domingo, 24 de agosto de 2014

Resposta a um amigo que perguntou: “Onde estão o levante ucraniano e a contraofensiva da Novorússia?”

23/8/2014, The SakerThe Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

The Saker
Um amigo envia-me por e-mail a pergunta acima, e achei que o melhor seria responder em geral, num postado. Eis o que ele escreveu:

Ando com uma coisa na cabeça já há algum tempo sobre a “guerra” na Ucrânia e Novorússia. Ocasionalmente, ouço boatos de que as Forças Armadas da Novorússia (FAN, ing., NAF) estariam “indo para a ofensiva a qualquer momento” (supostamente quando fosse atingido algum ponto demarcado de virada ou algum objetivo não divulgado). Mas muito me surpreende que até agora não tenha havido nem pequenas operações nem manobras na Ucrânia e, especificamente, em Kiev. Devo crer que as Forças Armadas da Novorússia sejam capazes de promover uma campanha secreta contra alvo conhecido, não? Incidentes planejados e/ou ataques-relâmpago, que fariam baixar o fervor pró-guerra até (pode-se supor) entre os mais indiferentes, não? A história mostra que essas ações são padrão, embora em muitos casos se possa questionar a efetividades dessas táticas, me parece. Gostaria muito de conhecer sua opinião sobre isso tudo.

É questão muito interessante e muito complexa. De fato, há aí duas questões distintas:

a) Por que não há resistência visível no resto da Ucrânia? E
b) onde está a contraofensiva novorussa?

As duas perguntas estão unidas por um denominador comum, mas são qualitativamente diferentes. Sugiro que cuidemos de uma por vez:

Por que não há resistência visível no resto da Ucrânia?

A primeira coisa a admitir aqui é que nem todos os ucranianos opõem-se à nova Junta. Bem, é provável que, hoje, a maioria já se oponha, mas não com o tipo de determinação que leva você a agregar-se num movimento de protesto ou, ainda menos, numa insurgência. Por um lado, muitos ucranianos foram educados sob graus variados de russofobia, de uma Ucrânia mais ou menos doentiamente nacionalista e soviético-russofóbica depois de 1991, à Ucrânia enlouquecidamente nacionalista e russofóbica depois de 2013, a ideologia oficial e o clima político no Banderastão é histericamente anti-Rússia. Assim, há Ukies que, mesmo que talvez não sejam neonazistas seguidores de Bandera não são necessariamente, não, de modo algum, pró-Rússia.

Segundo, há um blecaute de informação na imprensa estatal e também na empresa-imprensa dita “independente”. Já vimos até diretores de grandes canais de televisão sendo espancados por nacionalistas Ukies se não pusessem no ar a programação “correta”. Pode-se imaginar o que está acontecendo contra veículos nanicos! Assim a população é “informada” de que o exército Ukie está lutando contra – é sério! Não é brincadeira – uma invasão russa! São realmente “informados” de que o Donbass está tomado por forças especiais Spetsnaz e tanques russos. Assisti a uma matéria sobre 30 T-90 MBTs russos atacando cidade que os Ukies defendiam! O nível de propaganda e, francamente, de zumbificação da opinião pública é simplesmente inimaginável; a tal ponto que, ainda que muitos ucranianos não gostem da Junta que está no poder, isso não significa que gostariam que a Rússia invadisse a Ucrânia.

Em terceiro lugar, por menos que seja noticiado na imprensa-empresa e na blogosfera ocidental, muitos exilados ucranianos concordam que haja real terrorismo em grande parte da Ucrânia, especialmente nas cidades de Carcóvia, Kiev e Odessa: centenas de pessoas foram sequestradas, desaparecidas, torturadas, espancadas, ameaçadas ou vítimas de outros tipos de abusos. Os calabouços da Polícia e dos serviços secretos estão lotados de suspeitos “terroristas”, “traidores” e “separatistas”. As pessoas recebem telefonemas ameaçadores, familiares de figuras mais conhecidas são ameaçadas nas ruas, no trabalho, na escola, etc.. Os herdeiros morais de Stepan Bandera são muito, muito competentes nesse tipo de serviço sujo e, dado que a empresa-imprensa mundial, organizações de defesa de direitos humanos e governos fazem o que podem para olhar nas direções opostas aos eventos, os esquadrões-da-morte nazistas na Ukielândia nem precisam cuidar de esconder o terror que praticam.

