quinta-feira, 4 de setembro de 2014

OTAN é organização anti-paz

4/9/2014, [*] Seumas MilneThe Guardian, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Celtic Manor Resort − Reunião da OTAN/2014
(vista do campo de golfe)

Para os senhores-da-guerra ocidentais, é ótima hora para estar em Gales. Uma aliança militar que lutou durante anos tentando explicar por que ainda existe, conseguiu, afinal, uma agenda para essa reunião de Newport.

A OTAN pode nem ser o centro dos planos de Barack Obama e David Cameron para escalar a intervenção no Oriente Médio e varrer “para a inexistência” o chamado Estado Islâmico. Mas, depois de 13 anos de ocupação sangrenta do Afeganistão e de uma intervenção calamitosa na Líbia, a aliança ocidental afinal encontrou um inimigo que, pelo menos, parece adequado ao muito caro que custa a aliança. Hoje, em “rolezinho” pela ex-república soviética da Estônia, o presidente dos EUA declarou que a OTAN está pronta para defender a Europa contra a “agressão russa”.

O secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen – que insistiu, quando primeiro-ministro holandês em 2003 que “o Iraque tem armas de destruição em massa... Sabemos que tem” – distribuiu imagens de satélite que supostamente mostrariam que a Rússia invadira a Ucrânia. Para não ficar atrás, o primeiro-ministro britânico imediatamente comparou Vladimir Putin a Hitler.

A reunião da OTAN está planejando uma força de “reação rápida” a ser plantada no leste da Europa, para deter Moscou. A Grã-Bretanha enviará tropas à Ucrânia para manobras. Em Washington, falcões do Congresso bombardeiam as tentativas de pacificação e exigem “ação” para dar à Ucrânia “uma força de combate mais capaz de resistir” à Rússia.

Mikola, “Lemko” e Severin; 3 estrangeiros (não-ucranianos) mercenários do Batalhão Azov
Foto: Daniel McLaughlin
Qualquer esperança de que a conversa do presidente da Ucrânia sobre um cessar-fogo que aconteceria hoje pudesse sinalizar um fim para o conflito, foi imediatamente afogada quando o primeiro-ministro, Arseny Yatseniuk – favorito dos EUA em Kiev – descreveu a Rússia como “estado terrorista” e, estimulado por Rasmussen, solicitou a inclusão da Ucrânia como estado-membro da OTAN. Foi precisamente a ameaça de que a Ucrânia viesse a ser arrastada para uma aliança militar hostil à Rússia, apesar da oposição da maioria dos cidadãos ucranianos e seu governo eleito (e já deposto), que iniciou toda a crise que hoje o país vive. A OTAN nada fez para preservar qualquer paz: a OTAN foi a causa da escalada nas tensões e de mais guerra.

E sempre foi exatamente assim, desde que a OTAN foi fundada em 1949, no auge da Guerra Fria, seis anos depois do Pacto de Varsóvia, supostamente como tratado de defesa contra uma ameaça soviética. Ouve-se com frequência que a aliança teria mantido a paz na Europa por 40 anos; de fato, jamais houve qualquer sinal, mínimo que fosse, de que a União Soviética algum dia cogitou qualquer ataque.

Depois do colapso da URSS, o Pacto de Varsóvia foi devidamente dissolvido. Mas a OTAN, não. Continuou, apesar de ter perdido qualquer razão para existir. Se o objetivo da OTAN fosse a paz, poderia ter sido convertida em organização útil para preservar a segurança, incorporando a Rússia e sob o patrocínio da ONU. Nada disso.

O que aconteceu foi que a OTAN se auto-outorgou um mandato “supraterritorial” para fazer guerra unilateral, da Iugoslávia ao Afeganistão e à Líbia, como guarda-avançada da “nova ordem” mundial dominada pelos EUA. Na Europa, preparou o terreno para a guerra na Ucrânia, infringindo compromisso assumido pelos EUA com Moscou, e movendo-se sem parar na direção das fronteiras russas: primeiro, entrou nos ex-países do Pacto de Varsóvia; depois, na própria ex-URSS.

Obama e Putin - A nova Guerra Fria
Mas o grande prêmio, como disse ano passado o presidente da organização National Endowment for Democracy patrocinada pelos EUA, sempre foi a Ucrânia, dividida por linhas étnicas.

Depois que a União Europeia montou seu acordo comercial-militar com a Ucrânia − isolando a Rússia – e que o presidente ucraniano corrupto, mas eleito, se recusou a assinar o tal acordo, foi derrubado em golpe de estado patrocinado acintosamente pelos EUA – ninguém mais pôde acusar os russos de paranoia persecutória, por tomarem a invasão ao país vizinho como ameaça direta aos seus próprios interesses nacionais vitais.

Seis meses depois, a resistência no leste da Ucrânia apoiada por Moscou, em luta contra nacionalistas nazifascistas em Kiev apoiados pela OTAN, já é guerra total. Há milhares de mortos, direitos humanos abusados dos dois lados, e tropas do governo bombardeiam áreas civis, sequestram, prendem, torturam em escala massiva ucranianos acusados de “separatismo”.

As forças ucranianas apoiadas por governos ocidentais incluem coisas como o batalhão neonazista Azov, cujo símbolo é o gancho do lobo, o mesmo usado pelas tropas de choque nazistas durante a guerra. O regime de Kiev, cada dia mais repressivo, tenta agora banir o Partido Comunista da Ucrânia, que obteve 13% dos votos nas últimas eleições parlamentares realizadas no país.

Gancho do Lobo                             Batalhão Azov
Mas nunca antes a OTAN, que inúmeras vezes no passado incluiu governos fascistas, falou tanto de democracia. Não há nenhuma prova efetiva e convincente de que tropas russas tenham invadido o leste da Ucrânia. Outro caso, sim, é intervenção camuflada e fornecimento de armas aos rebeldes do Donbass – incluindo forças especiais e milícias apoiadas pelo estado.

Mas isso é, precisamente, o que as potências da OTAN como EUA, Grã-Bretanha e França sempre fizeram, sem descanso, em todo o mundo ao longo de anos, da Nicarágua à Síria e Somália. A ideia de que a Rússia estaria inventando uma nova modalidade de “guerra híbrida” na Ucrânia é bizarra.

Não significa dizer que a guerra por procuração entre OTAN e Rússia na Ucrânia não seja feia e perigosa. Mas não é preciso ter qualquer simpatia pelo autoritarismo oligárquico de Putin, para reconhecer que a OTAN e a União Europeia, não a Rússia, iniciaram e alimentaram a atual crise – e que as potências ocidentais opõem-se hoje a um acordo negociado, única saída possível para o que foi criado na Ucrânia, porque temem exibir sinais de fraqueza.

O acordo na Ucrânia terá de incluir autonomia federativa, direitos iguais para as minorias e neutralidade militar, no mínimo. É o mesmo que dizer: sem OTAN.

Dada a escala da guerra e do derramamento de sangue, e com o centro de gravidade política em Kiev pendendo cada vez mais para a direita, com a economia ucraniana em vias de implodir, só os patrocinadores ocidentais podem fazer valer algum acordo. Depois da Crimeia, a alternativa é escalada e desintegração.
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[*] Seumas Milne (nascido em 1958) é um jornalista e escritor britânico. Muito respeitado como colunista e Editor associado do jornal The Guardian. Também autor de um best-seller sobre o 1984–5 British miners' strike, The Enemy Within: The Secret War Against the Miners, focalizando o papel do MI5  e do Special Branch na disputa.

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