sexta-feira, 10 de abril de 2015

Pepe Escobar – Bombardear o Irã? Não agora. Bombardear o Iêmen

8/4/2015, [*] Pepe EscobarRussia Today – RT
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Operação "Tempestade Decisiva" 
(clique no "link" para ter mais informações)
A “Operação Tempestade Decisiva” – a Casa de Saud autoglorificando à maneira do Pentágono o seu medonho show “Bombardear o Iêmen” – pode ser resumido num só parágrafo.

A mais rica nação árabe – a petro-hacienda da Casa de Saud – apoiada por outros petro-bandidos e também pelo rico “Ocidente” lançou uma operação – ilegal – de bombardeio/ guerra/ operação cinética contra a mais pobre nação árabe, e tudo em nome da “democracia”.

E esse absurdo é só o começo.

A chefa da política externa da União Europeia, mais sem-graça que cannoli dormido, Federica Mogherini, parece estar ligeiramente alarmada. Disse que:

(...) o bombardeio deliberado, pelos sauditas, de hospitais e a deliberada destruição de residências, escolas e da infraestrutura básica do país não podem ser tolerados.

Ora, dado que a União Europeia tolera tão bem exatamente a mesma coisa, que os bandidos de Kiev fazem no Donbass, – deve-se concluir que dará em nada toda essa fingida indignação da La Mogherini.

A Cruz Vermelha e a Federação Russa, por sua vez, pelo menos estão exigindo um cessar-fogo, mesmo que temporário, para permitir a chegada de comboios de ajuda humanitária. Ajuda humanitária não é compatível com o tipo sanguíneo da Casa de Saud. Assim sendo, depois de duas semanas de “Choque e Pavor” saudita, o número de civis iemenitas mortos (560, mas aumentando dia a dia) e feridos (até aqui, 1.700, dúzias dos quais são crianças) – só aumentará.

Bab-el-Mandeb aqui ni mim, baby

Bombardear o Irã? Não agora; o novo normal é bombardear o Iêmen. Mas bombardear o Irã pode voltar num piscar de olhos. O Ash Carter, Supremo do Pentágono, confirmou semana passada que “todas as opções estão sobre a mesa” mesmo que, em junho, se chegue a um acordo nuclear no Irã+P5+1. Assim sendo, o Pentágono está dizendo oficialmente que as negociações nucleares são só alarido, que não conseguirão impedir a empolgante possibilidade de mais uma boa guerrinha no Oriente Médio.

O bombardeio genocida dos sauditas atinge preferencialmente infraestrutura urbana (hospitais, escolas, abastecimento de água, mercados, etc.) e áreas residenciais. 
Desnecessário dizer, o “Oeste” tão civilizado nem piscou, quando a Casa de Saud, dos “nossos felásdaputa”, invadiu e se pôs a “chocar & apavorar” o infeliz, paupérrimo, miserável Iêmen. Nada de Resolução do Conselho de Segurança da ONU. Nem mandado da totalmente desacreditada Liga Árabe. Quem se incomoda? Afinal de contas, o “Império do Caos” sempre fez exatamente a mesma coisa incontáveis vezes, em total impunidade.

Muita histeria rugiu pelo mundo sobre se os houthis estariam perto de assumir o controle sobre Bab-el-Mandeb – um dos gargalos mais estratégicos no fluxo global de energia, assim como o Estreito de Ormuz, tão crucial quanto o Canal de Suez. Bobagens. Faça a Casa de Saud o que fizer, a agenda nada oculta do “Império do Caos” é nunca perder o controle do Estreito de Bab-el-Mandeb, do Golfo de Aden e das Ilhas Socotra.

Todos são parte do que se pode chamar de “Gargalistão” (ou “Estreitolândia” (NTs)]: olócus de todas as guerras que se travam hoje perto ou em torno dos gargalos de energia, sempre narradas na terminologia de escamoteamento e enganação da Guerra Global ao Terror [orig. Global War on Terror (GWOT)]. A think-tankelândia dos EUA é mais óbvia, seguindo atentamente os deslocamentos navais dos EUA. É disso que se trata: uma orwelliana “liberdade de navegação” que esconde estratégia de linha duríssima para cercar e isolar o inimigo geopolítico – seja Irã, Rússia, China ou todos os anteriores.

“Gargalistão” (ou “Estreitolândia” (NTs) está por todos os lados: basta examinar a guerra, ou ação de pré-posicionamento no Bab-el-Mandeb (com efeitos que respingam ali vindos do Iêmen para a Somália, Eritreia, Etiópia, Djibouti); o Estreito de Ormuz (tudo a ver com o Irã); mas também o Estreito de Malacca (tudo a ver com a China), o Estreito do Panamá (tudo a ver com a Venezuela), o futuro Canal da Nicarágua (tudo a ver com a China), o Estreito da Coreia, o Estreito de Taiwan, as Ilhas Kuril e, por último, mas não menos importante, o Mar Báltico.

