segunda-feira, 14 de abril de 2014

Rússia: Declarações à imprensa européia

Fala Alexei Pushkov, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Representantes do Parlamento da Rússia (fragmentos)

13/4/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

The Saker
The Saker: Essa é fala que considero histórica. Aqui se ouve Alexei Pushkov, Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Representantes do Parlamento da Rússia (que não traduziu nem traduziria evento tão sem importância como uma rápida reunião com repórteres europeus). A tradução ao inglês foi feita por internautas, a meu pedido, aos quais agradeço muito, porque, sem ela, os que não falam russo não teriam acesso às palavras de Pushkov e meu comentário seria impossível. Essa reunião com repórteres europeus aconteceu logo depois de anunciado o grotesco, repugnante voto, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa [1] [orig. PACE] contra a Rússia.

[Aqui, fragmentos da entrevista, traduzidos do inglês]:
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Alexei Pushkov
A. Pushkov: Conferência de imprensa

PUSHKOV: Entendemos que as pessoas que tomaram parte nessa decisão não têm direito moral de votar o que votaram. A delegação da Geórgia tem, antes, de explicar como a Geórgia matou 147 pessoas em Tskhinval em agosto de 2008, por ordem de Saakashvilli – os senhores, com certeza viram pela televisão. Tskhinval foi bombardeada por sistemas avançados de foguetes. 147 pessoas morreram naquela operação. E o que dizem hoje os delegados da Geórgia? Dizem que não aconteceu. Aconteceu. E eles são responsáveis por aquelas mortes.

Vamos dar às coisas os nomes certos. Querem julgar a Rússia por a Crimeia ter-se reincorporado à Rússia, sem derramar-se uma gota de sangue e por decisão e escolha do próprio povo da Crimeia. E a Geórgia queria retomar outra vez para ela os mesmos territórios onde já praticara genocídio em 1991-1992 por via militar agressiva. Houve mortes, como se sabe que houve, reconhecidas em documento oficial da (?). E todo mundo sabe o que houve lá.

E assim... [interrupção no vídeo]...com o resultado de que os mesmos representantes que apresentaram a proposta para a exclusão da Rússia [nada pensaram em propor] que impedisse a agressão ao Iraque em 2003. Acho que não vi nenhum daqueles 20 governos que apoiaram a agressão ao Iraque – já declarada ilegal – ser punido por aquela Assembleia PACE. A Assembleia Parlamentar fecha os olhos para certos crimes, mesmo que, como no Iraque, o resultado daquela ocupação e daquela agressão tenha sido a morte de vários milhares de pessoas. E, disso, todo o mundo já sabe. Pois contra aqueles camaradas, nada de sanções.

Entendo que esses governos que, regularmente, nos últimos 20 anos, violaram a lei internacional – bombardearam Belgrado, bombardearam a Líbia, ocuparam o Iraque – não têm qualquer direito moral para tomar decisões sobre a delegação da Rússia. Discordamos absolutamente daquela decisão.

Quero dizer também aos senhores que entendo que essa crise muito tensa entre os russos e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa [PACE] está conectada a várias outras coisas. Em primeiro lugar, vê-se o império dos dois pesos e duas medidas. O que ouvimos ontem da delegação da Ucrânia foi, essa é a verdade, hilário – provocou gargalhadas. A Ucrânia não tem nenhum problema! Já resolveu todos! O único problema da Ucrânia é a “ameaça russa”. Por que não vão até lá e veem com seus olhos? Vejam como os ucranianos estão vivendo. Vejam o que está acontecendo no leste, no oeste e no sul – vão a Kiev e vejam o que os golpistas fizeram àquela cidade. Falem com as famílias dos que foram mortos – não só na Praça Maidan, mas também na invasão da sede do Partido das Regiões. Saibam como os extremistas de direita chegaram ao prédio, entraram e mataram duas pessoas. Assim. À queima-roupa. Um, um engenheiro; o outro, um soldado – que não tinham qualquer relação com o Partido. Falem com as pessoas. Falem com o representante dos Comunistas do Sul da Ucrânia, que foi torturado. Meteram agulhas sob as unhas dele e o espancaram. Isso, na Ucrânia, todos sabem. Falem com Simonyanka(?) que ontem, ou anteontem, foi espancado quando falava na tribuna do Parlamento, por deputados do Partido Svoboda.

