dívida, por muitos e muitos anos, incapaz de voltar aos sempre acolhedores braços da Rússia.

Se o leste e o sul da Ucrânia – fortalezas onde persistem os sentimentos pró-Rússia – conseguirão enfrentar a catástrofe da “restruturação” à moda do FMI que seus vizinhos ocidentais parecem tão ansiosos para aceitar, já é outro problema.

Que ninguém se surpreenda, se, desse miraculoso novo broto nascido da arrogância obamiana e da super arrogância dos neoliberais neoconservadores, nascer mais um grande triunfo no processo da “construção de nações” assemelhado ao que fizeram na Líbia e no Sudão do Sul, só que, dessa vez, com o fiasco bem à vista e depositado no colo dos vizinhos da Ucrânia, bem ali, na União Europeia.

Será também interessante ver se a Rússia cede aos seus mais baixos instintos e suspende a entrega dos $15 bilhões que prometeu originalmente para ajudar Yanukovich. (Pensamento interessante: será que esse golpe estimulado pelos EUA foi “cronometrado” para coincidir com os Jogos Olímpicos de Sochi, sob a hipótese de que Putin não interviria, com certeza, enquanto estivessem em andamento os seus preciosos jogos? Hmmm).

Mas me parece que, ao apoiar abertamente a insurreição e pôr-se ao lado de um grupo de militantes, com o objetivo de impor tal nível de estresse ao governo ucraniano que ele – e especialmente o aparentemente incapaz e incompetente presidente, Yanukovich – não conseguiu aguentar, os EUA, me parece, atravessaram uma espécie de Rubicão.

Os EUA apoiaram abertamente e entusiasticamente um violento putsch contra governo democraticamente eleito do qual os EUA não gostavam.

“Jornalistas” fãs entusiastas neoliberais, não se pode deixar de anotar, flanaram por sobre toda essa lama, sem nem molhar os sapatos... Nada, exceto a tediosa babação rotineira dos “correspondentes” ocidentais, aparentemente hipnotizados pela ostensiva queima de pneus e pelos coquetéis molotov da narrativa dos “combatentes da liberdade” organizados para ocultar a luta política.

Fazem-me lembrar de como a imprensa-empresa deixou-se enganar durante a Guerra do Iraque, período histórico que sou suficientemente velho para lembrar, mas jornalistas mais jovens não lembram... ou decidiram esquecer.

Na Ucrânia... como na Venezuela

A recém descoberta paixão do governo Obama por agitação de rua para derrubar governos eleitos não cúmplices de Washington passa agora pelo seu segundo teste em campo, na Venezuela.

Caracas começa a aparecer nas imagens “jornalísticas” como cidade gêmea de Kiev.

A juventude neoliberal conservadora das universidades privadas já está nas ruas procurando briga e pretextos para treinamento pró violência direitista e golpista, como viram fazerem os seus irmãos fascistas ultranacionalistas na Ucrânia.

Estudantes bolivarianos exigiram o desame de seus colegas terroristas em
manifestação de 16/2/2014
Se o artigo de Carl Gibson em Reader Supported News cita corretamente documento autêntico, a USAID, com a ajuda de consultores e da Colômbia, já tinha mapeados planos para desestabilizar a Venezuela mediante sabotagem econômica no final de 2013; e, pelo relato de Gibson, também para incitar os tumultos e confrontações de rua:

Sempre que possível, a violência deve causar mortos e feridos. Encorajar greves de fome de vários dias, mobilizações massivas, problemas nas universidades e em outros setores da sociedade que atualmente estão identificados com instituições do governo [de Nicolás Maduro].

Não tenho dúvida alguma de que Leopoldo Lopez, o líder da oposição na Venezuela, é o homem dos EUA em Caracas. O artigo de Gibson também acrescenta, como detalhe, que há um telegrama distribuído por Wikileaks que parece ligá-lo ao Centre for Applied NonViolent Action and Strategies, CANVAS, a ONG de fachada, mantida com dinheiro norte-americano, para promover democracia cum golpe de mudança de regime, que o presidente Yanukovich expulsou de Kiev pouco antes de ser deposto.

A Venezuela parece ser fraturável por linhas de classe (não por linhas étnicas, de russos vs ucranianos; nem regionais/ tribais, de cirenaicos vs tripolitanos, como a Líbia; nem confessionais, de sunitas vs xiitas, como a Síria). Assim sendo, o trabalho de catapultar para o poder um grupo pró-elites norte-americanas pode ser mais sangrento e mais prolongado que a aventura ucraniana.

Mas não há dúvidas de que os EUA têm dinheiro e paciência para luta prolongada, sobretudo porque os povos sacrificados estão a mais de mil quilômetros de distância de Washington.

Na China

Acho que, no caso da República Popular da China, os EUA planejam a seguinte jogada de intercepção:

(1) os EUA promoverão ativamente a subversão política de todos os inimigos dos EUA (promover a subversão política dos inimigos dos EUA não é “mito” nem é “teoria conspiratória” com os quais os governos alvos ou se consolam ou se autoaterrorizam!);

(2) os chineses não deixarão que se constitua nenhum partido de oposição (na China), muito menos que chegue às urnas; e não permitirão nenhuma aglomeração na praça central da cidade; e

(3) a China ameaçará preventivamente todos os ativistas que tenham laços com os EUA ou o ocidente, como sendo subversivos de facto e contrarrevolucionários.

Xi Jinping e Barack Obama em 11/6/2013
Nada garante que a vigilância ampliada na República Popular da China se traduza em algo próximo da liberalização democrática pela qual o ocidente tanto anseia, para os estúpidos cidadãos chineses. Em vez disso, o plano prevê que o regime chinês atire-se com unhas e dentes sobre os dissidentes, bem rapidamente e como uma tonelada de tijolos.

É terrível ironia que Barack Obama, exemplo glorioso e premiado de progressista, tenha dado tapa rápido no cachimbão da mudança-de-regime de Dick Cheney... e, agora, já parece que não vive sem ele.

É provável que Obama esteja tentando só passar a mão em uma ou duas vitórias bem baratinhas de política exterior e fodam-se as consequências, porque daqui a dois anos ele cai fora e a presidenta Clinton dará jeito em tudo.

Aquele Alfred Nobel que se vê na medalha do Prêmio da Paz que deram ao presidente Obama já deve estar chorando lágrimas de sangue.




[*] Peter Lee é jornalista norte americano de origem chinesa que escreve sobre assuntos dos países do sul e leste da Ásia e a intersecção de negócios entre essa região e os EUA. Além de articulista de várias publicações anima o blog China Matters.

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