7 gargalos críticos de petróleo no mundo
Deu a louca na Grand Armada

A inteligência saudita sabe que os houthis não têm meios para controlar o estreito de Bab-el-Mandeb – sem nem dizer que Washington nunca permitiria. O que realmente enlouquece os sauditas é que a rebelião dos houthis no Iêmen – apoiada por Teerã – pode acender estimulantes ideias de rebelião entre a maioria xiita que habita as províncias do leste da Arábia Saudita, onde também mora o petróleo.

E essa foi a desculpa dos sauditas para as interfaces de guerra com a paranoia do império, que só pensa em impedir que Irã, Rússia a/ou China venham a firmar uma possível presença estratégica no Iêmen, bem em Bab-el-Mandeb, com vista para o Golfo de Aden.

Assim temos mais uma vez o Supremo do Pentágono, a insistir que:

Os EUA apoiam os planos árabes para criarem uma força militar unificada para enfrentar crescentes ameaças de segurança no Oriente Médio, e o Pentágono cooperará com eles onde coincidam interesses árabes e dos EUA.

Tradução: demos luz verde aos nossos felásdaputa para que mantenham “a estabilidade” no Oriente Médio.

Porque há uma cunha na engrenagem: a possível reaproximação Washington–Teerã, assumindo-se que se chegue a algum acordo. Para o governo Obama que se autodescreve como “não faça nenhuma merda coisa estúpida”, o acordo nuclear será seu único sucesso de política externa. Além disso, sem Teerã não há como guerrear (de verdade) contra ISIS/ ISIL/ Daesh no “Siriaque”.

Federica Mogherini e o MRE do Irã, Javad Zarif 
Nada disso amolece os cosmicamente paranoicos sauditas que, num segundo, reuniram seu bloco “Deu a Louca na Grand Armada” (DeLGA) – 100 jatos de combate, 150 mil soldados – respeitosamente descrita pela Think-tankelândia norte-americana como uma “coalizão” de dez países. Sem nem fingir que se preocupam com regras da ONU, os sauditas instantaneamente declararam uma zona aérea de exclusão sobre o território do Iêmen.

Além dos bombardeios contra prédios residenciais, foram atacados o campo de refugiados internos em al-Mazraq, uma usina de tratamento de leite perto de Hodeida e outras instalações e, claro, foi desencadeada a mais feroz repressão interna contra os iemenitas, atacados com tanques e tiroteio indiscriminado em Awamiyah, nas províncias orientais; os xiitas não conseguem nem pensar em organizar protestos contra o banho de sangue no Iêmen.

Em resumo, é o regime corrupto, medieval, imensamente rico dos sauditas, dedicado a fazer guerra contra seu próprio povo. Os imãs linha-dura wahhabistas de sempre estão trabalhando sem parar para fazer subir, por toda parte, a febre anti-xiita e anti-Irã: todos são “apóstatas” para o pensamento takfiri, e os iranianos são decaídos “Safawis” – termo fortemente pejorativo relativo à dinastia Safavida do século XVI. É crucial ter em mente que o Estado Islâmico também ameaça dessa mesma forma xiitas e iranianos. Mas podem esquecer: nada disso, absolutamente nada, será jamais noticiado pela imprensa corporativa ocidental.

O general e o xeique

A Casa de Saud insiste que quer reinstalar no poder no Iêmen o governo-no-exílio do presidente Abd Rabbuh Mansour Hadi. Ou, como diz o embaixador saudita nos EUA, rebentando de orgulho, “queremos proteger legítimo governo do país”.

lobby regiamente pago dos hagiógrafos sauditas já distribuem/ repetem freneticamente a narrativa da guerra sectária sunitas contra xiitas – que ignora completamente a imensa complexidade tribal/de classes da sociedade iemenita. Em resumo, essa risível defesa, pelos sauditas, da democracia, está pavimentando o caminho para uma guerra de solo: longa, sangrenta, horrivelmente cara guerra de solo.

E a coisa fica, como se deveria prever, ainda mais absurda. Recentemente, numa audiência da Comissão de Serviços Armados do Senado, alguém perguntou ao general Martin Dempsey, Comandante do Estado-Maior das forças conjuntas dos EUA, se sabia de “algum grande aliado árabe que acolha o ISIL”. Resposta do general: Sei de grandes aliados árabes que financiam o ISIL 

Tradução: o governo dos EUA não apenas não sancionam ou punem os tais “aliados” (divertido mesmo é sancionar a Rússia) como, além disso, fazem chover apoio “não letal” e logístico sobre a tal “coalizão” que, ao que tudo indica, parece estar combatendo contra o mesmo Estado Islâmico que eles mesmos financiam. Ninguém conversa sobre isso; e, assim, a infindável guerra contra o terô [1] continua a ser o presente que nunca para de cair do céu.

Tudo fica ainda mais espantoso e estranho, se se vê que o general Dempsey e Xeique Nasrallah do Hezbollah estão na mesma página. No seu recente (e crucialmente importante) discurso [em tradução (NTs)], Xeique Nasrallah relata extensivamente e com detalhes precisos, as origens e a ideologia do ISIS/ ISIL/ Daesh. E aqui ele se estende sobre Iêmen, Arábia Saudita e Irã.