E aqui, na Assembleia Parlamentar do Conselho Europeu, vemos o quê? Vemos aprovada alguma resolução para condenar o Partido Svoboda e o Setor Direita por racismo, por antissemitismo, como o próprio Parlamento Europeu pediu, em dezembro de 2012? (E não fomos os russos que pedimos.) Não. Aqui não se viu nada de semelhante a isso. Aprovaram, sim, uma resolução contra a Rússia!

O que se sabe é que essa resolução não tem o apoio de nem um terço dos delegados. Foi aprovada por 51, 52 votos. O que se tem aqui, para discutir? Só temos uma questão: a Assembleia Europeia opera por dois pesos e duas medidas, o “duplo padrão”. O que se vê naquela assembleia é o odioso triunfo do duplo padrão.

Vê-se também aqui que o respeito a lei passa longe dessa Assembleia de Deputados do Conselho da Europa. O governo da Ucrânia foi derrubado por golpe. É óbvio. Todos sabem. É questão já analisada pelos maiores especialistas, não só na Rússia, mas também no resto da Europa. Todo mundo sabe que a Constituição foi violada. Como é possível que, ao falar da Crimeia, nossos colegas da delegação da Ucrânia invoquem a Constituição? Como podem falar de Constituição, se derrubaram o presidente?! Quando se quer discutir a violação da Constituição, dentre outras decisões ilegais... eles não discutem. Como é possível? A Constituição às vezes vale, às vezes não vale? Assim sendo, o que, afinal, estamos discutindo aqui? O grupo Euro Left [euro-esquerda] que há nessa Assembleia Parlamentar foi o único que levantou a questão da legalidade do que aconteceu dia 22 de fevereiro na Ucrânia. No mínimo, é decisão que teria de ser discutida aqui, para que se definisse se o que houve lá foi ou não constitucional. A Assembleia Parlamentar Europeia discutiu alguma coisa? Não. Nos disseram que tudo foi constitucional. Como assim? Quem disse?! Quem decidiu?!

A Constituição Ucraniana declara como o presidente pode ser removido do poder. Uma comissão especial tem de ser designada para investigar se há razão para o impeachment. Depois, há audiências numa Corte Constitucional sobre a questão. E, depois, o Parlamento vota o impeachment. Não há outro procedimento possível, na Ucrânia, só esse. E se tudo tivesse sido feito assim, garanto-lhes, senhores, que a Rússia não teria protestado. Mas aconteceu o quê? A Corte Constitucional foi desmontada. Cinco juízes foram demitidos da Corte Constitucional, inclusive o juiz presidente – que tem imunidade constitucional. Não fez diferença alguma. E, agora, essa mesma gente quer nos convencer de que seu novo poder é legal e legítimo?

O pior, dessa vez, é que a Assembleia de Deputados Europeus traiu seus próprios princípios. A maioria da Assembleia de Deputados do Conselho Europeu traiu seus próprios princípios de respeito à lei, à supremacia dos direitos humanos, à supremacia da lei. A própria Assembleia dos Deputados Europeus assumiu a tarefa de defender interesses políticos dos governos que querem operar, por qualquer meio, a assimilação geopolítica da Ucrânia. Sinto muito ter de dizer isso, porque a Assembleia dos Deputados Europeus foi criada como organização acima da política corriqueira, encarregada de criar padrões melhores que...

JORNALISTA NÃO IDENTIFICADO, na plateia: Desculpe interrompê-lo, senhor. Estamos numa conferência de imprensa. Não viemos para ouvir uma declaração política.

PUSHKOV: Quem falou?

O MESMO JORNALISTA, sem se identificar: Eu, aqui.

PUSHKOV: Onde?

O MESMO JORNALISTA, sem se identificar: Aqui.

