quinta-feira, 3 de julho de 2014

Pepe Escobar: Primavera Árabe, Verão Jihad

2/7/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Estado Islâmico do Iraque e Levante (ing. ISIS ou ISIL; em port. EIIL) - em vermelho
Deem boas-vindas ao EI [ing. IS]. Não, não errei a digitação; a meta final pode ser mudança (indiscriminada) de regime, mas, por hora, só mudança de nome já basta. Com toque de “marketing” & Relações Públicas, logo no começo do Ramadã, o Estado Islâmico do Iraque e Levante (ing. ISIS ou ISIL; EIIL, em port. para a rede Voltaire) solenemente declarou que, doravante, será chamado de Estado Islâmico (port. EI; ing. IS).

“Ser ou não ser” é tão... metafisicamente fora de moda! [1] O IS é – e aí ESTÁ – em plena áudio glória a seguir (em árabe):


E estamos falando do pacote completo – Califa incluído:

Abu Bakr
al-Baghdadi
“... o escravo de Alá, Ibrahim Ibn ‘Awwad Ibn Ibrahim Ibn ‘Ali Ibn Muhammad al-Badrial-Hashimi al-Husayni al-Qurashi por linhagem, de Samarra por nascimento e criação, al-Baghdadi por residência e formação”. Dito mais simplesmente,  Abu Bakr al-Baghdadi.

O EI virtualmente ordenou que toda a al-Qaeda “histórica” – sim, aquela, a do 11/9 (ou não), de um Osama bin Laden – além de todos e quaisquer grupos jihadistas do planeta, jurem lealdade ao novo imã, em teoria teológica o novo Senhor a governar todos os muçulmanos. Não há qualquer sinal de que o ex-braço direito de Osama, Ayman “O doutor” al-Zawahiri venha a obedecer, para nem mencionar o 1,5 bilhões de muçulmanos pelo mundo. Muito provavelmente, a al-Qaeda declarará que “autênticos, só nós”. E daí advirá tremendo arranca-rabo teológico.

Afinal, na Síria, o ISIL, como a Frente Jabhat al-Nusra lutaram, inicialmente, sob a bandeira da al-Qaeda, até que a griffe – de modo espetaculoso-espetacular – decidiu expulsar al-Baghdadi. Ele e o ISIL foram longe demais – com aqueles vídeos de decapitações e crucifixões e profanação serial de santuários xiitas, sufis e cristãos.

Al-Baghdadi, nascido Ibrahim al-Badri em Samarra, é clérigo sunita padrão, com diploma de pedagogia pela Universidade de Bagdá. Seu alter ego nasceu depois da Operação Choque e Pavor, em 2003, e logo se metamorfoseou em matador serial à vera – dos que explodem crianças xiitas em lojas de sorvete ou dezenas de mulheres em casamentos xiitas.

A folha corrida do ISIL na Síria inclui proibir todas e quaisquer bandeiras, exceto a dele; destruir quaisquer templos ou santuários “politeístas” (todos que não sejam sunitas); e impor às mulheres todo o vestuário que eles entendem que seja islamicamente correto. Mas acima de tudo, é folha corrida de terror. Não é propriamente um exército, mas uma bem treinada milícia de mujahid profissional, passaportes europeus incluídos, com experiência de combate no Iraque, no Afeganistão e, em menor grau, também na Chechênia. O armamento pesado é pago em petrodólares do golfo – os “ricos doadores do Golfo” de sempre, o que não exclui conexões oficiais.

Região de Deir Ezzor (A) (Síria) em rosa
As fontes de renda foram muitíssimo diversificadas quando o ISIL capturou os campos de petróleo em torno de Deir Ezzor, na Síria; e depois de ofensivas recentes pela província de Niniveh no Iraque, já puderam pôr as mãos em vastos arsenais de artilharia pesada, montanhas de dinheiro vivo e até ouro, e, por que não, Humvees que os EUA deixaram pelo caminho. A marca registrada deles é, claro, aquelas longas colunas de caminhonetes Toyota brancas, novinhas em folha – publicidade gratuita para os off road, que o quartel-general da Toyota no Japão pode não considerar muito bem-vinda.