Em quatro lugar, há a parte que dói ter de admitir. Exatamente como na Novorússia, muitos ucranianos preferem sentar e esperar para ver como ficam as coisas. São tipos que só se interessam por bens materiais; para eles, tanto faz que os tais bens sejam russos, ucranianos, nazistas ou democráticos, ortodoxos ou Uniat: nada faz diferença alguma. A única coisa que interessa é ter os refrigeradores abastecidos, o carro na garagem, a TV tamanho gigante na sala de jantar. Se lhes disserem que, para aumentar a própria renda terão de converter-se a uma seita de anarquistas Hare-Krishna do Zimbábue, não pensam duas vezes. Não me sinto confortável para tentar explicar “por que” é assim; por hora, aceitemos que a passividade ucraniana não é mito.

Por todas essas razões combinadas, não há insurgência, nem levante, nem sabotagem no Banderastão. Ou, se há, é pouco. A maioria dos ucranianos estão confusos, assustados, passaram por lavagem cerebral no mínimo parcial e têm de confiar em boatos. Tudo isso torna qualquer população muito passiva. Desse ponto de vista, a Crimeia foi o contraexemplo máximo; e o Donbass está mais ou menos no meio termo – e daí, de fato, as dificuldades que o Kremlin (e a resistência novorussa) enfrenta(m) para, seja como for, resolver esse problema.

Quanto às forças novorussas, simplesmente não podem dar-se o luxo de preparar operações de sabotagem muito dentro das linhas inimigas. Nesse momento, o máximo que as Forças da Resistência da Novorússia estão fazendo é trabalhando como brigada de “apaga-incêndio” – correndo de um ponto a outro para “fechar” os pontos pelos quais os Ukies estão entrando em território novorusso. Examinemos mais de perto esse quadro:

Onde está a contraofensiva novorussa?

Há semanas circulam rumores de uma contraofensiva novorussa, e até agora, nada. Por quê?

A chave aqui é a superioridade numérica e tecnológica do lado Ukie. Vejamos se consigo explicar.

Para os novorrussos, a equação é simples: quanto menor a linha de contato (a “linha de frente”, se preferirem) com o inimigo, melhor. Quanto maior, pior. Imaginem a cena de The Matrix na qual Neo luta contra uma horda de Agentes Smith: embora Neo esteja cercado por centenas, talvez milhares de Agentes Smith , a luta é sempre de cinco contra um ao mesmo tempo, simplesmente porque não cabem mais de cinco no perímetro imediato à volta de Neo. Guerra real não é assim tão simples, mas a ideia subjacente é a mesma, e essa é uma das razões pelas quais Strelkov desistiu de Slaviansk.

A segunda coisa que muitos leitores perguntam é: desculpe mas, se os Ukies estão perdendo, por que estão sempre avançando? É isso mesmo. Não há aí qualquer contradição. O que a Resistência faz é recuar regularmente, para deixar os Ukies entrarem em território da Resistência, que logo é convertido num bolsão ou “caldeirão” para eles. Nesse ponto, os Ukiesou morrem ou retiram-se. Por favor, não esqueçam que em muitos casos noticia-se o avançoUkie, mas não se noticia a posterior retirada.

Para completar: a imprensa-empresa ocidental oferece ao público mapas “aproximativos” os quais, na verdade, são simplesmente mapas falsos.

Vejam o mapa que está publicado hoje (23/8/2014) no website da BBC:

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Comparem com outro mapa, do mesmo período

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O contraste não poderia ser maior. As imprensa-empresa ocidental press-tituta comete dois erros cruciais: primeiro, assume que se a unidade X moveu-se do ponto A até o ponto B, significaria que o ponto A permaneceria para sempre em mãos amigas. Não é assim. Na maior parte das vezes, se a unidade X move-se do ponto A para o ponto B, o outro lado retoma A e a unidade X fica cercada.

Segundo, a imprensa-empresa press-tituta também pensa que toda a informação distribuída por russos e novorussos seria “propaganda” e que tudo que saia de fontes ocidentais seria confiável. Por isso é que os jornais e televisões da imprensa-empresa distribuem mapas como esse que a BBC distribuiu: pior que inútil, porque, de fato, é enganador.

Por falar nisso, para quem se interesse, há um sujeito no YouTube, Dima Svets, que oferece ótimas revisões comentadas de mapas de combate. Fala russo, mas, se você quiser realmente ter boa ideia de como são mapas reais, ali está boa fonte. Segue vídeo:


Como já disse antes, muito do que os novorussos estão fazendo agora é “serviço de apagar fogo”: os Ukies atacam em todas as frentes, tão logo começam a furar posições novorussas, o comando central manda reforços para impedir o avanço e tentar cortar a saída da força Ukie, antes de que possa escapar pela retaguarda. Essa manobra básica funciona por duas razões: as distâncias são muito curtas; e os novorussos são muitíssimo superiores num nível tático.