PUSHKOV: Se o que estou dizendo não o agrada [ininteligível]...

O MESMO JORNALISTA, sem se identificar: O problema não é o que o senhor está dizendo...

PUSHKOV: Se não quer ouvir o que estou dizendo, pode sair.

PUSHKOV: A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE)... [PUSHKOV faz um movimento com a mão]...

PUSHKOV: Não diga que não disse o que disse.

O MESMO JORNALISTA, sem se identificar: [ininteligível]

PUSHKOV: Como eu estava dizendo, a Assembleia dos Deputados Europeus (PACE) traiu todos os princípios que deveria defender. Devo dizer que nem todos os deputados agiram mal. Os deputados que ouviram o que nós dissemos, que refletiram sobre a posição da Rússia; os que votaram contra a decisão contra a Rússia...

...[Tumulto na plateia]...

JORNALISTA ALEMÃ: O senhor pode falar inglês? Pode falar inglês, por favor? Gostaríamos de entender o que o senhor diz. Por favor.

PUSHKOV faz um movimento com a mão. ais tumulto na plateia]...

JORNALISTA ALEMÃ: Por favor… pode falar inglês?

PUSHKOV: Os que votaram depois de refletir, são os que entenderam que não seria admissível negar à Rússia uma oportunidade de trabalhar na Assembleia da Europa – esses, me parece, merecem todo o apoio. Os que votaram a favor de retirar da delegação russa todos os seus poderes sabiam o que estavam fazendo. A presença da delegação russa naquela Assembleia já não faz sentido algum. Isso tem de ficar bem entendido. Se a maioria da Assembleia dos Deputados Europeus entende que poderia fazer e desfazer a história como bem entendam, aquela maioria erra. A Assembleia de Deputados Europeus não é o único espaço onde se tomam decisões. A Rússia também está ponderando e decidirá se deve permanecer como membro dessa Assembleia. Ficar ou sair é algo que a Rússia decidirá. E, claro, a qualquer momento, poderemos revisar nossa posição. Obrigado.

JORNALISTA ALEMÃ: Pode falar inglês? Por favor? Gostaríamos de entender o que o senhor diz. Meu nome é Petra Klingbar(?) da Agência German Press [imprensa alemã].

...[ PUSHKOV conversa com outros, na mesa]...

JORNALISTA ALEMÃ: Pode falar inglês, por favor? Para compreendermos o que o senhor diz. Obrigada.

DEPUTADO RUSSO à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa: Queria dizer algumas palavras. Aqui, nós...

JORNALISTA DA GEÓRGIA: [2] Posso fazer uma pergunta? Televisão da Geórgia.

DEPUTADO RUSSO à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa: Mais tarde. Se for possível, haverá tempo para perguntas.

Nós, nessa Assembleia, representamos um grande país, a Rússia. Tudo que ouvimos aqui, durante dois dias, é muito grave e perturba gravemente os russos. Isso, em primeiro lugar. Em segundo lugar, quero dizer que nenhuma proposta ou emenda que propus nessa Assembleia foi jamais aceita. A impressão que tenho é que, se, amanhã, eu apresentar uma proposta de resolução que declare que o [rio] Volga corre para o [mar] Cáspio, minha proposta será rejeitada. A responsabilidade...

JORNALISTA DA GEÓRGIA: O senhor acha impossível que a Rússia esteja errada e mereça as sanções?

DEPUTADO RUSSO à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa: Por favor, deixe-me concluir. Parece-me que estou aqui…

JORNALISTA DA GEÓRGIA: O senhor está pensando que o mundo inteiro está errado?

OUTRO DEPUTADO RUSSO à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa: O sr. Potyomka(?) é mais velho que você. Deixe-o acabar de falar.

JORNALISTA DA GEÓRGIA: Não posso nem fazer uma pergunta? É uma conferência de imprensa.

PUSHKOV: Com licença, mas, se houver mais tumulto entre os jornalistas, acabamos com essa conferência e saímos. Vocês ficam donos da sala, com suas opiniões e perguntas.

