sábado, 28 de fevereiro de 2015

Mísseis em Cuba e Mísseis na Ucrânia


Semelhanças e diferenças


25/2/2015, [*] MK BhadrakumarIndian Punchline − rediffBLOGS
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Entreouvido na Escolinha de Política da Vila Vudu

Elaborem o quanto quiserem intelectuais ocidentais “liberais-do-bem”, e a impressão que se tem é de que fazem o-di-a-bo, p’ra não ver o que tá aí, tão na cara: os EUA temeriam mortalmente até uma Rússia enfraquecida, em todos os casos, faça chuva ou faça sol, porque ainda temem a herança dos sete anos [foram só sete anos: 1917-1924!] de governo leninista, que mudaram o mundo para sempre. 

É a mesma razão pela qual os EUA também temem a China de Mao by Deng Xiaoping até Xi Jinping: porque Rússia e China são como a memória emocional dos pobres explorados e oprimidos de todo o mundo, que aprenderam, delas e por elas, que o comunismo é um humanismo; e que é possível derrotar o império anglo-sionista encastelado em Wall Street.

Fooorça, Maduro! Fooorça, Syriza! Fooorça, Podemos! Fooorça, BRICS!



William R. Polk, renomado analista norte-americano, que foi reitor de Harvard e consultor de política exterior, enviou-me há alguns dias seu mais recente ensaio sobre as relações EUA-Rússia (depois publicado em Consortiumnews). Acho que estamos mais ou menos no mesmo ponto das nossas reflexões, Polk e eu, sobre a crise na Ucrânia. Polk, é claro, tem vasta experiência sobre questões russo-norte-americanas. Foi conselheiro presidencial, com papel considerável durante a presidência de John Kennedy, na redução das tensões da crise dos mísseis cubanos.

Tudo isso faz de seu mais recente ensaio, altamente pertinente, objeto de leitura detalhada – quando extrai lições da crise de 1962 e a partir delas oferece um roteiro para superar-se também o impasse EUA-Rússia na questão da Ucrânia. De fato, sim, Polk traça paralelos muito claros entre o arriscadíssimo impasse de então (entre EUA e a URSS) e o de agora, os quais, para ele, teriam mais ou menos as mesmas “linhas vermelhas”. No resumo que Polk oferece,

●– É praticamente certo que nem o governo dos EUA nem o governo russo aceitariam sem responder qualquer tipo de ataque, ainda que ataque limitado.

●– Não há motivo para crer que o governo russo, se estiver na iminência de ser derrotado por armas convencionais, conseguirá evitar o recurso a armas. nucleares.

●– Todas as tentativas para limitar a escalada provavelmente fracassarão e, ao fracassarem, levarão a guerra total.
●– E as consequências previsíveis de uma guerra nuclear são catástrofe inimaginável.

Polk indica que um possível acordo na Ucrânia deva ser baseado nos seguintes elementos:

●– Rússia não aceitará que a Ucrânia seja empurrada para dentro da OTAN;

●– Rússia tem interesses legítimos na Ucrânia;

●– A intromissão dos EUA no que são assuntos essencialmente russo-ucranianos é injustificável e tem de ter fim imediatamente.

A parte triste é que está longe de garantido que o presidente Barack Obama esteja aberto para ouvir conselho tão altamente sensível. Posto em fórmula simples, Obama é incapaz de livrar-se do triunfalismo que marcou as políticas de Washington para a Rússia pós-soviética desde o início dos anos 1990s.

Robert Kagan na Brookings Institution
(não esquecer que ele é marido da Victoria "Fuck EU" Nuland!)
Fato é que um dos principais ideólogos que aparentemente orienta o pensamento de Obama sobre a Rússia, Robert Kagan, da Brookings, escreveu há apenas uma semanaque

Apesar de toda a conversa fiada sobre o declínio dos EUA, o que conta é que é no campo militar que a superioridade norte-americana continua a aparece mais claramente. Mesmo nos quintais de outras grandes potências, os EUA ainda conservam a capacidade, além de aliados poderosos, para conter quaisquer desafios contra a ordem da segurança. Mas sem a disposição dos EUA para usar o poder militar para estabelecer o equilíbrio em regiões distantes do mundo, todo o sistema desabará sobre a incontida concorrência militar de outras potências militares regionais.

Na ordem Kaganista “liberal” do mundo, admite-se que Rússia, China ou qualquer potência regional entrem em competição econômica contra os EUA, mas “competição no plano da segurança é outra coisa”, porque “não há equilíbrio estável de poder na Europa ou na Ásia, sem os EUA”.

Polk dificilmente encontrará ouvidos racionais que lhe deem atenção em meio ao triunfalismo e sob a mentalidade de Guerra Fria que ainda prevalecem em Washington. Mas, como escrevi há algum tempo com admiração (vide Obama’s “moving finger” writes Irã ties), e por surpreendente que seja, no que tenha a ver com o engajamento com o Irã, Obama tem sido o realismo em pessoa, perfeito na avaliação dos limites do poder dos EUA. Assim sendo... como é possível que a mesma mente capaz de reflexão tão ponderada, converta-se em exatamente o contrário de qualquer ponderação refletida e equilibrada, se o assunto é a Rússia?

Obama insiste...
Para mim, a diferença crucial está noutro ponto: a Ucrânia nada tem a ver com reagir contra alguma “agressão” russa, como Obama repete incansavelmente.

Na realidade, a Ucrânia tem muito mais a ver com os EUA reafirmarem a própria liderança transatlântica, nesses tempos de pós-Guerra Fria.

Não é o caso no que tenha a ver com o Irã, porque aí Obama conta com o apoio da Europa. E com certeza absoluta não foi o caso na crise dos mísseis em Cuba em 1962, em plena era da Guerra Fria.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House,  e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.

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