Mas contraofensiva é negócio completamente diferente. Por um lado, você tem de concentrar suas forças no ponto no qual você quer conseguir entrar. Além do mais, você talvez queira fingir que ataca noutro ponto, o que exige ainda mais forças. Como os novorussos conseguiriam concentrar suas forças, sem se expor ao risco de os Ukies atingi-los pela retaguarda?

Além disso, assumindo que seja bem-sucedido, um contra-ataque novorusso implicaria encompridar a linha de contato, e aumentar o risco de ser envolvido e cercado. É verdade, osUkies sofrem a desvantagem de ter imenso território na retaguarda, de tal modo que é difícil para eles prever onde pôr suas reservas; mas têm unidades motorizadas e mecanizadas em quantidade suficiente para andar rapidamente; e também têm artilharia e força aérea. Assim, para as forças novorussas, penetrar muito fundo no território Ukie pode tornar-se muito, muito perigoso.

Os dois lados ainda não se enfrentaram diretamente, mas estão envolvidos num confronto no qual nenhum dos lados pode fazer grande coisa. O tamanho do território controlado pela Resistência foi reduzido a um nível administrável pela Resistência e muito difícil de invadir para os Ukies. Agora se torna disputa de força de vontade.

A menos que algum fator externo congele o conflito “como está’, os dois lados continuarão a andar para frente e para trás com pequenos sucessos táticos, até que finalmente um dos lados atinja seu ponto de ruptura. Nesse momento, o lado que se romper não fará retirada gradual, mas entrará em rápido colapso. Hoje, não tenho meios para prever qual dos dois lados está mais próximo desse ponto de ruptura. Os Ukies foram esmagados em números absolutamente fantásticos pela Resistência, mas continuam a jogar mais e mais homens, equipamentos e unidades no combate, sem parar, sem parar. Não tenho como aferir por quanto tempo mais o regime poderá continuar a fazer o que está fazendo. Já sei que há movimento crescente de “mães de soldados” que protestam contra isso; e que especialmente no oeste da Ucrânia há um movimento que diz “não queremos morrer lutando contra os russos pelo Donbass”.

Os trens chegam literalmente carregados de cadáveres de soldados Ukies, mas a Junta não tem dinheiro para pagar nem por necrotérios refrigerados, muito menos por enterro digno. As famílias são obrigadas a pagar para recuperar cadáveres de parentes, muitas vezes lhes dizem para transportar os cadáveres como consigam, têm de pagar pela permanência dos corpos em ambiente refrigerado; têm de comprar uniforme novo para enterrar o soldado e têm de pagar pelo funeral. É possível imaginar o horror e o desespero dessas famílias? E o número de famílias afetadas é altíssimo, sobretudo na Ucrânia ocidental, porque a Junta avalia que ucranianos ocidentais são menos propensos a desertar ou a mudar de lado.

Entendo que é importante não nos focarmos exclusivamente no horror de civis novorussos mortos pelos Ukies, e examinarmos também o horror que é o alistamento forçado de Ukies(homens de até 60 anos! E desde o início do ano, a Junta já ordenou e realizou três mobilizações parciais), que são enviados como bucha de canhão para serem mortos pelas forças de resistência.

Oleg Tsarev
Se a Novorússia consegue aguentar-se por mais duas, três semanas, a maré com certeza virará definitivamente contra a Junta. Nesse momento, não há nem com quem negociar nem o que negociar. Mas, como disse recentemente um político novorusso, Oleg Tsarev, tão logo as forças da Junta sintam a primeira grande derrota indisfarçável, os europeus repentinamente se porão a exigir todos os tipos de “negociação”; então, talvez, seja mesmo possível negociar alguma coisa. Mas até que as forças novorussas mostram convincentemente que não podem ser esmagadas (o que ainda não mostraram até agora), a Junta e seus patrões nos EUA absolutamente não negociarão coisa alguma a valer. Podem fingir que negociam, como tantas vezes fizeram, mas nada terá qualquer significado real. Enquanto os EUA e a Junta puderem acalentar esperanças de alcançar vitória puramente militar e de esmagar totalmente a Resistência, não negociarão.

A Resistência parece bem, no atual momento. Mas precisam agora de um sólido e inegável sucesso. Até lá, a situação permanecerá congelada.

The Saker

PS: Estou fortemente pressionado pelo tempo outra vez. Escrevi esse postado sem nem reler. Talvez consiga revisá-lo e corrigi-lo amanhã. Hoje, absolutamente não posso. Desculpem.

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