JORNALISTA ALEMÃ: Não há tradução. Gostaríamos de entender o que o senhor diz.

...[ PUSHKOV faz um gesto de “esse problema não é meu”]...

JORNALISTA ALEMÃ: Mas o senhor fala excelente inglês.

(Fim da tradução)

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O QUE ME PARECE TÃO IMPORTANTE NESSA FALA DE PUSHKOV?

Primeiro, é a primeira vez que diplomata russo de alto escalão expõe-se declaradamente “farto” e decide “meter um espelho”, digamos assim, no nariz dos funcionários da União Europeia, para que vejam a própria (feia) cara. Passou o tempo dos cerimoniais de amizade. Pushkov disse, claramente, que os deputados europeus são gente sem princípios, hipócritas e mentirosos, sem qualquer mínima dose de decência ou competência para a política civilizada.

Em segundo lugar, Pushkov claramente diz à imprensa-empresa ocidental que vá se danar, não, é claro, nesses termos, mas essa é a substância de todos os seus gestos (a começar por falar russo, sem tradução), quando os jornalistas-empregados tentam, primeiro, calá-lo, depois, pôr palavras em sua boca; e, claro, quando sai da sala.

Em outras palavras, Pushkov manifesta absoluto desprezo pelos “serviçais” que cumprem qualquer ordem dos patrões, repetem qualquer mentira e negam qualquer fato, por óbvio que seja.

Claro que Pushkov não usou o colorido vocabulário da sra. Nuland, mas a mensagem é a mesma.

Agora, portanto, os EUA e a Rússia já manifestaram clara e perfeitamente o mais irrestrito desprezo pela União Europeia – a qual, convenhamos, fez, mesmo, MUITO por merecer o que está recebendo.

Quem é Alexei Pushkov

É homem muito, muito importante, tipo “campeão”, na Rússia. Além de ocupar posição de muito poder, como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Representantes do Parlamento Russo, mantém um importante programa semanal de análise de questões políticas na televisão russa, chamado “Post-scriptum”, que tem importante audiência. É inteligentíssimo, impecavelmente bem educado, poliglota, muito lido e muito viajado. É diplomata, dos melhores, do mesmo nível de profissionalismo e expertise de Sergey Lavrov. Tudo isso para dizer que o que Pushkov diz tem muito peso, tanto entre os intelectuais quanto entre seu público de televisão e, também, nos círculos próximos ao Kremlin.

Por falar de Lavrov, também falou durante uma hora à televisão russa, no programa “Domingo à noite com Vladimir Soloviev” (jornalista muito conhecido) e a mensagem de Lavrov é a mesma: a União Europeia perdeu a cabeça, enlouqueceu, de vez; se querem confronto com a Rússia, que venham. A Rússia está pronta.

Quanto a Putin, teve um encontro público com o seu movimento “Frente Popular Russa” e está preparando uma convenção popular, espécie de “townhall meeting”, pela televisão. Tudo indica que sua mensagem será a mesma.

Dia 1º de março desse ano, avisei que a Rússia estava pronta para guerra. Agora, parece que não será guerra quente (graças a Deus!), mas “fria” e, primariamente, econômica. Acho que a votação na Assembleia dos Deputados Europeus (PACE) e a reação dos russos aí estão para marcar o início das hostilidades ativas.

Vai ser interessante ver o que a União Europeia tem em termos de “poder de fogo”, que não sejam bolhas de sabão; e o quanto de poder para fazer acontecer esses cães e cadelas europeus realmente têm.

The Saker



Notas dos tradutores

[1] Sobre decisão da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa [orig.Parliamentary Assembly of the Council of Europe (PACE)] que “pôs a Rússia de castigo”: não pode falar, não pode votar... Europa RIDÍCULA! O vídeo desta fala, em russo, a seguir:



[2] A proposta para “castigar” a Rússia, cassando-lhe o direito de falar e de votar na Assembleia de Deputados do Conselho da Europa, foi apresentada pelo representante da Geórgia e aprovada pelos 50 e poucos deputados presentes.

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