Cheios de petróleo e beneficiado pelos impostos, o EI está agora firmemente a caminho para garantir serviços (mínimos) e apoio (máximo) a um (máximo) Exército Jihadi – bem como os Talibã, de 1996 até 2001. Pode-se ter certeza de que o EI continuará sua massiva estratégia de “engajamento com a sociedade”. E o que mais desejaria um califato coloquialista, que fala pelos cotovelos por YouTube, Facebook e Twitter? Não surpreende que sejam já sucesso entre uma geração de recrutas Google – e mestres da arrecadação de dinheiro via vídeos horrendos. Em tese, a doutrinação avança mãos-nas-mãos com o “trabalho de caridade”; moradores de Aleppo, por exemplo, muito teriam a dizer sobre o ISIL, em campo.

Rei Abdullah
Arábia Saudita
Missão para sempre não cumprida

Ainda não se sabe com clareza como a nova realidade EI se mostrará em campo. O novo califa, sim, já declarou jihad contra toda essa coleção de corruptos e/ou incompetentes “líderes” do Oriente Médio – o que implica que se deve esperar das Casas de Saud e de Thani, por exemplo, alguma feroz reação de “luta pela sobrevivência”. Não se deve descartar a possibilidade de que al-Baghdadi sonhe com reinar sobre os campos de petróleo dos sauditas – depois de decapitar todos os trabalhadores xiitas, é claro.

E é só o começo; numa de suas contas da empresa Tweeter, o EI publicou um mapa de todos os domínios que planejam conquistar no período de cinco anos: Espanha, Norte da África, Bálcãs, todo o Oriente Médio e grandes porções da Ásia. Aí está! Mais ambiciosos que a OTAN!

Com a coragem que a caracteriza, a Casa de Saud já começa a achar que impor mudação-de-regime a Nouri al-Maliki no Iraque pode ser péssima ideia. Assim, os sauditas põem-se em conflito direto contra o governo Obama, cujos planos A, B e C são, sempre e só, mudação-de-regime.

Recep Erdogan
A Turquia – ex-sede do Califato, por falar nisso – permanece em silêncio. Não é surpresa. Ancara é a principal base logística do EI. O califa Erdogan com certeza anda pensando no próprio futuro, agora que surgiu um califa desafiante. Em teoria, Arábia Saudita, Turquia e Jordânia dizem, todas, que estão prontas para combater o que seria “guerra em escala maior” do que a “outra”, aquela, o maná que nunca para de chover dos céus, a guerra original, cunhada pela junta-Cheney, a GGT (guerra global ao terror), a GWOT (global war on terror).

E há também a questão caso do destino dos mais US$ 500 milhões do “Fundo Obama” para os rebeldes “adequadamente selecionados” na Síria, os quais milhões, de fato, significam a expansão das “instalações de treinamento” clandestinas da CIA na Jordânia e na Turquia, todas elas pesadamente infiltradas-para-extração-de-gordos-lucros, pelo EI. Pensem em hordas de novos recrutados do EI fazendo pose de “rebeldes moderados” e sendo treinados para entrar em ação...

John Kerry
É mais fácil o Brasil vencer a Copa do Mundo com um time de bebês chorões sem noção tática do númeno [2] do jogo, que o secretário John Kerry dos EUA e a gangue de seu Departamento de Estado compreenderem que a “oposição” síria é controlada por jihadistas. Mas aí é que está, porque, sim, eles sabem disso – o que se encaixa perfeitamente na agenda nada-secreta da Guerra Global ao Terror, do Império do Caos, de guerra à distância sempre prorrogável e expansível, sempre contra Síria e Iraque, e nutrida com milhões para financiar o terror.

Assim sendo, há 13 anos Washington esmagou a al-Qaeda e os Talibã no Afeganistão. Depois os Talibã reencarnaram. Depois foi a Operação Choque e Terror. Depois foi a “Missão Cumprida” no Iraque. Depois a al-Qaeda foi injetada no Iraque. Depois a al-Qaeda deixou de existir, “porque” Osama bin Laden estava morto. Depois veio o ISIL. E agora aí está o EI [now (...) IS is]. E começamos tudo outra vez, não no Hindu Kush, mas no Levante. E com Osama novo.

O que há de errado nisso?! Se ninguém aí acha que tudo isso é sketch do novo show ao vivo de Monty Python, esse mês, em Londres, é porque é.  
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Notas dos tradutores
[1] “IS” é também a forma de 3ª pessoa do discurso, do verbo SER/ESTAR (ele/ela É e ele/ela ESTÁ), em ing. to be. Comentários feitos a partir dessa “semelhança” são quase intraduzíveis.
[2] Orig. nous; pode-se ver sobre essa palavra grega e hegeliana. Também sobre a tradução de  númeno”.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
 Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge,  Nimble Books, 2007.    
 Obama Does Globalistan,  Nimble Books, 2009.

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