Assim se vê que o que se tem é o “Império do Caos” “liderando pela retaguarda” na guerra contra o Iêmen e também, de fato, “liderando pela retaguarda” na luta contra ISIS/ ISIL/ Daesh; quem faz o serviço pesado são milícias iraquianas apoiadas por Teerã. A agenda oculta é sempre – e o que mais seria? – caos e mais caos; seja por todo o “Siriaque” ou dentro do Iêmen. Com um bônus: enquanto Washington está ocupado montando um acordo nuclear com Teerã, cuida de turbinar também uma aliança contra Teerã, servindo-se da Casa de Saud.

Um Vietnã no deserto

A Casa de Saud quer loucamente que o Paquistão não deixe ninguém vivo, e fornece jatos bombardeiros, navios e muitos e muitos coturnos em solo para a guerra deles. Riad trata Islamabad como estado vassalo. Sessão conjunta do Parlamento paquistanês decidirá o que fazer.

Todo houthi tem a sua AK-47 (5/4/2015)
É muito revelador saber o que aconteceu quando o mais popular canal de TV privada do Paquistão reuniu representantes de todos os maiores partidos políticos, para que explicassem o que cada um defende. Rapidamente chegaram a um consenso: o Paquistão deve ser neutro; deve agir como mediador; não deve comprometer seus soldados, a menos que haja “ameaça tangível” às duas mesquitas sagradas em Mecca e Medina, do que absolutamente não se cogita agora.

A Casa de Saud continua a fazer hora-extra, fazendo chover toneladas de dinheiro sobre pregadores salafistas e deobandistas para que promovam a guerra dos sauditas; o que inclui uma delegação da Ulemá em visita a Riad. Já chegou também o apoio vindo dos grupos mais linha-dura que têm bases no Paquistão, treinados com a al-Qaeda e que combateram com os Talibãs no Afeganistão; afinal, todos esses são mantidos com o dinheiro de wahhabistas fanáticos.

Entrementes, nas linhas de frente, pode estar surgindo fator realmente capaz de alterar o jogo, com os houthis já disparando mísseis sobre a fronteira, contra instalações sauditas de petróleo. Com isso todas as apostas são possíveis – e a possibilidade de que haja mísseis pré-posicionados passa a ser crível.

Aquele cenário significaria uma agência estrangeira de inteligência atraindo a Casa de Saud para seu próprio pântano à Vietnã, no Iêmen, pondo-os em lugar onde são alvos de mísseis que detonarão as estações de bombeamento e campos de petróleo, com consequências catastróficas para a economia global. Não se pode esquecer que o bloco “Deu a Louca na Grand Armada” (DeLGA) reunido por Riad gera nada menos que 32% da produção global de petróleo. Não há meio de isso acabar bem.

No Iêmen, todos têm, cada um, a sua [metralhadora] AK-47, para não falar dos foguetes lança-granadas [RPGs] e granadas de mão. O terreno é o paraíso da guerrilha. A história registra tribos fortalecidas por pelo menos 2.000 anos de lutas contra invasores estrangeiros. A maioria dos iemenitas odeia de morte a Casa de Saud; a maioria acredita no que os houthis anunciaram no final de fevereiro/2015: que a Casa de Saud e os EUA estavam vindo para destruir o Iêmen.

A rebelião dos houthis congrega sunitas e xiitas – o que basta para desqualificar completamente a narrativa saudita. Quando capturaram o Gabinete de Segurança Nacional do Iêmen, que basicamente era um escritório da CIA, os houthis encontraram vasta quantidade de documentos secretos que “comprometeu” todo o capítulo iemenita da guerra ao “terô” [1] de Washington. Quanto ao exército saudita, é piada. Além do mais, inclui vasto contingente de – adivinhem! – soldados iemenitas.

A “Operação Tempestade Decisiva” – mais uma guerra ilegal estilo Pentágono – já lançou o Iêmen nas garras das duas pragas gêmeas – a guerra civil e o desastre humanitário. O que resta da al-Qaeda na Península Arábica [orig. al-Qaeda in the Arabian Peninsula (AQAP)], e a maior parte de todos os ISIS/ ISIL/ Daesh (que odeiam de morte os houthis e todos os xiitas) não poderiam estar mais felizes. O “Império do Caos” nem dá bola; quando mais vasto e generalizado o caos, melhor para a “Guerra Longa” (contra o “terô”) como o Pentágono a definiu.

Há mais de cinco anos, escrevi que o Iêmen era o novo Waziristão. Agora já está mais para nova Somália. E pode, em breve, converter-se no Vietnã da Casa de Saud.
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Nota dos tradutores
[1] Tentativa de traduzir a expressão “war on terá”, que é como Bush pronuncia a expressão “war on terror”. Todos os comentários e correções são bem-vindos.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: SputinikTom Dispatch, Information Clearing HouseRed Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia TodayThe Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
− Adquira seu novo livro  Empire of Chaos, publicado no final de 2014 pela Nimble Books.

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